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Para se adequar à lei, Goiás deve reduzir R$ 1,4 bi em folha de pagamento

Estado gastou 49,39% com pessoal e atingiu o limite máximo estabelecido de 48,60%

Bruno Peixoto afirma que não há projeto de lei em tramitação para enquadrar Estado no RRF

Líder do Governo na Alego diz que esforços têm sido feitos para cortar gastos, mas não há propostas de lei para modificar teto de gastos 

Indústrias lutam para manter incentivos com RRF

União espera que estados em recuperação fiscal gastem menos com incentivos, mas a contrapartida pode minguar geração de empregos e competitividade de indústrias goianas

Regime de Recuperação Fiscal dá fôlego, mas sufoca o governo

Programa permite que governo adie pagamento da dívida com a União, mas prevê medidas que impactam o funcionalismo e o setor produtivo

Caiado e Roller (à esq.): governo joga forte na Assembleia para aprovar a adesão ao RRF | Foto: Francisco Costa

A aprovação da Assembleia Legislativa à adesão de Goiás ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF), que deve ocorrer nesta semana, chega com seis meses de atraso, mas dará fôlego ao governador Ronaldo Caiado (DEM) até o final do ano. Ao permitir a suspensão do pagamento de dívidas por um semestre, no montante de R$ 1,2 bilhão, a medida diminui o risco de atraso no pagamento do funcionalismo (ameaça cada vez mais concreta a cada mês, desde o início do ano) e melhora o fluxo de caixa. Mas o remédio amargo, para usar as palavras do presidente da Alego, Lissauer Vieira (PSB) tem uma série de efeitos colaterais e não garante a cura do enfermo.

De cara, o sinal verdade dos deputados permitirá que o governo deixe de pagar dívidas com bancos oficiais, como Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Caixa Econômica e Banco do Brasil, e com a União. O valor é de aproximadamente R$ 200 milhões por mês. A partir de então, Goiás ganha seis meses para cumprir as exigências da Secretaria do Tesouro Nacional (STN) para ingresso definitivo no Regime de Recuperação Fiscal (RRF).

O acordo com a Assembleia foi costurado após a concessão de liminar pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Medes e só foi fechado no final da semana. Na quinta-feira, 27, os secretários Cristiane Schimidt, da Economia, e Ernesto Roller, de Governo, foram pessoalmente para o corpo a corpo.

A pressa era para que os parlamentares votem o texto antes do recesso parlamentar de julho, pois, ao contrário, a decisão ficaria para agosto. Para conseguir o apoio, o governo teve de ceder e incluir uma emenda que obriga que a Assembleia aprove cada passo do ajuste que o governo terá de tomar para se enquadrar no RRF. “Somente no segundo semestre é que se há de debater às quais o Estado deve aderir para se adequar às exigências do Tesouro Nacional”, disse o líder do governo, Bruno Peixoto.

Bruno Peixoto, líder do governo: medidas concretas só no segundo semestre | Foto: Fernando Leite/Jornal Opção

A adesão ao RRF garante uma série de outros “privilégios” ao Estado, em relação àqueles que estão fora do regime. Entre eles, a suspensão do pagamento de parcelas de dívidas administradas pelo Tesouro Nacional por até 36 meses; suspensão de requisitos legais para a contratação de novos empréstimos; prorrogação do prazo para adequação dos limites de gastos com pessoal; suspensão da comprovação de pagamentos de tributos para receber transferências voluntárias da União; antecipação de receitas oriundas de privatizações; crédito para programas de demissão voluntária; entre outros.

A expectativa do governo de Goiás, além da economia imediata de R$ 1,2 bilhão, é obter empréstimos que podem chegar a R$ 3 bilhões. Todo esse montante se somaria à dívida consolidada do Estado, que atualmente é de R$ 19 bilhões – ou seja, seria um acréscimo de 15%.

Para entrar no Regime de Recuperação Fiscal, contudo, o Estado tem de dar contrapartidas; muitas delas, duras. A Secretaria do Tesouro Nacional (STN) exige sete medidas e impõe 14 vedações aos participantes. Entre as medidas estão a privatização de empresas estatais dos setores financeiro, de energia, saneamento e gás; a redução de incentivos fiscais em até 10%; e a criação de um teto de limite de gastos.

O capítulo das vedações é ainda mais complexo. Os Estados ficam impedidos de conceder reajustes aos servidores acima do que prevê a data-base; criação de cargos e mudanças na estrutura funcional que implique no aumento de despesas; realização de concursos públicos; admissão ou criação de cargos; contratação de publicidade que não seja de utilidade pública; entre outras. Tais medidas não atingem apenas o Poder Executivo, mas toda a estrutura estatal, como Judiciário, Ministério Público e tribunais de contas.

O cumprimento das regras deverá ser acompanhado por um Conselho de Supervisão Fiscal, ligado ao Ministério da Economia. O conselho será formado por um representante do ministério, um do Tribunal de Contas da União e um do Estado e tem de produzir relatórios mensais de prestação de contas.

Jeovalter Correia: "A adesão ao Regime de Recuperação Fiscal é um tiro no pé" | Foto: Fábio Costa/Jornal Opção

 “O estado fica engessado por um Conselho de Supervisão do RRF nomeado pelo Presidente da República. A gestão do Estado seria terceirizada para o Conselho, de tão amplos os seus poderes”, explica o consultor em Gestão Pública Jeovalter Correia.

O Governo de Goiás ainda não definiu quais são as medidas que vai tomar para enquadrar-se ao RRF. Na sexta-feira, o secretário de Governo, Ernesto Roller, afirmou que o Estado está falido e que a simples adesão já permite que se possa fazer alguns empréstimos. “Claro que outras medidas ainda precisam ser efetivadas”, disse. “[O RRF] é fundamental para o Estado de Goiás que está com um déficit gravíssimo vindo do outro mandato e com um enorme desequilíbrio fiscal”.

O discurso do secretário, porém, sinaliza que os tempos serão bicudos. “Não celebramos a entrada no RRF. O ideal era que nada disso fosse necessário, mas, à vista da irresponsabilidade praticada nos últimos anos em Goiás, não há outra alternativa”, disse. A secretária Cristiane Schmidt não se pronunciou. Procurada, a assessoria de comunicação da Secretaria da Economia informou que ela se posicionará posteriormente.

Até agora, apenas o Rio de Janeiro aderiu ao RRF

Lançado em 2017 pelo governo federal, o Regime de Recuperação Fiscal tem, até agora, a adesão apenas do Rio de Janeiro. De acordo com a Secretaria do Tesouro Nacional (STN), além do Rio, só o Rio Grande do Sul e Minas Gerais reuniam os critérios para ingresso. Os gaúchos chegaram a dar início ao processo, mas não concluíram.

No início do ano, Goiás foi barrado pela STN, que considerou que o Estado não atendia os critérios. Após o não dos técnicos, o governador Ronaldo Caiado (DEM) buscou alternativas, como o ingresso no Plano de Equilíbrio Fiscal (PEF) e a possibilidade de que governos estaduais tivessem acesso a 30% dos recursos dos fundos constitucionais. Contudo, apesar dos acenos do Planalto, as duas medidas nunca saíram do papel.

Assim, Caiado insistiu no RRF até obter a limiar do ministro Gilmar Mendes que autorizou a entrada do Estado. A Advocacia-Geral da União ainda estuda se irá entrar com recurso contra a decisão do ministro.

“O Estado do Rio implantou o RRF e até o hoje os resultados são tímidos. O Estado está às voltas com um programa de ajuste fiscal doloroso com resultados desastrosos para a população”, analisa o consultor em Gestão Pública Jeovalter Correia.

Na última semana, o governador fluminense, Wilson Witzel, entregou ao ministro da Economia, Paulo Guedes, a proposta de prorrogação do regime por mais dois anos. Na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da crise fiscal investiga o aumento da dívida consolidada do Estado após o ingresso no Regime de Recuperação Fiscal.

Jeovalter Correia vê o ingresso de Goiás com receio. “O Regime de Recuperação Fiscal está para os Estados como a Recuperação Judicial para empresas privadas. Nesse sentido, quem vai vender ou negociar com um Estado que está falido? Quem vai empreender em Goiás, sabendo que o Estado não tem condições de investir na infraestrutura necessária para viabilizar o empreendimento por algum tempo?”, questiona.

Segundo o consultor, a adesão ao programa torna o Estado menos atrativo para os negócios e impacta no risco de crédito, o que aumentaria os custos desses empréstimos. “Em resumo, a adesão ao RRF é um tiro no pé”, diz.

Além disso, se o remédio amargo alivia alguns sintomas imediatamente, não controla a doença a longo prazo. “O ideal seria o Governo do Estado fazer o dever de casa para resolver os seus problemas de custeio e buscar financiamento para investimentos. Não vejo o menor sentido tomar empréstimos para pagar despesas de pessoal e custeio da máquina. Isso não tem sustentabilidade fiscal”, avalia Jeovalter.

Funcionalismo e setor produtivo esperam por medidas

Enquanto o governo estadual não divulga as medidas que efetivamente serão tomadas, setores que serão diretamente envolvidos vivem a expectativa pelo que virá. “Os servidores, mais uma vez, pagarão o pato”, acredita o presidente do Sindipúblico, Nylo Sérgio.

O temor do sindicalista é que benefícios como quinquênio e licença-prêmio, por exemplo, sejam extintos. Além disso, ganhos salariais reais ficam praticamente descartados. De fato, uma das exigências do Regime de Recuperação Fiscal é que as reposições salariais se limitem à data-base. “Caso seja necessário, buscaremos ações judiciais e manifestações. Os servidores estão cansados, não aceitamos mais sermos os culpados por tudo. Já arcamos com a maior taxa previdenciária do Brasil (14,25%), recentemente houve o reajuste do Ipasgo (21%) e agora mais essa”, desabafa.

Nylo Sérgio, do Sindipúblico: "Mais uma vez o servidor vai pagar o pato" | Foto: Divulgação

Em entrevista ao Jornal Opção, o presidente da Federação das Indústrias do Estado de Goiás (Fieg), Sandro Mabel, disse que não acredita que o governo mexerá novamente nos incentivos fiscais – uma das exigências do RRF é o corte de 10% nos incentivos e benefícios. Segundo ele, o governador Ronaldo Caiado informou ao setor que o projeto que chegou à Assembleia se limita a autorizar o Estado a entrar no regime. Mabel confia, também, na manutenção dos contratos relacionados ao Fomentar e ao Produzir. “O que pode haver são interferências em contratos feitos por meio de créditos outorgados, por exemplo”, explicou.

Já o presidente da Associação Pró-Desenvolvimento Industrial do Estado de Goiás (Adial), Otávio Lage Filho, disse ao Jornal Opção que o setor realiza uma série de estudos sobre o impacto do RRF no setor. “Depois desses estudos, vamos conversar [com o governo]”, afirmou.