Humberto Chaves
Especial para o Jornal Opção

Imagine que agora você passa a ser cobrado por todas as ações negligentes cometidas contra o meio ambiente. Imagine que, no mundo, tudo que você conhece tome uma forma de vida e que, agora, tudo reaja a seus atos inconsequentes.

O mundo nada metafórico antropizado, induzido a uma metamorfose irreversível e a forma motriz dessa grande engrenagem são suas ações, seus impulsos, seus valores. Imagine um mundo em que o único ator de tudo é somente você, nada e ninguém mais convive numa sociedade e todas as causas e todos os efeitos provêm de suas ações.

Imagine tudo que você joga para fora de seu carro, através da janela, por ela mesma voltasse neste momento, acumuladamente, sem juros, de tudo que foi atirado por você. O copo plástico com resto de borra daquele café mal passado onde você enrolou também um guardanapo e que acompanhou o copo no voo pela janela.

Imagine as cinzas do seu cigarro, de todos os cigarros de sua vida, voltando avermelhadas ainda em brasa lhe queimando a roupa, talvez a córnea. O vulto passando à sua frente do maço dos mesmos cigarros voltando a toda velocidade e caindo sobre o painel do seu carro que polui voluntariamente a atmosfera. E se essa poluição também retornasse para dentro do conforto do seu automóvel?

Imagine a fumaça voltando ao ponto de partida, com a mesma arrogância com a qual foi atirada, imagine todas as inspirações das outras narinas que expiraram a fumaça dos seus cigarros, todos de sua vida. Eu sei que você não sente asco neste momento, não percebe nem terá senso crítico para tanto, mas é o que vejo quando um fumante ao longe ou perto joga para cima sua fumaça como uma locomotiva e de imediato sinto o cheiro que sai de dentro dele. Na verdade respiramos o tempo todo o que expira o outro, mas só nos damos conta quando há a fumaça do cigarro para denunciar.

Pense na porta de sua casa, em sua lixeira. Talvez se fossem agregados todos os resíduos produzido durante sua vida, apenas aqueles que você nunca separou, as garrafinhas do seu churrasco, os refrigerantes da garotada, os copos descartáveis. Falando em copos descartáveis: são descartáveis, mas devem ser junto com outros resíduos da mesma classificação? Sim, tudo tem uma ciência como diria meu pai. Hoje, a porta da sua casa seria um grande lixão, não teria espaço nem mesmo para os seus carros, porque sua garagem estaria repleta de coisas que você deixou a enxurrada levar, porque, prestes a chover, o saco de lixo que não foi para a lixeira desceu a rua abaixo até o córrego e, de lá, para o rio.

No depósito das coisas que poderiam ter sido levadas à reciclagem e foram deixadas no lote vago, os cacos, os plásticos, o lixo não segregado… se tudo voltasse para seu lado?

Imagine as manhãs de domingo e em sua janela, ao abrir, moscas voando e lagartas passando sobre a montanha de lixo que você jogou no quintal do lado. A nova mansão que você construiu desapareceu no meio dela. A piscina também não existe mais, os coqueiros ainda persistem e estão repletos de insetos que, em algum momento, rastejavam-se em busca de alimentos.

Imagine que a duas quadras de sua casa todos os sacos plásticos que foram parar no córrego voltassem para sua porta, todos da sua vida. Não teria mais porta, teria um lixão e não teria mais como entrar em sua casa, porque o portão seria apenas um pequeno vão, onde teria de se curvar e caminhar pelo extenso corredor até chegar onde, um dia, foi a cozinha que hoje nada mais é que um aglomerado de gordura e óleo… Imagine voltar ao seu convívio todo o resto de comida que espalhara pelo quintal na esperança que os pássaros viessem comer arruinando para sempre seu convívio com a natureza, cada cão e cada gato que passara por sua casa e conheceram os desprazeres da culinária humana com seus sazons, knores e molhos shoyo.

Imagine voltarem e se aglomerarem em seu banheiro todos os pedacinhos de sabonetes desperdiçados, ao longo da sua vida? Os banhos seriam a céu aberto porque seu box, seu banheiro, não lhes caberia nem mesmo para o escovar dos dentes. Pode acordar da sessão de hipnose, volte para os seus dias atuais, claro, com algum peso e alguma culpa na consciência. Mas, seja sincero: imagine!

Humberto Chaves é Geógrafo, professor e ambientalista.


Leia também:
Mesmo com prorrogação de 10 anos, maioria dos municípios goianos segue com lixões

Impressões de um repórter na favela Sol Nascente