Após bons números 2023, Agro inicia 2024 menos otimista
01 janeiro 2024 às 07h34
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Após um ano de 2023 marcado por exportações recordes no setor agropecuário brasileiro e pelo lançamento do maior Plano Safra da história do país, as perspectivas para 2024 apresentam um cenário menos otimista. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) projeta uma safra menor, enquanto o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) indica a possibilidade de influência do fenômeno El Niño na produção. Além disso, especialistas destacam que a geopolítica internacional, as flutuações cambiais e as taxas de juros também impactarão o setor.
Miguel Daoud, analista econômico-financeiro especializado no agronegócio, destaca a dependência do cenário interno do Brasil em relação à geopolítica internacional. Ele acredita que as variáveis nesse campo são administráveis, desde que não ocorram eventos inesperados, como uma nova guerra. Daoud observa a competição entre países, especialmente entre China e Estados Unidos, mas não prevê que esses atritos afetem significativamente o mercado financeiro.
Quanto ao conflito no Leste Europeu entre Ucrânia e Rússia, Daoud acredita que tende a encontrar um equilíbrio, sem impactos significativos na oferta e demanda agrícola. Sobre o conflito no Oriente Médio entre Israel e Hamas, ele prevê uma acomodação, embora destaque a possibilidade de aumento no preço do petróleo se houver interrupção no fluxo da região para outros países.
O analista também aborda o interesse dos Estados Unidos na resolução da tensão entre Venezuela e Guiana, mas acredita que esse impasse não deve afetar o agronegócio brasileiro. Quanto à questão dos juros nos Estados Unidos, Daoud é otimista, indicando que a inflação parece se acomodar e que não há grandes problemas esperados em relação a esse aspecto.
Daoud ressalta que, apesar das projeções negativas sobre a geopolítica mundial em 2024, os riscos estão minimizados devido à interdependência entre os mercados. Ele destaca a globalização e a compreensão de que prejudicar um mercado resulta em prejuízo mútuo.
Mercado externo e apetite chinês
As exportações do agronegócio brasileiro bateram recorde de US$ 139,58 bilhões nos dez primeiros meses de 2023. O crescimento foi superior a 3% em valor e de quase 10% em volume na comparação com o mesmo período de 2022. Os principais impulsionadores dessa alta foram os setores do complexo soja, sucroenergético e de cereais, farinhas e preparações.
A Ásia foi o principal destino desses produtos brasileiros, com US$ 74,60 bilhões em exportações; seguida pela União Europeia, com US$ 18,43 bilhões. A China – maior parceiro comercial do Brasil – absorveu US$ 51,10 bilhões em exportações.
Para Miguel Daoud, o agronegócio vai ter mercado, mas os problemas internos com relação a infraestrutura, câmbio e juros serão os maiores entraves. Ele lembra que o país é um grande exportador de commodities. “Exportamos minério de ferro, soja, milho, algodão, café, carnes…”, elenca, ressaltando que, nas últimas duas décadas, a China foi o país que mais demandou volume de alimentos no mundo e o Brasil conseguiu atender a essa demanda.
“Isso fez o agronegócio crescer. Havia uma demanda no mundo, puxada pela China, maior que a oferta, com tendência de preços subindo. Hoje, esse cenário mudou. As taxas de juros eram praticamente negativas e os investidores apostavam no mercado dessas commodities. Com a elevação da taxa de juros, os investidores, que dão sustentação aos preços, saem. O preço cai e os insumos ficam mais caros por outras questões”, pontua.
Nesse cenário, o analista prevê que o Brasil pode ter problemas em 2024, em relação à formação de preços das commodities. “Os custos vão continuar altos, os preços vão continuar deprimidos e a deficiência em logística acaba encarecendo os custos. Vejo a questão dos preços e custos dos produtos agropecuários com dificuldade de superar as duas décadas passadas. Temos pela frente uma dificuldade, já que somos meros exportadores de commodities”, avalia.
Segundo ele, outro entrave pode ser o ajuste das políticas fiscais que o país vem fazendo. “O Brasil vai ter muito espaço para investimento e o Real pode ter uma forte valorização. Com isso, a paridade de troca, em relação às exportações, fica comprometida. É mais um desgaste da balança de quem exporta pela questão cambial, em função de uma valorização do Real decorrente da atratividade pelos investimentos.”
Já em relação à taxa de juros no país, ele acredita que vai continuar caindo. “Mas não vai ser uma queda grande, porque temos uma dívida muito alta. Vai cair, mas não a ponto de aliviar a relação dívida/PIB no curto prazo. Então, investir em produção vai continuar sendo caro.”
IBGE prevê queda
A safra brasileira de grãos, cereais e leguminosas deve ficar em 308,5 milhões de toneladas em 2024, segundo estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística para a produção agrícola brasileira no ano. Caso a projeção se confirme, a safra será 2,8% menor, o que equivale a 8,8 milhões de toneladas a menos em relação à estimativa de 2023, de 317 milhões de toneladas, segundo o Levantamento Sistemático da Produção Agrícola (LSPA) feito em outubro e também divulgado em novembro pelo IBGE.
A queda de 2023 para 2024 deverá ser influenciada principalmente pelas lavouras da soja, com previsão de queda de 1,3%, ou menos 2 milhões de toneladas, e de milho, que deverá recuar 5,6%, ou menos 7,3 milhões de toneladas. Os dois produtos também deverão ter queda na área colhida, de 0,6% e 0,4% respectivamente. Já a cultura do arroz tem alta estimada de 2,5% na produção, com aumento de 4,5% na área colhida.
Eventos climáticos
O Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) informa que, considerando a previsão dos modelos climáticos e a permanência do fenômeno El Niño, o impacto na safra de verão precisa ser avaliado. De acordo com o instituto, o clima no Brasil não é influenciado apenas pela atuação do El Niño, já que outros fatores também interferem nas condições meteorológicas. Isso faz com que a previsão climática nas regiões produtoras mereça atenção.
Na região que engloba áreas do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, a chuva ficou abaixo da média em outubro e novembro de 2023, mantendo os níveis de água no solo muito baixos, o que prejudicou as fases iniciais dos cultivos de verão. O Inmet aponta que, nos próximos meses, a umidade tende a continuar baixa, persistindo as condições de déficit hídrico e de aumento da evapotranspiração devido às altas temperaturas.
No Brasil Central, o retorno da chuva, na segunda quinzena de dezembro, contribuiu para aumento dos níveis de água no solo em algumas áreas, informa o Inmet. Esse cenário tem sido importante para a retomada do plantio e desenvolvimento dos cultivos de primeira safra, à exceção do Norte de Minas Gerais, onde os níveis de água no solo estão mais baixos. Há, porém, a previsão de chuva regular para os próximos meses, o que pode contribuir para a recuperação dos níveis de água no solo, favorecendo as culturas em estágios de maior necessidade hídrica.
Já os volumes de chuva previstos para a Região Sul devem manter os níveis de água no solo elevados. A diminuição do volume de chuva em relação aos meses anteriores pode favorecer a retomada da semeadura das culturas de primeira safra em regiões que estão em atraso.
O analista econômico-financeiro Miguel Daoud acredita que é muito cedo para falar em perda da produtividade relacionada ao clima. “O clima pode ter uma posição de complexidade, mas acredito que não fará o produtor rural perder muita produtividade e, consequentemente, a rentabilidade. O clima vai ser um fator para se preocupar, mas pelas análises meteorológicas para 2024, temos uma situação que pode amenizar um pouco esse cenário.”
Juros influenciam na produtividade
O Ministério da Agricultura e Pecuária comemorou o lançamento do maior Plano Safra da história do Brasil, em 2023. Segundo a pasta, no total foram R$ 364,2 bilhões em crédito rural para a agricultura empresarial, dos quais R$ 101,5 bilhões equalizados pelo Tesouro Nacional, com previsão de impacto orçamentário de R$ 5,1 bilhões para subvenção do crédito.
Miguel Daoud explica que há vários canais de financiamento, com juros livres e subsidiados. “Para os subsidiados, o governo tem posto, em média, R$ 10 bilhões. Os demais vêm de depósito compulsório e o restante, o produtor pega em juros médios. Hoje, o custo do produtor nos juros médios está na casa de 18%, que é muito alto.” Para ele , o governo não terá condições para melhorar o custo do produtor rural com o plano.
*Com informações do Jornal Estado de Minas.
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