Goiânia, uma cidade pulsante e que precisa ser melhor observada
06 maio 2017 às 11h54

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Iniciativas da população, como o projeto Deriva do Bem, mostram que existe amor por Goiânia e que as pessoas querem se relacionar melhor com o local onde moram
“O dia em que parei para observar a minha cidade percebi que ela é linda”, foi o que o li numa legenda há muitos anos na internet e pensei: que beleza é essa que nunca vi? Goiânia não pode ser bonita assim, pode? Andava muito pela cidade, cruzando-a duma ponta à outra, de ônibus, mas nunca tinha visto isso, em grande parte porque, enquanto estava na condução, tinha os olhos colados em algum livro ou estava dormindo.
Bela é a cidade, de fato, e essa percepção só veio a mim quando parei e olhei para ela, como a moça escreveu na legenda que li. Vi que algo acontece em Goiânia e muitos são os que percebem isso, e por vários ângulos, seja no enquadramento de um prédio antigo do Centro numa foto do Instagram ou no olhar de alguém sentado num banco de praça vendo passarinhos cantando em plena segunda-feira em horário de pico.
Renovar o olhar e fazer revelar a si mesmo uma nova cidade é difícil, pois, para alcançar essa renovação tão, é preciso caminhar por Goiânia, ver o que ela tem a oferecer, reconhecer tanto o que existe de bom quanto o que há de ruim, afinal são muitos os problemas que saltam aos olhos, mas são vários também aqueles que requerem maior atenção para serem percebidos.
Igrejas, construções, ruas, painéis, arte ao ar livre, pessoas. Uma cidade é feita de tudo isso e de muito mais. É formada pelo público e pelo privado, pelo macro e pelo micro, por variados estilos e culturas; é plural. Não existe uma identidade goianiense, mas muitas, sendo justamente isso o que a torna uma metrópole.
Goiânia, cidade planejada com o charme óbvio de um estilo importado, cresceu rápido e desenvolveu a beleza não tão evidente de uma cidade modesta. Isso porque, embora seja a maior de Goiás, com seus aproximadamente 1,5 milhão de habitantes atraídos nas poucas oito décadas de sua existência, a capital ainda é pequena quando comparada aos grandes centros urbanos brasileiros – o que não é, porém, um demérito.
A escala da cidade pode até ser pequena, mas isso não significa que vivemos em uma cidade pacata. As atividades são muitas. Temos, por exemplo, centenas de bares e restaurantes abertos todos os dias, além das 151 feiras de rua funcionando nos mais variados locais da metrópole de segunda a domingo; temos sete museus, oito teatros, dezenas de salas de cinema e muita música. Trata-se, portanto, de uma cidade pulsante, viva e atenta às mudanças.
Dada a juventude da capital goiana, é possível dizer, sem dúvidas, que Goiânia se renova. E o faz com propriedade, basta perceber que a cidade já não é mais a “capital do sertanejo” – talvez nunca tenha sido, mas pelo menos era assim conhecida. Ao contrário, é atualmente reconhecida por suas múltiplas cenas musicais, sobretudo a do rock.
O Boogarins, por exemplo, ganhou review no The New York Times, Carne Doce partiu em turnê e conquistou espaço nos festivais nacionais, assim como Black Drawing Chalks já havia feito. Isso para citar apenas três das bandas mais recentes. E lugares para ouvir sons assim não faltam em Goiânia.
Pubs, cafés, “estúdios” e “clubs” com sons “alternativos” se espalham pela cidade: do Centro Cultural Martim Cererê à Diablo, do Cafofo Estúdio ao Evoé, da Roxy à Taberna, do Complexo Estúdio & Pub ao Bolshoi, temos rock, funk e shows de cover. Para quem gosta, temos música eletrônica também. Temos de tudo, até sertanejo.
Os teatros, embora não tão ativos quanto gostaríamos, existem e têm programação. Os três públicos (Goiânia, Rio Vermelho e Martim Cererê) são habitados por musicais e boas peças, locais e nacionais, fora outras apresentações – o Teatro Rio Vermelho já recebeu, por exemplo, o Russian State Ballet, além de muitas atrações nacionais.
Resta ainda a Vila Cultural Cora Coralina, local que recebeu duas edições de exposições de arte de rua, com grandes painéis grafitados, além de instalações e demonstrações de dança de rua. O local, aliás, fica não apenas perto do principal teatro da cidade, o Goiânia, como também nas proximidades de muitos museus, como o da Imagem e do Som (MIS), na Praça Cívica.
Tudo está no MIS, que é pouco conhecido, mas guarda um acervo de 40 mil discos – doação da Rádio Brasil Central –, fora uma grande quantidade de fitas, gravações e filmes. Está no museu, por exemplo, a história da TV em Goiás, além de todas as edições do Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental (Fica).
Um museu pouquíssimo conhecido da população goianiense, mas que guarda um acervo muito interessante é também o Museu de Arte de Goiânia (MAG), que na década de 1970 funcionou na Praça Universitária, mas que está, desde o início dos anos 1980, no Bosque dos Buritis. Lá estão obras de nomes conhecidos da arte goiana, como Siron Franco e Frei Confaloni.
Do cinema vem um dos tradicionais eventos goianienses: a Mostra o Amor, a Morte e as Paixões, que todos os anos reúne mais de uma centena dos mais aclamados filmes pela crítica internacional e que constam sempre nos festivais mais importantes do mundo, como Cannes e Berlim, além dos concorrentes ao Oscar. Fora isso, o cinema nacional tem presença garantida no Cine Cultura, outro local pouco conhecido da população goianiense.
Ou seja, Goiânia cresce a cada dia, não apenas em população e território – a cidade já virou região metropolitana, visto que se encontra com Aparecida de Goiânia e Senador Canedo e caminha fortemente para encostar as divisas com Trindade e Goianira. A capital cresce em importância e tem sido cada vez mais valorizada por sua população.
Existe amor por Goiânia

Fernanda Calíope — Sou goiana, mas não conheço minha própria cidade. Percebi que Goiânia é uma cidade interessante, com certos ares de modernidade e um ‘quê’ de interior, o que é muito bom, pois humaniza as relações. Foi amor à primeira vista, e o Centro é simplesmente lindo, apaixonante, com seus detalhes, becos e grafites maravilhosos. Foi como percorrer um mapa e aos poucos ir descobrindo seus tesouros.
Luiz Belchior — O desconhecido traz o novo e permite que as concepções transcendam. Cada passo dado, com o olhar mais leve, fazia que os antigos estigmas caíssem por terra, como se descobrisse uma nova cidade. Após a última fotografia, senti que as cores, cheiros e sabores do Centro de Goiânia nunca mais seriam os mesmos.
Giordano Rogoski — Caminhar pelo centro da cidade me fez perceber pequenos detalhes que passaram em branco ao longo dos cinco anos nos quais passei por ali de carro, sempre com pressa, indo pra faculdade. Esse olhar mais cuidadoso fez com que eu admirasse ainda mais a riqueza arquitetônica e cultural da região.
Nathália Machado — Foi muito bom (re)conhecer Goiânia. Há 17 anos eu circulo em Goiânia e nunca havia visto a cidade assim. Creio até que todas as cidades deveriam ser conhecidas dessa forma. Você agendaria sua chegada, e um grupo o esperaria para uma expedição fotográfica. As cidades seriam mais aconchegantes, e talvez menos inóspitas.
Esses depoimentos são todos de pessoas que caminharam por Goiânia ao longo dos anos e que aprenderam a amar a cidade, observando-a mais atentamente. No ensaio que acompanha a reportagem há fotos tiradas por eles em uma das edições da Deriva do Bem, um projeto de extensão da Universidade Federal de Goiás (UFG), encabeçado pelo professor, arquiteto e urbanista Bráulio Vinícius Ferreira.
O projeto nasceu em 2009, mas só ganhou as ruas no ano seguinte, quando Ferreira resolveu reunir amigos e alunos para andar e fotografar o Centro de Goiânia. Desde então, todos os anos, a Deriva leva pessoas para praticar o exercício de observar o local onde moram.
Ferreira diz que as relações com a cidade, fora do carro, possibilitam outro tipo de convívio com a própria cidade, visto que a pessoa passa a ter condições de reconhecer o local no qual vive. Ele explica:
“As maiores vias de Goiânia são modestas perto das de outras cidades e, por isso, talvez tenhamos que apostar em meios de transporte de qualidade para tirar os carros das ruas. Temos uma topografia que ajuda muito na aposta de um sistema cicloviário e também no andar a pé”.
É justamente no caminhar pela cidade que a Deriva se baseia. “Convidamos as pessoas da cidade para andar por ela e elas começam a perceber coisas que nunca tinham visto antes, apenas porque andaram a 2 quilômetros por hora. Isso mostra que só podemos estabelecer uma relação com o espaço, se o conhecermos. E não há outra forma de fazer isso a não ser andando”, relata o arquiteto e urbanista.
Este é o sétimo ano da Deriva, que já passou pelo Centro, pelo Setor Sul e pelo eixo Leste-Oeste de Goiânia, partindo do Setor Universitário, e que chega, no dia 27 de maio, ao Setor Campinas. “Eu fui a Campinas e fiz um ensaio fotográfico de uma manhã lá. Perceber a cidade nessa proporção e velocidade ajuda muito na valorização do espaço”, diz.
E isso é essencial quando o local é desvalorizado, como são o Centro e também Campinas, que “tem uma paisagem árida, sem muitas árvores, fora as das praças”, relata. “Isso mostra que não estamos gerenciando a cidade. O plano deu errado: é carro demais para pouca gente. Ver e registrar tudo isso é importante, porque boa parte desses registros conta a história de uma cidade pela qual tenho um afeto enorme.”
Nesse sentido, Ferreira conta que a Deriva serve não apenas para demonstrar o amor das pessoas pela cidade, mas também para contar sua história, visto que as quase mil fotos reunidas pela Deriva, dos 300 participantes que já passaram por ela, montam um mosaico do que é a cidade. “Percebemos, tanto pelas fotografias quanto pelos depoimentos, que há o sentimento de pertencimento a esse lugar.”
E o resultado dessas experiências, além do sentimento de pertencer à cidade, é uma visão mais apurada a respeito dela, pois as pessoas passam a pensar no futuro do lugar, percebendo que “a cidade pode ser mais do que isso, e que, à vezes, um prédio a ser construído pode ter um impacto violento em determinada região. Isso faz parte da percepção da cidade e fazemos a Deriva justamente para incentivar as pessoas a sair de suas casas, caminhar pela cidade e refletir sobre o que elas verem”, explica Ferreira.
De bike

Tirar um tempo para caminhar pela cidade é complicado nos tempos atuais, sobretudo devido a agendas apertadas e ao cansaço do dia a dia. Por isso é grande a importância de projetos como a Deriva, que garantem à pessoa a oportunidade de ter essa experiência. Nesse sentido, se caminhar por Goiânia, embora importante, seja complicado, andar de bicicleta é mais uma alternativa ao isolamento do carro.
“Andando de bicicleta, vemos a cidade de outra forma”, afirma a advogada Maria do Socorro Silva. Ela faz o trajeto de sua casa para o trabalho todos os dias de bicicleta, utilizando, inclusive, os veículos do “Gyn de Bike”, programa da Prefeitura de Goiânia em parceria com a Unimed, que disponibiliza bicicletas para a população em estações espalhadas pela cidade. “Às vezes, quando não há bicicletas na estação perto de minha casa, vou a pé”, garante.
Socorro diz que anda de bicicleta há muitos anos e que isso não apenas garante uma saúde melhor, como também uma maior qualidade de vida, uma vez que, “pedalando é possível perceber detalhes da cidade que não se vê dirigindo. Vejo lugares que não conseguia perceber antes, como pequenas praças e prédios históricos. Então, pedalando eu descubro sempre uma cidade interessante que não conhecia antes por falta de oportunidade”, explica.
O problema de pedalar em Goiânia, segundo ela, é a falta de preparo da cidade em relação aos ciclistas. “De carro não é possível perceber, por exemplo, que a cidade não é acessível. Não temos calçadas adequadas e as que temos são apropriadas pelo comércio ou para colocar aquilo que não se deseja em casa. Nossa cidade é agradável e bonita, mas é deficiente nesse sentido”, argumenta.
Agora, Socorro diz que, mesmo sem a infraestrutura necessária, nem pública nem privada – a maioria das empresas não tem espaço, por exemplo, para que seus funcionários guardem bicicletas ou tomem banho –, programas como o Gyn de Bike funcionam como o pontapé inicial para mostrar aos gestores municipais que existe vontade por parte da população em usar esse tipo de veículo. “Basta ver que, às vezes, não tem nenhuma bicicleta nas estações.”