Programa buscava criar um novo refinanciamento de dívida de micro e pequenas empresas, setor que atualmente acumula dívida de R$ 50 bilhões

Após a publicação do veto integral de Jair Bolsonaro (PL) ao projeto de lei que instituía o Programa de Reescalonamento do Pagamento de Débitos no Âmbito do Simples Nacional (Relp), na edição desta sexta-feira, 7, do Diário Oficial da União (DOU), o Jornal Opção procurou especialistas para entender o impacto da decisão ao setor produtivo e a população brasileira de modo geral. Para os economistas Aurélio Troncoso e Greice Guerra, que também é analista de mercado, o cenário não é positivo. Especialmente em um contexto em que a economia do país já se encontra prejudicada.

Programa buscava criar um novo refinanciamento de dívida de micro e pequenas empresas, setor que atualmente acumula dívida de R$ 50 bilhões. No documento, o despacho presidencial justifica o veto ao apontar a inconstitucionalidade do documento. “A proposição legislativa incorre em vício de inconstitucionalidade e contrariedade ao interesse público, uma vez que, ao instituir o benefício fiscal, implicaria em renúncia de receita”, lê-se no texto. 

O texto do novo Refis previa o parcelamento em até 15 anos das dívidas das empresas com a União e foi aprovado pelo Congresso Nacional em meados de dezembro. O presidente do Sindicato das Empresas de Serviços Contábeis e das empresas de Assessoramento, Perícias, Informações e Pesquisas no Estado de Goiás (SESCON-GO), Edson Cândido, que é advogado e contador, relembrou que o texto original do projeto justificava esse como um benefício prometido às empresas devido a queda de arrecadação que tiveram durante a pandemia.

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Ao Opção, o economista Aurélio Troncoso chegou a explicar a linha de raciocínio adotada pela equipe econômica do Governo Federal, ao apontar que o objetivo é evitar que grandes empresas façam renúncia fiscal a partir de seu fatiamento em pequenas e micro empresas. “O que se está tentando evitar são as ‘malandragens’ das grandes empresas, impedir que elas possam fatiar suas grandes e médias empresas em micro e pequenas empresas e passe a pagar menos imposto, fazendo uma renúncia fiscal. Quando o governo diz que é inconstitucional, é que não se pode abrir mão da receita, uma vez que se o fizer, vai ter que cobrar lá na frente em outro lugar o mesmo valor da receita que se deixou de cobrar lá atrás com as micro e pequenas empresas”, detalha o economista.

No entanto, ele não esconde que em termos de economia, esse programa de refinanciamento “seria excelente para as empresas”. “As micro e pequenas empresas teriam um custo operacional menor, já que seu produto seria produzido com valor mais barato e chegaria com preço mais baixo no consumidor final. No entanto, é aquela história: no Brasil, sempre tem algo que impede as coisas de irem para frente”, opina Troncoso. A economista e analista de mercado Greice Guerra também concorda que o veto é um grande prejuízo ao setor produtivo e à economia brasileira como um todo.

Para mensurar o tamanho do prejuízo, ela ainda mencionou o dado divulgado nesta quinta-feira, 6, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que mostrou o quinto resultado negativo mensal consecutivo no setor produtivo industrial, acumulando, nesse período, perda de 3,7%. “O cenário já é ruim. O setor produtivo vem sofrendo retração desde o início da pandemia e se agrava cada vez mais, então o veto veio em péssima hora”, avalia. Ela ainda opina que, para que essa decisão tenha sido tomada, ou a pasta da economia desconhece os dados do cenário da economia brasileira, ou os ignora.

“O Governo Federal deveria, na verdade, dar condições de refinanciar as dívidas, abaixando a taxa de juros, reduzindo moras e encargos, porque a mora e o encargo do governo são faraônicas. Praticamente quintuplicam da noite para o dia. Um veto desses, nesse momento, é prejudicial porque mais do que nunca é um momento em que o empresário, principalmente de micro e a pequenas empresas, está precisando disso para poder pegar crédito no setor financeiro”, disse a analista de mercado.

Greice ainda menciona que o contexto econômico do país e a situação do setor produtivo pode se agravar ainda mais com a alta da Selic, que fechou 2021 com sete aumentos e alta de 9,25%, uma vez que a taxa pode ficar ainda menor a partir de fevereiro, com a próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC). Assim como Aurélio, Greice explica que esse cenário pode ser significativamente prejudicial ao consumidor final, ao gerar consequências em cadeia.

“Com esse veto, se acarreta uma retração do setor produtivo, das pequenas empresas. Até as médias acabam reduzindo suas atividades. Com isso, acaba sendo necessário enxugar despesa e a primeira providencia a ser tomada é a demissão de funcionários. Se a pessoa é demitida, ela vai consumir menos, por medo de fazer parcelamento, levantar financiamento, de comprar um bem de consumo e não conseguir pagar. Isso inibe o consumo das famílias e aumenta o desemprego”, detalha Guerra.

Tanto Aurélio quanto o presidente da SESCON-GO, no entanto, acreditam na possibilidade de derrubada do veto. “As microempresas e os MEIs precisam se articular, principalmente junto às entidades classistas para pressionarem os parlamentares a derrubarem o veto presidencial. “Estamos num momento propício para isso (derrubada), é ano eleitoral e a maioria dos parlamentares serão candidatos à reeleição. Essa lei beneficiaria 98% dos empreendimentos brasileiros, que são as micro e pequenas empresas e os MEIs. Além disso, esse conjunto gera cerca de 70% dos empregos formais do Brasil. É uma força gigantesca, e, se bem articulada, capaz de cobrar dos parlamentares a derrubada do veto”, destaca Edson.