Sommeliers avaliam a qualidade do vinho produzido no cerrado goiano; confira
13 dezembro 2025 às 08h07

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Você sabia que, além dos grãos, o Cerrado também produz uvas viníferas de alta qualidade? A vitivinicultura goiana vem ganhando força e reconhecimento, com vinhos premiados que, segundo especialistas, já rivalizam em qualidade com os do Rio Grande do Sul. O bioma, antes conhecido apenas pela soja e pelo gado, começa a figurar como um novo polo promissor do vinho nacional.
A Rota dos Pireneus
Criado em 2021, o projeto “Rota dos Pireneus” — desenvolvido pelo Sebrae Goiás, Goiás Turismo e prefeituras locais — conecta as cidades de Pirenópolis, Corumbá de Goiás e Cocalzinho, reunindo mais de 20 empreendimentos voltados ao enoturismo. Além da rota, o município de Paraúna abriga a Vinícola Serra das Galés.

Durante o percurso, turistas podem conhecer vinícolas, acompanhar o processo de produção e participar de degustações que harmonizam vinhos, queijos, sucos e ingredientes típicos do Cerrado.
A coordenadora estadual de Turismo do Sebrae Goiás, Priscila Vilarinho, explica que o segmento já é uma realidade no Estado.
“O enoturismo já é uma realidade. Temos apoiado diversas ações que têm o vinho como principal atração”, afirma.
Segundo ela, o movimento deve transformar o turismo regional nos próximos anos.
“A expectativa é de uma mudança considerável, até porque o Distrito Federal também vem se destacando nesse mesmo caminho”, diz.
“O Sebrae tem atuado para potencializar os produtores, e as premiações recebidas mostram que os vinhos goianos já alcançaram notoriedade nacional”, completa.
Avaliando os vinhos do Cerrado
Mas será que o vinho produzido no Cerrado é, de fato, bom? Para responder a essa pergunta, o Jornal Opção ouviu sommeliers que analisam o cenário goiano com otimismo.
A presidente da Associação Brasileira de Sommeliers de Goiás (ABS-GO), Letticiane Bittencourt, destaca o avanço técnico dos produtores.
“É possível observar uma melhoria gradual nos vinhos goianos, resultado do ganho de experiência a cada safra e da maturidade dos vinhedos, que agora chegam à idade adulta e produzem uvas de melhor qualidade”, afirma.

Segundo ela, a Syrah é a variedade que mais se destaca no Estado. “Os tintos goianos, em sua maioria da uva Syrah, são estruturados, encorpados e quentes. O clima seco e a altitude favorecem a maturação plena das uvas, resultando em vinhos com certo potencial de guarda”, explica.
Letticiane ressalta ainda que os vinhos do Cerrado têm personalidade própria. “É difícil comparar com regiões tradicionais, como o Sul, porque os terroirs são muito diferentes. Fazemos ótimos vinhos de colheita de inverno, enquanto eles produzem colheitas de verão. Somos uma nova escola de produção”, observa.
“Autenticidade do Cerrado”
A sommelier e consultora Juliana Carvalho, especialista em enoturismo e gestão empresarial, afirma que os vinhos do Cerrado goiano têm identidade própria e expressam o clima tropical de altitude.
“Os vinhos do Cerrado carregam uma assinatura sensorial muito singular, marcada pela força do clima tropical e pela precisão técnica da colheita de inverno”, explica.
Nos tintos, especialmente os Syrahs, Juliana destaca o equilíbrio e a complexidade: “Encontramos aromas intensos de frutas negras maduras — como amora, ameixa e jabuticaba — combinados a notas de pimenta, especiarias e um leve toque terroso que reflete o solo argiloso e o calor diurno da região”, descreve.

Ela afirma que a colheita de inverno, com dias ensolarados e noites frias, é o segredo da acidez equilibrada.
“Essas condições conferem frescor e vivacidade aos vinhos, tornando-os extremamente gastronômicos e com ótimo potencial de evolução”, observa.
“Goiás não busca imitar outros estilos. Nossos vinhos expressam a autenticidade do Cerrado — com fruta, frescor e intensidade aromática como protagonistas.”
Potencial e desafios
Professor de Enologia e Viticultura da UFG, o sommelier Diogo Pedrosa Corrêa da Silva avalia que os vinhos goianos estão em fase de consolidação.
“São vinhos com bastante fruta madura, acidez equilibrada e estrutura interessante. Ainda estão se definindo como estilo, mas já mostram equilíbrio e potencial de guarda”, diz.

Segundo ele, o terroir do Cerrado ainda está sendo construído.
“As regiões são distintas — como Cocalzinho, Corumbá e Paraúna — e cada uma imprime características próprias. Ainda não temos uma identidade consolidada do ‘vinho goiano’, mas já podemos falar na expressão do vinho de inverno, com cor intensa, taninos firmes e complexidade crescente”, explica.
Pedrosa também comenta os obstáculos do setor. “Um desafio é consolidar o mercado. Fora do Centro-Oeste, o vinho goiano ainda é visto como curiosidade. Muitos compram pela novidade, mas o preço elevado e a baixa distribuição dificultam a expansão. Precisamos tornar esses rótulos mais acessíveis e disponíveis”, ressalta.
Juventude e promessa
Para a sommelier Érica Soares, os vinhos do Cerrado goiano apresentam “boa estrutura, acidez equilibrada e taninos intensos”.

“Apesar de jovem, a região já mostra traços sensoriais que refletem o clima tropical de altitude. São vinhos modernos, equilibrados e com identidade crescente”, diz.
Ela acredita que a consolidação do setor depende de ações conjuntas.
“É essencial investir em divulgação, associação de produtores, incentivos fiscais, cursos de enologia e viticultura, além de fortalecer o enoturismo regional”, afirma.
Uma nova fronteira do vinho brasileiro
Os sommeliers são unânimes: Goiás já deixou de ser apenas promessa. Com rótulos premiados de vinícolas como Monte Castelo, São Patrício e Pireneus, o Estado consolida seu lugar no mapa do vinho brasileiro.
“O Cerrado goiano não é mais apenas uma curiosidade. Ele se firma como um terroir legítimo, com vinhos que surpreendem pela qualidade e identidade própria”, conclui Érica Soares.
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