Cerrado goiano produz vinhos premiados; confira
30 junho 2024 às 00h00
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Você sabia que, além dos grãos, o Cerrado também produz uvas viníferas de alta qualidade? Já é possível observar o surgimento de diversas vinícolas, que produzem vinhos premiados e, de acordo com vinicultores e enólogos, são tão saborosos quanto os do Rio Grande do Sul. O Cerrado está surgindo como um polo promissor da viticultura nacional.
Segundo os produtores, uma técnica desenvolvida por Murilo Albuquerque, técnico da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig), chamada “dupla poda”, possibilitou o cultivo da uva em terras goianas, principalmente na região da rota dos Pireneus. Nesse contexto, a uva Syrah é a que melhor se adaptou à nova técnica e ao clima do Cerrado.
A dupla poda é o método adotado para produzir uma uva que, em condições naturais, não apresentaria a qualidade necessária para a elaboração de vinhos finos em determinadas regiões do Brasil. A tecnologia consiste na inversão do ciclo produtivo da videira, que altera para o inverno o período de colheita das uvas viníferas. A técnica permite que a colheita da uva seja feita em seu ponto máximo de maturação e durante o inverno, quando há poucas chuvas na área.
Os apreciadores de um bom vinho podem encontrá-los nas cidades goianas de Paraúna, Ipameri, Itaberaí, Anápolis, Águas Lindas, Rianápolis, Nazário, Santo Antônio do Descoberto, Jaraguá, além das cidades que estão na rota dos Pireneus, como Pirenópolis, Corumbá e Cocalzinho. Porém, de acordo com o Sebrae, pode haver outros locais, pois novas vinícolas estão surgindo. Estima-se que haja mais de 60 produtores em Goiás.
Essas regiões, com paisagens exuberantes e clima aconchegante que remete à Europa, estão se dedicando ao cultivo e colheita de videiras para a produção de sucos e vinhos. Essa atividade não é mais exclusividade da Europa ou do Sul do Brasil. Goiás também ostenta suas próprias vinícolas, onde os amantes de vinhos podem desfrutar de experiências enoturísticas e degustar uma enogastronomia incrível.
O enoturismo, também conhecido como turismo enológico, visa destacar a riqueza vinícola de uma região específica. Além disso, essa forma de turismo se entrelaça com outras modalidades de viagem, como o turismo gastronômico e o turismo cultural, que são bastante fortes nesta região. O enoturismo envolve viajar para uma área vinícola específica para mergulhar em sua essência, incluindo visitas a vinícolas e vinhedos, conhecimento sobre a produção de vinho, experiências em restaurantes e outras atividades relacionadas ao vinho.
A enogastronomia é a arte de harmonizar o vinho com o prato consumido. A combinação que agrada o paladar deve levar em conta os ingredientes da comida e os tipos de vinho que são compatíveis. É importante considerar diversos elementos na composição da harmonização, como aromas e texturas.
As vinícolas de Goiás oferecem todos esses serviços aos visitantes. As visitas geralmente precisam ser agendadas com antecedência, permitindo aos turistas mergulharem no mundo dos vinhos e degustarem uma gastronomia voltada ao vinho.
Um projeto desenvolvido em conjunto pelo Sebrae Goiás, Goiás Turismo e as prefeituras, em 2021, criou a chamada “Rota dos Pireneus”, que abrange as cidades de Pirenópolis, Corumbá de Goiás e Cocalzinho, com mais de 20 empreendimentos que fazem parte da rota. O nome da rota foi escolhido em homenagem à Serra dos Pireneus.
Durante o percurso, o turista pode visitar propriedades que oferecem uma imersão nos processos de produção. Além disso, os visitantes podem degustar cardápios gastronômicos que harmonizam queijos, vinhos, sucos e outros ingredientes que compõem a gastronomia local.
Priscila Vilarinho, Coordenadora Estadual de Turismo do Sebrae Goiás e coordenadora da estruturação da rota, explica que o enoturismo em Goiás já é uma realidade. “O enoturismo já é uma realidade. Temos apoiado algumas ações que têm o enoturismo como principal atração”, diz ela. Para Priscila Vilarinho, esse tipo de turismo está mudando o cenário do turismo no estado. “A expectativa é de que haja uma mudança considerável nos próximos anos, haja vista que a região do Distrito Federal também está se destacando nessa mesma linha”, relata. Ela ressalta que o Sebrae potencializará os produtores da região, pois a notoriedade dos vinhos já é uma realidade devido às premiações recebidas por diversos rótulos.
Embrapa Uva e Vinho
Adeliano Cargnin, chefe-geral da Embrapa Uva e Vinho, explica que a unidade tem uma parceria com a vinícola Serra das Galés, localizada no município de Paraúna. Adeliano revela que a Embrapa está atualmente envolvida em um projeto de validação de uma seleção de uva para a produção de vinho no cerrado. “Uma nova cultivar que a Embrapa criou e estamos validando para ver se vai se adaptar bem e produzir no cerrado”, diz ele. Ele lembra que existe um programa de melhoramento com mais de 40 anos de existência, que já desenvolveu diversas variedades de uvas para mesa, suco e vinho.
Adeliano Cargnin destaca que a ideia de que uvas só produzem em regiões frias caiu por terra há algum tempo. “Há mais de 30 anos estamos ajustando algumas cultivares para que se adaptem ao clima do cerrado. No Vale do São Francisco, por exemplo, já se produz vinho há mais de 20 anos com sucesso”, informa Adeliano.
Adeliano Cargnin ressalta que a uva se tornou uma cultura tropicalizada, mas adverte que o produtor precisa estar em sintonia com as instituições de pesquisa para não correr o risco de escolher uma cultivar que não se adapte a determinada região. O especialista relata que o clima do cerrado tem se mostrado adequado para a plantação de uvas, pois durante o dia a planta recebe calor e muita luminosidade, e à noite uma temperatura mais amena. “O ideal para uma videira é que a temperatura seja baixa à noite e durante o dia fique entre 25 e 30 graus, para que a planta produza uma boa quantidade de fotossíntese. Esse conjunto de fatores faz com que o ambiente produza uma uva de altíssima qualidade”, frisa.
Comparando com o clima do Rio Grande do Sul, Adeliano esclarece que cada região tem suas peculiaridades. “No Sul temos noites mais frias do que em Goiás, contudo, durante o dia, Goiás é mais ensolarado. Ou seja, a noite na região Sul é mais favorável, mas o dia em Goiás é mais positivo para a planta”, diz. Adeliano, entretanto, afirma que se pudesse combinar os dois climas, esse seria o ideal para a videira.
UEG de Ipameri
O engenheiro agrônomo com especialização em viticultura e professor da Universidade Estadual de Goiás (UEG), unidade de Ipameri, Roberto Freitas, explica que trabalha na área de viticultura desde 2010. Ele destaca que a unidade está estruturando um curso de extensão em viticultura para capacitar os viticultores em Goiás.
Roberto comenta que o cerrado possui um sistema próprio de produção, que contrasta com o restante do mundo, onde o cultivo é feito no verão. Isso ocorre porque o verão goiano é muito chuvoso, o que prejudica a fruta. “Por conta disso, desenvolvemos uma técnica chamada de dupla poda, que permite uma colheita no inverno, principalmente nas regiões de altitude.”
Roberto menciona que há uma pesquisa envolvendo mais de 60 tipos de cultivares que poderão ser utilizadas pelos produtores. Atualmente, a uva Syrah é a mais plantada, pois se adaptou melhor ao clima. Esta cepa é considerada uma das mais antigas do mundo e é reconhecida por sua boa adaptabilidade a diferentes terroirs (leia-se terruár) ou terrenos, climas e altitudes.
Roberto revela que a UEG conseguiu, através de recursos federais, adquirir uma vinícola que é utilizada para a prestação de serviços aos produtores que não têm como fabricar o vinho. Ou seja, o produtor leva a uva até a unidade e lá é realizado todo o processo de transformação em vinho. Roberto lamenta que ainda não existam cursos específicos para os trabalhadores desse setor, como enologia e viticultura, mas informa que já estão em conversas avançadas para implantar esses cursos na unidade de Ipameri, considerando a demanda crescente por essas formações devido ao crescimento dessa atividade em Goiás.
Com o intuito de destacar o sucesso de Goiás e explorar seus vinhedos e vinícolas, o Jornal Opção visitou diversas propriedades para entrevistar os viticultores e fornecer aos leitores uma visão da atualidade das vinícolas do estado.
Viticultores
Natália Silva Assunção de Paula e seu esposo, Guilherme Dias de Paula, são os responsáveis pela Vinícola Assunção, localizada na Rota dos Pireneus, no município de Pirenópolis. Natália, psicóloga, e seu esposo, agrônomo, compartilham uma paixão pela vitivinicultura. O projeto teve início com seu pai, Washington Luís Assunção, um maranhense que viveu em Goiânia por mais de 30 anos e decidiu buscar uma vida no campo. “Meu pai estava cansado da cidade e planejou mudar-se para o campo para cultivar frutas que remetessem à sua infância. Começou plantando uvas de mesa em 2015”, explica Natália.
Com um sucesso relativo, Washington decidiu expandir para o cultivo de uvas viníferas destinadas à produção de vinho em 2018. “Na época, havia poucas vinícolas na região, e os resultados de nossa produção mostraram-se excelentes, o que nos levou a ampliar nossa produção a cada ano”, relata.
A propriedade possui sua própria indústria onde são produzidos vinhos e sucos com o rótulo Assunção, além de oferecer serviços para outros produtores da região. Natália destaca que uma das técnicas fundamentais para o cultivo das frutas no cerrado é a produção de inverno, algo inovador na região. “Invertemos o ciclo e produzimos no inverno, ao invés do verão.”
Natália explica que o parreiral é 100% irrigado, garantindo que as plantas recebam a quantidade ideal de água, enquanto o frio noturno é crucial para a maturação das frutas. A vinícola também é um destino popular para enoturismo e enogastronomia, oferecendo visitas guiadas onde os turistas podem explorar os vinhedos e todo o processo de produção, além de degustar a gastronomia local acompanhada dos vinhos da casa.
Atualmente, a vinícola produz cerca de 30 mil litros de suco e aproximadamente 8.500 garrafas de vinhos finos por ano. Natália destaca que os vinhos são integrais, sem adição de açúcar ou conservantes, com todo o processo realizado na própria vinícola.
A vinícola atrai visitantes de todo o Brasil e do exterior, interessados em descobrir se o cerrado realmente pode produzir vinhos de qualidade. “Muitas pessoas chegam aqui e ficam surpresas com a qualidade do nosso vinho e nossa capacidade de produção em pleno cerrado brasileiro.”
Durante a visita da reportagem, um grupo de quatro jovens de Maceió estava explorando a vinícola. Gabriela Holanda Carvalho Fireman, 26 anos, médica, comentou sobre a experiência: “Para nós foi uma grata surpresa, pois estamos mais acostumados com a produção de cachaça na nossa região. Chegar aqui em Goiás e conhecer todo o processo de produção de um vinho está sendo muito interessante.” Gabriela, que nunca tinha experimentado um vinho do cerrado, aprovou a experiência. “É uma delícia, está aprovado. Inclusive, vamos comprar algumas garrafas.”
Natália destaca que os produtos são vendidos exclusivamente na vinícola, com uma demanda que consome toda a produção disponível no local. No entanto, há planos de expansão para produzir pelo menos 30 mil garrafas e atender o mercado local.
As variedades de uvas cultivadas na propriedade incluem tanto nacionais quanto importadas da Itália, com sete variedades viníferas: Syrah, Grenache, Pinot Noir, Tempranillo, Marselan, Chenin Blanc e Viognier. Além das uvas de mesa: Niágara, Rosa, Isabel, Cora e Vitória, todas plantadas em seis hectares e meio de terra.
Rodrigo Estivallet Teixeira, 66 anos, produz vinho em suas terras que fica em volta do Salto de Corumbá. Ele é o proprietário do local e inicialmente considerou fabricar cachaça devido à boa aceitação do público. No entanto, ao descobrir que alguns vizinhos já estavam cultivando uvas e produzindo vinho, decidiu investir nesse negócio.
Após realizar algumas pesquisas, Rodrigo iniciou a construção da vinícola Estivallet. Ele acredita que o vinho será um atrativo para a região, especialmente para Pirenópolis e Corumbá, que já possuem uma infraestrutura hoteleira preparada para receber os entusiastas do enoturismo. Rodrigo afirma que o vinho eleva o padrão do serviço oferecido aos clientes.
Rodrigo começou a plantar em 2019 e já colheu cinco safras, embora sua produção ainda seja limitada. Ele destaca a qualidade tanto do vinho quanto do suco produzidos. Atualmente, trabalha com três variedades de uvas viníferas: Syrah, Barbera e Grenache. O vinho Syrah sem passagem por barrica, diretamente do tanque de fermentação para a garrafa, produzido por ele, recentemente ganhou a medalha de prata na segunda edição do Wine Jazz Piri 2024. Rodrigo expressa sua gratificação pelo reconhecimento em apenas quatro anos de atuação no ramo, especialmente por ter sido avaliado às cegas por Marcelo Copello, um dos principais especialistas em vinho do Brasil. O rótulo Estivallet competiu com outras 60 marcas.
No entanto, Rodrigo reconhece que a nova atividade ainda não está gerando lucro e que está em fase de adaptação e aprendizado, dado o tamanho ainda pequeno de seu vinhedo. Ele planeja expandir sua área de cultivo em breve, incluindo mais variedades de uvas. Para Rodrigo, seu negócio não está apenas dando certo, mas já deu certo. Ele destaca que a altitude de 1.100 metros e a forte incidência solar na região contribuem significativamente para a alta qualidade das uvas, essencial para a produção de vinhos de excelência. Rodrigo enfatiza que, por enquanto, seus produtos estão disponíveis apenas localmente. O suco está custando em média R$ 25,00 e o vinho R$ 185,00.
O médico Marcelo de Souza, 30 anos, é natural de Piracanjuba, Goiás, e possui uma vinícola em Cocalzinho de Goiás. Ele relata que sua família nunca teve vínculos com a agricultura, mas desde antes de começar a plantar uvas, já se dedicava ao estudo da enogastronomia. “Fui presidente de uma confraria de vinhos e fiz um curso de sommelier profissional pela ABS de São Paulo.”
Sua paixão pelos vinhos surgiu quando se mudou para São Paulo na década de 90 para fazer uma especialização. Ele conta que era vizinho de uma importadora da bebida e adquiriu o hábito de passar pela loja para experimentar vinhos de diferentes partes do mundo.
Ao retornar para Goiânia em 1997, Marcelo montou a primeira confraria de vinho de Goiás. Com base em seu conhecimento, Marcelo começou a avaliar a possibilidade de produzir seu próprio vinho. “Observei que no Nordeste já havia vinhedos, então percebi que aqui, em nosso clima de altitude, também seria possível. Acreditei que nossa região tinha condições excepcionais para a produção de vinhos de altíssima qualidade.”
A partir daí, Marcelo trouxe as variedades para o cultivo para comprovar sua teoria. Para isso, adquiriu uma propriedade na região que, segundo ele, oferecia todas as condições favoráveis para uma boa produção. Em 2005, iniciou sua jornada como viticultor no município de Cocalzinho de Goiás.
O empresário relata que as cultivares eram todas de origem europeia, da Itália, para poder compará-las com as uvas do Mediterrâneo, utilizando inclusive o mesmo material genético. Os primeiros testes ocorreram em 2008 com os primeiros vinhos, e a primeira safra comercial foi colhida já em 2010. Em 2012, estabeleceu-se a marca da Vinícola Pireneus.
“Nesse mesmo ano, lançamos o vinho Bandeiras, destacando a uva Barbera como carro-chefe, e o Intrépido Syrah, predominantemente com a uva Syrah”, menciona Marcelo. Ele enfatiza que a Vinícola Pireneus foi a primeira a lançar vinhos de dupla poda no mercado brasileiro. “Essa filosofia da dupla poda foi implementada por nós e hoje praticamente todos os produtores do cerrado a utilizam.”
Marcelo de Souza lembra que, em 2010, o vinho Bandeira competiu em oito categorias no Anuário Brasileiro do Vinho e foi campeão em uma delas. Logo em seguida, em 2012, o Banderas foi considerado um dos cem melhores vinhos do mundo pela revista “Prazeres da Mesa” – uma lista onde apenas sete marcas eram brasileiras. O rótulo também foi destacado pela revista “Baco” como um dos três melhores vinhos brasileiros acima de R$ 60, e o “Anuário do Vinho Brasileiro 2013” listou o Banderas como o melhor da categoria.
“Desde 2012, mostramos ao mundo do vinho o potencial pioneiro do cerrado brasileiro para a produção de excelentes vinhos”, afirma Marcelo. Ele destaca o prêmio recebido pelo vinho Syrah no Wines Of Brazil Awards 2023, onde competiu com outros 2.700 vinhos brasileiros e conquistou o título de melhor vinho com pontuação de 96.5.
Marcelo destaca que está investindo em um projeto ousado com a construção de lofts dentro dos vinhedos. “Esses espaços permitirão às pessoas mergulharem no mundo do vinho e passar seu tempo de descanso entre os parreirais. Também estamos considerando disponibilizar vinhedos privados, onde as pessoas poderão adquirir seu próprio vinhedo, similar ao que já existe na Argentina.”
Para finalizar, Marcelo menciona que a Vinícola lançou seu primeiro espumante. Os vinhos da Vinícola Pireneus estão disponíveis em lojas e restaurantes de Goiânia e Pirenópolis, com preços variando de R$ 110,00 a R$ 300,00.
O empresário do ramo imobiliário Breno Xavier de Brito, 53 anos, é proprietário da Vinícola Villa Aurum no município de Corumbá. Breno começou a plantar uvas em 2020 por paixão, aproveitando a altitude de sua propriedade que favorece o cultivo. “Em pouco tempo, percebemos que o vinho produzido a partir de nossas uvas é de altíssima qualidade”, destaca.
Breno Brito enfatiza que cultiva variedades francesas com cerca de 30 mil plantas, que resultarão na produção de 15 a 20 mil garrafas por ano. “Nosso foco é exclusivamente o vinho, e recebemos visitantes todos os sábados”, acrescenta. Ele planeja expandir o cultivo, dado o potencial promissor do negócio em Goiás. “Por enquanto, nosso vinho está disponível apenas em nossa propriedade, a partir de R$ 120,00 por garrafa.”
Sérgio Resende é o proprietário da Vinícola Girassol, localizada no município de Cocalzinho, Goiás. Além de empresário, ele é naturopata, médico integrativo e vitivinicultor. Iniciou sua jornada na viticultura em 2015.
Ele conta que a decisão de plantar uvas surgiu enquanto administrava uma loja de vinhos e representava marcas pioneiras de Goiás, como Pireneus, Intrépido e Bandeiras. Seu pai, frequentador das degustações, se encantou e, com um empreendimento turístico, decidiu investir na plantação.
Nos primeiros dez anos, Sérgio focou principalmente na uva Syrah, destacando sua beleza. Hoje, além da uva, a Vinícola Girassol cultiva variedades como Tempranillo, Malbec, Touriga, Castelão, Sauvignon Blanc, entre outras. Segundo ele, é possível cultivar praticamente todas as espécies viníferas.
A produção anual da vinícola gira em torno de 10 toneladas, sendo que apenas o vinho tinto é comercializado. Sérgio Resende observa que a produção de vinho no cerrado está em expansão rápida, com novos produtores surgindo a cada ano, totalizando mais de 60 atualmente. No entanto, ele ressalta que a atividade não é fácil e requer um manejo cuidadoso para ser rentável, pois qualquer descuido pode resultar em perda na produção.
Ele destaca que há um novo cenário para os vinhos brasileiros, não se limitando mais à Europa e ao Sul do Brasil. Regiões como São Paulo, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Goiás estão emergindo com vinhos de colheita de inverno de alta qualidade, graças a parreiras de grande produtividade.
Aos 50 anos, Adriana Carvalho Rodrigues é proprietária da Calliandra Experiência Rural, localizada em Cocalzinho, Goiás. Sua propriedade integra a Rota dos Pireneus e se dedica ao cultivo de parreiras viníferas para a produção de vinhos finos. Adriana recebe visitantes mediante agendamento prévio, oferecendo almoços harmonizados e degustações na fazenda.
Formada em Gastronomia e produtora rural, Adriana está focada atualmente no Turismo Rural Enogastronômico. Sua jornada começou em 2005, quando era sócia da Vinícola Pireneus. Além de sua produção pessoal, ela arrenda parte de suas terras para a vinícola. “É dessa atividade que sustento minha vida, através do turismo rural e do enoturismo”, destaca Adriana.
Na propriedade de Adriana, os visitantes são recebidos com um café de boas-vindas, podem fazer caminhadas guiadas pelos vinhedos, participar de almoços harmonizados, degustações de vinhos, e até mesmo fazer piqueniques entre as parreiras.
Adriana enfatiza que está emergindo uma nova cultura no cerrado: a vitivinicultura, que começou discretamente, mas está ganhando força. “Nos últimos cinco anos, vimos uma explosão de investidores na vitivinicultura, passando de 3 vinícolas para mais de 60 produtores de uvas e vinhos. É um negócio desafiador, com retorno a longo prazo, mas promissor, especialmente ligado ao enoturismo”, assegura ela.
Núbia Pereira Siqueira, gerente da fazenda, relata que muitas pessoas visitam o local por pura curiosidade, incluindo celebridades como o cantor sertanejo Leonardo. “Um dia, um carro de luxo chegou com dois ocupantes: o motorista e um passageiro. Quando desceu, era o cantor Leonardo. Ele veio ver se essa terra realmente produz uva ou só lagartixas. Ficou mais de uma hora conosco, cantando e provando nosso vinho”, conta Núbia. Segundo ela, Leonardo aprovou o vinho. A venda do vinho e do suco é exclusiva na propriedade, com os sucos custando R$ 25,00 o litro e os vinhos variando de R$ 125,00 a R$ 169,00.
O médico Sebastião Ferro de Moraes revelou à reportagem que foi o amor que o motivou a trabalhar com uvas. Proprietário da Vinícola Serra das Galés, localizada em Paraúna, Goiás, ele conta que o desejo de cultivar uvas e estabelecer uma indústria de vinho em sua terra natal nasceu de um sonho.
Segundo Sebastião Ferro, muitas pessoas estão investindo na vitivinicultura devido às oportunidades econômicas, mas ele ressalta que sucesso não se alcança apenas com isso. “É necessário ter persistência e um profundo amor pela causa”, avalia.
A trajetória de sucesso do seu empreendimento começou em 2004, mas foi a partir de 2013 que conseguiu demonstrar ao mundo a capacidade do cerrado brasileiro em produzir vinhos finos de alta qualidade. Inicialmente, ele plantava uvas para fornecer a uma vinícola em Santa Helena de Goiás, porém, após o falecimento do proprietário e o fechamento da vinícola, ele se viu com grandes quantidades de uva plantada e decidiu criar sua própria indústria.
“Construí uma vinícola de padrão internacional onde produzimos vinhos a partir de 14 variedades de uvas”, revela Sebastião Ferro. Ele destaca a parceria com a Embrapa Uva e Vinho, que permitiu realizar diversas pesquisas em sua propriedade. “Provavelmente ainda este ano, iremos lançar uma variedade de uva totalmente goiana, o que é inédito”, afirma.
Atualmente, a propriedade produz mais de 300 toneladas de uva por ano, destinadas à produção do suco de uva 100% natural Cálice de Pedra, dos vinhos Cálice de Pedra (rosé, branco e tinto, feitos com as uvas Isabel, Violeta, Niágara e Lorena) e do vinho Muralha, elaborado com as uvas Touriga Nacional (portuguesa) e Syrah (francesa).
Os vinhos finos da Serra das Galés começaram a ser engarrafados em 2016, quando foi lançada a linha Muralha, com vinhos tintos secos, envelhecidos em barris de carvalho francês. Para garantir sua qualidade, adotou-se o sistema de dupla poda ou poda de inverno, invertendo o ciclo da videira para otimizar a colheita.
Paraúna, com seu solo fértil, demonstrou ser capaz de produzir uvas de excelente qualidade no coração do Brasil, desmistificando a crença de que a vitivinicultura está restrita a regiões frias do país.
Sebastião Ferro acredita que Goiás está trilhando o caminho para se tornar um grande produtor de vinhos nacional e internacionalmente. “Não tenho dúvidas quanto a essa possibilidade, ela é real. Reconheço que não é uma atividade fácil e barata e requer muito amor pela causa, mas é extremamente gratificante.”
O empresário orgulha-se ao mencionar que pelo menos 12 variedades de seus vinhos receberam excelentes avaliações, sendo que a menor nota atribuída aos vinhos da Serra das Galés até o momento é 82.
Ele destaca especialmente o rótulo Muralha Premium, que já recebeu nota 92 e foi premiado duas vezes. Os preços variam de R$ 150,00 a R$ 300,00. A vinícola está aberta para visitação. Sebastião Ferro pondera, no entanto, que a alta carga tributária sobre a vitivinicultura no estado é elevada, o que, de acordo com ele, afeta o crescimento da atividade.
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