O fato foi explorado midiaticamente, como não poderia deixar de sê-lo no mundo atual, mas o que ficou da morte dos jovens para a vida que segue?

casal naufragio ok foto destaque

Nos últimos dias, tem sido amplamente divulgada a imagem dos corpos abraçados de um casal no fundo do mar que morreu no dia 15 de maio, em um naufrágio de barco de imigrantes que tentavam chegar à Europa. Em mais este caso, o sonho de uma vida inteira foi espalhado pela água gelada do largo da ilha de Lampedusa, na Itália, quando dezessete pessoas morreram e outras 200 seguiam desaparecidas até o dia 17. Em outubro de 2013, a mesma fatalidade foi vivida naquela região. Muitas outras embarcações hão de passar pelo local levando imigrantes com sonhos, alguns devem ficar pelo meio do caminho.

Este não é o primeiro registro deste tipo, possivelmente, antes dos aparatos tecnológicos que embalam a vida contemporânea, muitos outros casais encontraram no corpo um do outro o amparo para os últimos minutos de vida. Em outro caso que merece menção, o amor foi imortalizado nos corpos de uma mulher e de um homem vitimados em um desabamento em Bangladesh enquanto dormiam. A foto repercutiu mundialmente, mas a vi somente de relance, não consegui encará-la. Não se encara o que machuca, e a morte sempre irá machucar a vida que segue. Por mais que os noticiários pareçam nos anestesiar, a morte estará doendo no peito de quem perdeu alguém em algum lugar do mundo em algum momento da vida.

Também haverá sempre sensacionalismo à custa da dor do outro, cabe ao indivíduo permitir-se ou não ser usado pela mídia que depende disso para existir. Eu decidi ignorar, na medida do possível, enquanto minha profissão permitir. A era da internet intensificou e tem multiplicado numa velocidade inalcançável a difusão de informações, nem todas verdadeiras (vide o caso do Guarujá, SP).

Divulga-se tudo, sobre tudo. Lê-se e acompanha-se o que é possível, o que mais convém. Passa-se o olho, ou nem isso, pelo resto infinito de informações. Infelizmente (e isso depende do ponto de vista) não podemos filtrar tudo que chega até nós no mundo virtual. E foi numa dessas ferramentas de interação, as redes sociais, que vi a primeira informação sobre o casal de 15 de maio último. Olhei rapidamente. Depois outra pessoa repercutiu. Vi de novo, descendo logo o mouse para passar para a próxima “novidade” sem ser atingida pelo teor do que aquela imagem poderia me remeter. E assim foi até que aquilo que eu vinha tentando ignorar por questões pessoais, de buscar evitar me ligar a tristezas alheias, me tocou.

“Eram jovens como eu e meu marido”, relutei em pensar, mas já havia pensado. E isso me doeu tão profundamente que novamente quis ignorar. Mas assim como não escolhemos tudo que aparece em nossa timeline, os pensamentos nos chegam sem aviso prévio. A resistência de outrora abriu espaço para reflexões internas. Elas também machucam, e talvez por isso mesmo, sejam diariamente, muitas vezes sem que percebamos, colocadas no porão do esquecimento, onde se acumulam, apodrecem e se tornam cada vez mais maléficas ao restante da casa. O corpo sente. O coração aperta. A cabeça dói, mas segue erguida, mesmo que os ombros estejam caídos.

Em meio a esses pensamentos sobre o fim trágico de um amor e ao mesmo tempo de até que ponto se vai por esse mesmo amor, algo me fortaleceu –– e me lembrou dessa fortaleza interna. A fragilidade do sentimento que me desmontaria por completo no caso de uma perda dessa magnitude, me colocou de pé para viver muito esse sentimento que embala desde a poesia e o romance às canções de ninar cantadas por mães amorosas.  Afinal, o “que importa é quem você tem na vida”, lembrei-me desse trecho imortalizado em palavras atribuídas a Willian Shakespeare no conhecido “O Menestrel”.  E foram esses versos, conhecidos ainda na adolescência, a que fui remetida quando pautada a escrever sobre este tema.

O casal abraçado de 15 de maio e tantos outros casos semelhantes de perdas na vida, trouxeram à tona em mim o que lá atrás prometi a mim mesma adotar como lema de vida, mas que andava esquecido em meu porão interno:

“Depois de algum tempo […] se descobre que devemos deixar as pessoas que amamos com palavras amorosas, pode ser a última vez que as vejamos”.