Sertão vira fábula na odisseia mágica de Miquéias e o Cordel do Fim do Mundo, de Gabriel Borges

21 julho 2025 às 16h34

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O livro Miquéias e o Cordel do Fim do Mundo é uma obra rica, de ficção fantasia, com uma boa história e diversão para o público infanto-juvenil. Os mapas e as ilustrações ajudam a se envolver na história pensada por Gabriel Borges, publicitário, músico e poeta e escritor. O livro tem um bom ritmo de leitura e desenvolvimento dos personagens, com referências à cultura brasileira, em especial a do nordeste do país.
A narrativa acompanha Miquéias, um jovem “encanta-trovas” que se vê numa jornada para provar a nobreza da humanidade à Morte, buscando o Seio da Natureza e enfrentando desafios mágicos. A obra se aprofunda em elementos da cultura nordestina, como o cordel, e apresenta uma versão mágica do Brasil, “Brasarol”.
Ainda que a forma de prosa cordelizada em parágrafos extensos possa inicialmente causar certo estranhamento — principalmente para leitores acostumados à métrica tradicional do cordel nordestino, disposta em sextilhas, setilhas ou décimas —, o autor Gabriel Borges encontra equilíbrio ao criar imagens poéticas vívidas, entremeadas por um vocabulário ricamente brasileiro, o que sustenta o encanto narrativo até o fim. Sua capacidade de transformar o sertão em um espaço mítico, repleto de entidades mágicas, animais encantados e figuras folclóricas reinventadas, contribui para a construção de um universo original.
A narrativa acompanha Miquéias, um jovem sertanejo com talento natural para a poesia e uma ligação mágica com a natureza. A estrutura do enredo remete à clássica jornada do herói, mas com elementos enraizados no folclore nacional: Cumade Fulozinha, a Morte personificada como figura de plumagem negra, o encantado Puro Osso (um burrinho meio morto) e o Papa-Figo são apenas alguns dos personagens que compõem esse mosaico da brasilidade fantástica.
O autor também se vale de recursos modernos, como um aplicativo de realidade aumentada , que adiciona uma camada interativa à experiência de leitura, revelando sua intenção de dialogar com os nativos digitais — leitores infantojuvenis que buscam experiências imersivas.
Outro destaque da obra é o tom de denúncia social, apresentado de forma sutil, mas constante. O coronelismo, a seca, a exploração do povo, a criminalização da arte e a destruição da natureza compõem um pano de fundo crítico, que dialoga com o Brasil real por meio da alegoria. Nesse sentido, Miquéias e o Cordel do Fim do Mundo não é apenas uma fábula sobre encantamento, mas também sobre resistência cultural e ancestralidade, propondo um resgate da oralidade, da arte popular e da magia como forma de reencantamento do mundo.
Por fim, trata-se de uma obra que marca sua diferença não apenas pelo enredo envolvente, mas pela forma singular de contá-lo. Com lirismo, regionalismo e crítica social entrelaçados, Gabriel Borges inaugura — segundo anuncia no próprio prefácio — uma trilogia de fantasia genuinamente nacional, o que merece ser lido, celebrado e difundido.
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