Gerente do Centro de Informações Meteorológicas e Hidrológicas de Goiás (Cimehgo), André Amorim, alerta para os riscos da emergência hídrica e fala sobre a necessidade de cooperação entre Governo e sociedade civil

Quem viveu o último ano do governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso se lembra da crise energética que ficou conhecida como o “apagão de 2001”. A população, à época, foi obrigada a mudar drasticamente seus hábitos de consumo de energia e uma das razões do colapso foi a escassez de chuvas e o baixo nível dos reservatórios das hidrelétricas brasileiras. A situação pode se repetir esse ano com a crise hídrica anunciada na última quinta, 27, pelo Governo Federal e Goiás está entre os cinco estados atingidos pela seca, que é considerada a maior dos últimos 91 anos.

O alerta de emergência hídrica foi emito pelo Sistema Nacional de Meteorologia (SNM) e prevê a grande estiagem para o período de junho a setembro deste ano. De acordo com o gerente do Centro de Informações Meteorológicas e Hidrológicas de Goiás (Cimehgo), da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), André Amorim, em seis anos é como se tivesse deixado de chover no Estado por um ano inteiro.

“De 2015 para cá as chuvas foram mais escassas, irregulares ou abaixo da média. Geralmente temos 1.600 mm de chuva por ano e nesse período perdemos 1.300 mm, seria como se ficássemos um ano todo sem chuva alguma”, explica André  Amorim. O alerta de emergência hídrico é para cinco estados que estão na bacia do Rio Paraná, que abrange além de Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, São Paulo e Paraná.

Não adianta chover rápido, o produtor rural precisa da chuva mansa, dispersa ao longo do dia. Para dar tempo. Nós encaramos também que são ciclos que estamos enfrentando. Chuvas mais escassas, ou irregulares ou abaixo da média, de 2015 para cá. EM média seria 1.600 milimetros chove em um ano – em seis anos nós perdemos um ano de chuva. Se deduzirmos, em seis anos seria um ano inteiro sem chuva. 

O gerente da Cimehgo lembra que em 2017 houve uma seca em que o Rio Meia Ponte chegou a altos níveis de secura. Já em 2020 o forte volume de chuvas na cabeceira do Rio retardou os efeitos do período seco no Estado, que começa todos os anos em maio. “A questão é que o ciclo 2020/2021 trouxe uma sensação de que tivemos muita chuva porque chovia muito e em pouco tempo, ou seja, um tipo de chuva que não ajuda porque não há tempo para o solo absorver a água”, explica.

Segundo o especialista, o melhor tipo de chuva é a que demora um longo período porque o que precisamos é de frequência. “O que chamamos de chuva de qualidade e não em quantidade”, esclarece. A chuva que ocorre em grande volume e rapidamente além de não ser boa para o solo e para os rios, pode causar estragos nas cidades. “Muita gente teve a impressão que tivemos muitas chuvas em Goiânia esse ano, por exemplo, mas foi uma sensação que apenas enganou as pessoas.”

Risco de apagão – André Amorim lembra que já houveram outros momentos no passado em que a crise hídrica gerou grandes problemas. “O mais emblemático foi o apagão na era Fernando Henrique, em 2001, mas isso também depende muito do empenho do poder público e o Governo de Goiás está comprometido em criar mecanismos para amenizar os efeitos dessa crise”, afirma. O objetivo é reduzir os impactos até que volte a chover com qualidade no Estado.

“Não podemos controlar a quantidade de chuvas, apenas monitorar, mas podemos criar mecanismos para atravessarmos esse longo período de estiagem.” Amorim lembra que é possível acompanhar diariamente o nível da vazão do Rio Meia Ponte no site da Cimehgo. “As informações são atualizadas todos os dias às 18h”.

Ações do Governo X esforço da população

 Diante do alerta de emergência hídrico, o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM) apresentou uma série de medidas que serão adotadas no período para evitar que a população do Estado enfrente escassez de água nas torneiras e uma possível crise energética. A principal preocupação do Governo é preservar as bacias hidrográficas do Rio Meia Ponte, em Goiânia, e do Ribeirão Piancó, em Anápolis. Entre as medidas anunciadas por decreto estão a restrição da captação de água nessas bacias para as atividades agropecuária, industrial, comercial e de lazer, além de outras finalidades. O objetivo é priorizar o consumo humano.

No entanto, as políticas de Governo formam apenas uma das partes da luta contra a estiagem. De acordo com o gerente da Cimehgo), André Amorim, a falta de cuidado da população com esses mananciais pode ser um comportamento de extremo risco. “Nós estamos enfrentando uma pandemia que nos ensinou que se todos não se comprometerem muita gente vai para a UTI. Não queremos o Meia Ponte na UTI, por isso é preciso um comprometimento coletivo com o cuidado dos rios”, explica.

Rio Meia Ponte | Foto: Semad

Entre as ações possíveis para esse cuidado está uma mudança de hábito fundamental: o fim do descarte de lixo no rio e córregos da capital. “Basta andar um pouco por Goiânia que percebemos sofás descartados às margens dos córregos e lixos de toda espécie. A preservação da água é um dever de todos e se nós estivermos comprometidos em não descartar lixos e não contribuir para o assoreamento dos nossos mananciais já estamos contribuindo e muito com o futuro da água e da população.”

André Amorim lembra que a bacia do Rio Meia Ponte necessita de cuidados especiais e do envolvimento de todos. “Nós temos uma nascente há 100 km de Goiânia e uma população de 1,2 milhão de pessoas para abastecer, em um rio que tem uma baixa vazão e muitos setores tirando água, além dos consumo humano temos as atividades econômicas. Amorim lembra que há um esforço da Secretaria para orientar os produtores rurais a cuidarem dos mananciais com a preservação das matas ciliares e limpeza periódica.

Economia doméstica de água e energia

Outra medida urgente, de acordo com André Amorim, é a redução do consumo doméstico. Ele lembra que ciente do alerta de emergência hídrica as mudanças devem começar nas casas do Estado desde já. “Por enquanto temos água nas torneiras e energia elétrica chegando, mas precisamos usar racionalmente para evitar um colpaso. Por exemplo, qual a necessidade de lavar uma calçada? É possível aproveitar água da chuva, reduzir o tempo do banho. Todas as ações são importantes.”

“Para as pessoas que moram perto de córregos e rios, eu sempre digo: adote um rio, um ribeirãozinho ou um córrego. O que significa cuidar, plantar árvores próximas, recolher o lixo”, recomenda Amorim.

O fantasma do apagão de 2001

Em 2001, quando o apagão mudou a vida dos brasileiros, mais de 90% da energia elétrica no Brasil era produzida por usinas hidrelétricas. Vinte anos depois, a realidade não mudou muito e, ainda hoje, de acordo com informações do Ministério de Minas e Energia, do Governo Federal, 63,8% da matriz energética brasileira vem das usinas hidrelétricas. Por isso, a seca é uma ameaça tão grande para o abastecimento energético do País.

Uma luz vermelha já foi acesa. Ou melhor, a bandeira vermelha 2, que passou a fazer parte da conta de energia dos brasileiros, ou seja, de acordo com anúncio da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) feio na última sexta, 28, os consumidores vão passar a pagar um valor adicional de R$6,24 para cada 100kWh de energia consumidos.