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“Eu nunca fui um soldado ou marinheiro e sou absolutamente ignorante de todos os assuntos militares. Não sou um bom empresário, pois estou mais envolvido com a minha música do que com os negócios.”

Esse foi o único argumento que Fernando Buschman, filho de pai alemão naturalizado brasileiro e de mãe brasileira com ascendência dinamarquesa, expôs à corte marcial britânica em sua defesa.

Acusado de espionagem, um crime capital na Inglaterra, o brasileiro foi incapaz de explicar satisfatoriamente seus negócios com agentes alemães conhecidos.

Viagens suspeitas e a presença de tinta invisível em seu livro de registro eram provas suficientes para ser condenado à morte por fuzilamento na Torre de Londres.

No dia 18 de outubro de 1915, o brasileiro foi transferido para o local mais temido da capital britânica. Ele teve permissão para levar seu violino.

Carta escrita por Valerie Buschman ao advogado de seu marido morto
Carta escrita por Valerie Buschman ao advogado de seu marido executado pelo governo inglês | Foto: Reprodução

Naquela noite que antecedia à execução, Fernando Buschman tocou 19 peças, entre sonatas de Bach, óperas de Puccini e uma marcha nupcial de Grieg.

Quando amanheceu, antes ser conduzido para o Tower Riffle Range, a zona de tiro da Torre de Londres, Fernando Buschman beijou o violino e disse: “Tchau, não vou mais precisar de você”.

O brasileiro foi escoltado até uma cadeira e sentou-se com peito descoberto para encarar de frente as armas do pelotão formado por oito homens da Guarda Escocesa.

Intimorato, Fernando Buschman recusou-se a usar a venda nos olhos. Às 7h da manhã de 19 de outubro de 1915 foi executado com mais de 50 tiros de rifle. Ele tinha apenas 25 anos.

Torres de Londres onde o brasileiro foi executado
Torres de Londres onde o brasileiro Fernando Buschman foi executado | Foto: Reprodução

Londres não foi uma festa para violinista brasileiro

Fernando Buschman nasceu em Paris mas foi criado no Brasil, onde morou até os 18 anos.

Seu pai, Francisco Buschman tinha uma loja de instrumentos musicais no Rio de Janeiro.

Fernando Buschman reprodução
Fernando Buschman passou a noite, antes da execução, tocando música erudita em seu violino | Foto: Reprodução

Fernando Buschman preferiu terminar os estudos de engenharia na Europa. Primeiro na Áustria e depois na Suíça, onde acabou se interessando por negócios relacionados à aviação, que acabaram fracassando.

Após se formar, em 1912, Fernando Buschman voltou para o Brasil e foi trabalhar com o irmão na loja da família. Mas a sociedade fraternal não deu certo e acabou por fazer nova parceria com o ítalo-brasileiro Marcelino Bello em uma importadora e exportadora de produtos alimentícios.

O mundo vivia os horrores da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) — que matou mais de 20 milhões de pessoas.

Mas a turbulência provocada pelo conflito em todo o continente europeu não foi impedimento para Fernando Buschman — que era culto, refinado, músico de qualidade, apaixonado pelo violino e pela aviação, ainda uma novidade no começo do século 20.

Túmulo do brasileiro executado na Inglaterra
Túmulo do brasileiro Fernando Buschman, que foi executado na Inglaterra | Foto: Reprodução

Fernando Buschman passou a viajar constantemente para a Europa. Numa dessas viagens, conheceu Valerie, filha de um milionário alemão, com quem se casou e teve um filho.

Em 1914, a guerra começou na Europa, desencadeada pela Alemanha. Lá Fernando Buschman teria sido convocado pelo serviço de espionagem, provavelmente porque passava a fachada, já bem estabelecida, de comerciante internacional de queijo, banana, batata e lâminas de barbear.

Após uma curta temporada na Itália e Espanha, Fernando Buschman chega a Londres em abril de 1915.

Mas a espionagem, assim como os negócios, também não era o forte de Fernando Buschman.

Em matéria de coleta de informação sobre o “inimigo”, Fernando Buschman foi incompetente e mostrou pouco serviço.

Ao chegar na capital inglesa, o “espião atrapalhado” foi morar num hotel que era ocupado por dezenas de espiões. Por isso passou a ser constantemente revistado. Suas cartas eram todas abertas e as informações que repassava ao governo alemão eram todas inócuas — a ponto de seus insistentes pedidos por dinheiro ocuparem muito mais espaço nos telegramas enviados aos militares alemães com “pedidos de cigarro”, uma tática já conhecida pelas autoridades britânicas.

O amadorismo ligado ao descuido acabou por revelar a identidade secreta do espião — que foi preso apenas dois meses após a chegada em Londres.

No dia 4 de junho de 1915, Fernando Buschman foi preso em Kensington, bairro nobre londrino. Ao ser abordado, o James Não-Bond perguntou ao agente britânico: “O que você tem contra mim?”

Mas será que Fernando Buschman foi uma vítima dos tempos ou apenas um inepto, um tolo?

Recentemente, foi encontrada nos arquivos da Torre de Londres uma carta escrita por Fernando Buschman e endereçada a um certo “nobre senhor” em que agradece a bondade dessa pessoa por ter passado com ele suas últimas horas de vida.

No final da carta, Fernando Buschman agradece ao destinatário, “um amigo em país estrangeiro”.

“Morro consolado e reconciliado com todos, feliz em encontrar, em breve, a paz cuja bênção aguardo impacientemente”, disse o violinista e empresário brasileiro.

Anos depois, um dos guardas da prisão da Torre de Londres escreveu em suas memórias sobre a música que ecoou através das paredes daquele lugar sinistro, na noite do dia 18 de outubro de 1915.

Os registros da Torre de Londres sobre o julgamento e execução do espião brasileiro contam que ele enfrentou seu destino como cavalheiro.

Minutos antes de ser morto, Fernando Buschman perguntou a um de seus algozes se ele tinha filhos e se gostaria de ficar com seu violino — já que não precisava mais do instrumento.

Com um sorriso corajoso, Fernando Buschman olhou de frente para os rifles para morrer em seguida sob uma saraivada de 50 tiros. Eram 7h da manhã, mesmo horário que, até hoje, de forma bem britânica no horário, marca a chegada diária de centenas de corvos à Torre de Londres desde os tempos do rei Henrique VIII, há mais de 500 anos.