Apesar da predominância do setor agropecuário na economia goiana, o estado tem mostrado suas aptidões em uma área diferente: a robótica. Pesquisadores, empresas e laboratórios já estão atuantes no estado, desenvolvendo e exportando tecnologia de ponta, aliada, inclusive, ao crescente segmento da Inteligência Artificial. 

Órgãos públicos e privados trabalham em parceria para criar soluções que otimizem o trabalho nas indústrias e armazéns, além, claro, de aprimorar tarefas do cotidiano das pessoas. Entregas, atendimento e até tarefas domésticas estão passíveis de sofrer mudanças radicais conforme esse segmento da indústria da tecnologia se desenvolve. 

Pesquisadores ouvidos pelo Jornal Opção acreditam que o desenvolvimento da tecnologia, assim como acontece em toda revolução industrial, vai sim representar desafios e impor mudanças e adaptações no mundo profissional. Entretanto, o potencial latente presente no desenvolvimento da robótica e da inteligência artificial pode modificar radical e positivamente o cotidiano pessoal e profissional das pessoas.  

“Não é só um vilão, ele também traz muita coisa boa e abre novas oportunidades para as pessoas”, resume a professora Telma Soares, uma das responsáveis pelo Centro de Excelência em Inteligência Artificial. 

CEIA 

O Centro de Excelência em Inteligência Artificial é um laboratório de pesquisa em robótica ligado à Universidade Federal de Goiás (UFG). Com parcerias com o setor privado, e atuando também junto do governo estadual, o laboratório emprega estudantes de graduação, mestrado e doutorado, além dos professores da Instituição de Ensino.

Ao Jornal Opção, uma das docentes responsáveis pelo Centro, professora Telma Soares, explica o funcionamento do laboratório. As empresas “trazem seus problemas, e a gente monta uma equipe de pesquisadores” para encontrar uma solução que envolve a inteligência artificial. 

Professora Telma l Foto: Reprodução/UFG.

Pensando nos maiores apoiadores da atividade do Ceia, Telma destaca a atuação dos pesquisadores, o financiamento que acontece (para além da própria UFG) através da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (Fapeg) e da Embrape (organização social de co-investimento de risco para desenvolvimento de soluções tecnológicas), além das parcerias com o setor privado. 

Por um outro lado, “um dos nossos grandes empecilhos é a estrutura”, afirma a professora.  Telma afirma que para criar as soluções, é preciso fazer uso de servidores específicos com alta capacidade de processamento, e essas máquinas são muito caras. No momento, são dois computadores desse tipo operando no Ceia, e existe expectativa da chegada de novos no ano que vem. 

IARA

Um ótimo exemplo de tecnologia em robótica goiana, é a Iara, acrônimo para Intelligent autonomous robotics assistant (assistente robótico autônomo inteligente). Os ex-alunos da UFG Dimitria Silvéria e Alvino de Souza desenvolveram o robô humanoide junto ao Ceia.

“A inteligência da IARA é baseada em tecnologias avançadas de  LLMs (Large Language Models ou Modelos linguísticos de grande dimensão), utilizando como banco de dados a OpenAI, e NLP(natural language processing ou processamento de linguagem natural), que permitem interpretar e responder a comandos e perguntas complexa, de forma humanizada”, explicam. 

A ideia principal é que a Iara capte a fala humana por meio de microfones, processe o áudio e o transforme em texto, considerando nuances como entonação e emoções. Na sequência, o robô daria uma resposta condizente com a emoção captada. A ideia é ser uma assistente virtual como Alexa e Siri, mas que vai além, já que possui corpo físico e maior capacidade de diálogo, soando mais humana, mantendo o contexto por interação e dando profundidade às conversas. “Essa tecnologia permite que a IARA execute diversas tarefas, como enviar mensagens, controlar dispositivos de automação residencial…”, exemplificam. 

Além disso, a Iara consegue identificar através de câmeras quem está falando com ela, sendo capaz então de manter contato visual com seu interlocutor. 

Em entrevista ao Jornal Opção, Dimitria explica que existem três partes essenciais da Iara. A primeira é o corpo do robô, que veio do projeto do francês Gaël Langevin com modelo de impressora 3D. A segunda e a terceira parte são, respectivamente, o hardware (componentes eletrônicos) e a programação, que estão sendo desenvolvidas pelos pesquisadores. 

Pensando nos erros de sistemas de inteligência artificial que viralizaram nas redes digitais nos últimos meses (como interpretações literais do Chat GPT, por exemplo), Alvino explica que para criação da Iara, foi feita uma seleção dentro da base de dados voltada especificamente para a fala humana, o que quase eliminaria casos assim. “Ela não é tão literal quanto os outros”, explica. 

Dimitria e Alvino deram início ao projeto enquanto membros do grupo de robótica da UFG, o ‘Pequi Mecânico’ l Foto: Arquivo.

Synkar

Em entrevista ao Jornal Opção, o CEO e um dos fundadores da Synkar, Lucas Assis, compartilha um pouco do cotidiano da companhia que produz robôs autônomos para automação de logística. “O robô vem para otimizar e melhorar a qualidade do trabalho que está sendo feito”, afirma o empresário. Ele conta que são 20 robôs em operação no Brasil, Canadá e Irlanda, além de outros quase 300 robôs reservados em cartas de intenção e pré-venda. 

A ideia central é levar um item de um ponto ‘A’ a um ponto ‘B’ em armazéns, condomínios e shoppings, por exemplo, e “economizar passos de pessoas”.  Lucas, que também se formou na UFG, exemplifica: ao invés de algum morador precisar descer na portaria para pegar uma encomenda, o robô pode levar até o apartamento. 

Lucas Assis l Foto: Arquivo.

As soluções de automação são oferecidas na forma de aluguel mensal, que se adequa às necessidades do contratante. Existem planos com 16 horas de funcionamento diário, 7 dias por semana, outros com oito horas diárias de atividade, apenas em dias úteis, entre outros formatos mais personalizados. O valor médio mensal varia de seis a oito mil reais. 

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Lucas aponta o preço nacional de produção como um dos principais dificultadores da expansão das operações. “Quando eu levo o robô para fora do brasil, a diferença de custo é gritante”, diz o CEO ao afirmar que o preço diminui cerca de 40% no exterior devido à cadeia produtiva que oferece opções nacionais de peças como câmeras e baterias, por exemplo. 

“Criei a Synkar porque eu queria trabalhar com robótica e não tinha nenhuma empresa que eu pudesse trabalhar com robótica”, afirma o empreendedor ao reforçar sua crença no investimento em tecnologia de ponta dentro do país. Para ele, o mercado é muito receptivo, apesar da necessidade inicial de “evangelização”, além disso, os ganhos com a otimização da cadeia logística nacional podem economizar, potencialmente, cerca de 13% do PIB nacional. 

Robótica em Goiás

Tanto a professora Telma, quanto Lucas, Dimitria e Alvino, reforçam o convite para a Robótica 2024, que acontece em Goiânia. O evento reúne a competição brasileira de robótica (CBR), a Mostra Nacional de Robótica e o Simpósio Brasileiro de Robótica. A robótica reúne competições, mostras e simpósios de estudantes de ensino fundamental, médio, graduação e pós-graduação. 

Durante a inauguração da mostra, está prevista uma demonstração conjunta do robô da Synkar e da Iara. A ideia é que a máquina humanoide realize um diálogo com o robô do Synkar e faça um pedido, de forma totalmente autônoma. Além disso, acontecerão competições de drones, futebol de robôs, simulações de serviços domésticos e a Olimpíada Brasileira de Robótica (final nacional da competição de ensino fundamental e médio).

O evento acontece dos dias 12 a 17 de novembro, das 08h às 19h30, no Centro de Convenções de Goiânia (entrada pelo portão um). A entrada é completamente gratuita.