Ribeirão João Leite: 23 nascentes sem chance de recuperação
10 fevereiro 2015 às 13h24

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Levantamento feito desde 1999 aponta que fatores principais da degradação são o desmatamento e o uso de agrotóxicos. Porém, delegado prefere conscientizar em vez de punir

Um trabalho iniciado há 15 anos resultou na recuperação de 19 nascentes do Ribeirão João Leite, em um universo de 491 em todo o manancial. A região é responsável pelo abastecimento de água de 48% da população de Goiânia. Os dados estão em relatório divulgado pela Delegacia Estadual de Repressão a Crimes Contra o Meio Ambiente (Dema) nesta terça-feira (10/2).
Conforme o documento, 70 nascentes estão em boas condições ou totalmente preservadas. E a principal cabeceira localizada em Ouro Verde, a 57 quilômetros da capital, está totalmente reconstituída por completa desde 2004.
Em contrapartida, 23 delas encontram-se em estado irreversível, por uma cultura de agressão histórica à flora goiana. Neste ano, uma secou por conta da irrigação; sendo o desmatamento o principal causador da degradação das fontes d’água.
Aliado ao crime ambiental está a atuação de produtores de leite, carne e hortifrútis — situação agravada com o uso de agrotóxicos. O avanço contra os mananciais é reforçado pelo crescente boom imobiliário que circunda as margens do João Leite, como a instalação de hotéis-fazenda.
A polícia ouviu 12 dos grandes proprietários instalados em Goiânia, Região Metropolitana e outras cidades banhadas pelo João Leite. Foi ordenado que nos próximos três meses as nascentes sejam cercadas em um raio de 50 metros, e as matas ciliares protegidas.
Titular da Dema, Luziano de Carvalho, afirmou ao Jornal Opção Online que a ignorância de todos contribui para a situação. “Cadê a fiscalização, o monitoramento e a punição? O grande equívoco nosso é de sempre responsabilizar alguém em questão. Ninguém é culpado. Se você for a um produtor, vai escutar dele que ninguém nunca falou sobre leis com ele”, avaliou, sem apontar diretamente os culpados. O investigador destacou que a proteção é importante para os ruralistas e a sociedade.
Para a confecção do relatório, a polícia atenta para a importância da barragem João Leite e lembra que o sucesso dela depende da qualidade da água que chega ao reservatório. Por isso, alertou para que os animais bovinos, principalmente, não consumam o líquido diretamente nos chamados reservatórios tributários. A sugestão foi para que o recurso seja bombeado para bebedouros longe do manancial.

Por mais de três vezes, Luziano disse que entende a situação por também ser produtor rural. “O maior desafio é não criminalizar ninguém, porque é possível conscientizar”, analisou, em entrevista coletiva. Para o delegado, é preciso, antes de tudo, esclarecer a situação aos responsáveis.
Na visão dele, é preciso haver integração entre a Dema e o trabalhador. “É claro que impedir ou dificultar a recuperação natural é crime. Aquele que vier à delegacia e botar dificuldade iremos fazer o procedimento policial e encaminhá-lo à Justiça”, enfatizou.
Das 491 nascentes que desembocam no Ribeirão João Leite, 103 vão passar pelo processo de recuperação nos próximos três meses. As demais (276) serão vistoriadas no segundo semestre.
E em tempo de crise hídrica, agravada principalmente na Região Sudoeste, o investigador prevê: “O dia em que secar a água do Cerrado, vai acabar em todo o País”. Os outros reservatórios de abastecimento público da capital são o do Meia Ponte e o Samambaia.
Segundo o Artigo 48 da Lei 9.605, impedir ou dificultar a regeneração natural da fauna e flora é crime. A pena é de seis meses a um ano, com multas que podem chegar a R$ 5 mil por hectare danificado.
Vida útil do reservatório
Supervisor de Proteção de Mananciais da Saneago, Fernando Costa Junqueira sublinha que a manutenção dos pontos contribui para manter a durabilidade do reservatório. Hoje, a previsão é que dure até 2025. “O que faz com que o tempo de vida útil seja curto seriam problemas como o assoreamento e poluição”, ressaltou.
O servidor da central de abastecimento pontua que o trabalho de conscientização e reflorestamento é igualmente importante, pois vai fazer com que as nascentes tenham a vazão conservada. Assim, a qualidade da água será mantida.
O engenheiro ambiental Benício Rodrigues Batista Junior presta serviço a maior parte dos produtores. Formado pelo Instituto Luterano de Ensino Superior de Itumbiara (Iles/Ulbra), antiga Feist, ele argumenta que é preciso tornar prioridade a segurança do fornecimento hídrico. “Se seguirmos a linha de recuperação das nascentes principais e não acomodarmos, teremos menor risco de ficar sem água”, resumiu.