Reportagem revela esquema de exploração de menores conduzido por dono das Casas Bahia
15 abril 2021 às 21h23
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Samuel Klein morreu em 2014 e apenas agora os casos de crimes sexuais são revelados. A defesa do empresário extinguia casos com acordos
À Agência Pública, mais de 35 pessoas relataram casos de crimes sexuais praticados por Samuel Klein, nome por trás da marca Casas Bahia. Na reportagem, também foram consultados processos judiciais e inquéritos policiais, além de outros documentos, como fotos, áudios e vídeos de festas que embasam que o dono da rede de lojas teria mantido uma vida inteira de exploração sexual de meninas entre 9 e 17 anos. Os abusos teriam acontecido na sede das Casas Bahia e em propriedades de Klein na Baixada Santista e em Angra dos Reis.
Dentre as revelações que são abertas ao público sete anos após sua morte, está até mesmo recrutamento e transporte de meninas em helicópteros particulares e festas com orgias pagas com a venda de produtos domésticos do conglomerado que arrecada anualmente uma média de R$30 bilhões.
Vítimas
Entre os relatos chocantes, está o de Renata*, que contou que foi estuprada pelo empresário aos 16 anos. Ela revela que em outubro de 2008 foi à casa de praia de Klein, em Angra dos Reis. “Ele me pegou a força, rasgou minha roupa e me violentou. Não adiantava gritar”, falou em depoimento. À polícia, Klein confirmou que Renata e uma colega esteve na casa dela, mas que não eram menores de idade.
Nos apartamentos em São Paulo, o empresário dava festas. Mulheres e meninas que sofriam os abusos em sua loja eram selecionadas para participar. As adolescentes eram aliciadas e quase sempre vinham de bairros de baixa renda ou outros estados. Funcionários das lojas confirmaram pagamentos em dinheiro ou produtos para as “samuquetes”, como eram apelidadas. “As meninas tinha direito de escolher o que elas queriam na loja”, afirmou uma ex-gerente das Casas Bahia na Vila Diva, zona leste de São Paulo. Eram tantas as mulheres e meninas que apareciam para escolher produtos com recados assinados com a letra de Samuel Klein, que um segurança que trabalhou para a família por duas décadas afirmou: “Parece que ele vivia para isso”.
A secretária pessoal do empresário, Lúcia Amélia Inácio organizava o esquema. Ela convidava as meninas escolhidas por Samuel para viagens, realizava pagamentos, doações de cestas básicas e até participava de festas promovidas por Samuel. Além dela, Káthia Lemos também foi citada como uma aliciadora para o empresário. À Pública, ela negou o agenciamento de mulheres e meninas. Káthia afirmou conhecer “mais de 100 mulheres, de vários estados brasileiros, que frequentavam os encontros”, mas negou que alguma delas fossem menores de idade. Nas entrevistas fica claro que Samuel se aproveitava da vulnerabilidade de famílias empobrecidas e trocava abusos por recompensas.
Gerente da organização Childhood, que presta apoio à infância e adolescência, Itamar Gonçalves explica que as meninas acabam estimuladas a convidarem irmãs, primas e amigas a fazerem parte do esquema e que a culpa não é delas. “O papel do aliciador é do adulto que está se aproveitando da situação. Infelizmente, porque temos uma Justiça machista, a atuação de um adulto que se beneficia e/ou articula esse tipo de situação é muitas vezes normalizada”, afirmou.
Ainda na reportagem, a socióloga Graça Gadelha explica que a pobreza e vulnerabilidade social levam crianças e adolescentes para este tipo de esquema. Advogados ouvidos pelo veículo afirmaram que os processos não avançam na Justiça, porque rapidamente os advogados do empresário extinguiam com acordos. Além disso, diversos processos só ocorreram quando o empresário já tinha mais de 70 anos e o prazo prescricional de 20 anos começava a correr a partir da maioridade da vítima. “Na cabeça da vítima, ela ainda fica pensando que pode ser culpada. Ela leva um tempo achando que a agressão, que o que ela passou é culpa dela”, argumentou Antônio Sérgio deAqui, advogado que representa algumas das mulheres.
A reportagem procurou a assessoria de Michael Klein, filho e acionista majoritário da Via Varejo, que respondeu por meio de sua assessoria. Leia na íntegra:
“Esclarecemos que a família Klein nunca exerceu qualquer papel de controle na Via Varejo, holding constituída em 2011 para gerir as marcas Casas Bahia, Pontofrio, Extra.com.br e Bartira. A holding, que até agosto de 2019 fazia parte do Grupo Pão de Açúcar, é hoje uma corporação independente, sem bloco controlador, como pode ser conferido no link. Dessa forma, não comentamos sobre casos que possam ter ocorrido em período anterior ao da atual gestão da empresa.
A Via Varejo é muito clara em seus valores e princípios de conduta. Repudiamos veementemente todo e qualquer tipo de assédio, práticas ilegais e atos discriminatórios em nossas dependências, incluindo nossa sede administrativa e nossas lojas. Nosso código de ética e conduta, distribuído para todos os nossos colaboradores, é o guia que regula todas as ações da empresa, sendo sua aplicação acompanhada por auditorias independentes.
Somos ainda signatários de diversos acordos e compromissos que oferecem parâmetros institucionais para nossas estratégias de responsabilidade corporativa, como, por exemplo: Princípios de Empoderamento das Mulheres, elaborado pela ONU Mulheres; Coalizão Empresarial de Luta pelo Fim da Violência contra Mulheres e Meninas, liderado pela Avon, ONU Mulheres e Fundação Dom Cabral; Coalizão Empresarial para Equidade Racial e de Gênero, liderado pelo Instituto Ethos, Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT) e Institute for Human Rights and Business (IHRB), com apoio do Movimento Mulher 360 e do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).”
** Esta matéria foi escrita com base na publicação de El País.