A partir desta quarta (3/12), fumódromos e áreas para fumante estão extintos. Sociedade civil, especialistas e empresários se posicionam de maneira distinta, mas sentimento de dúvida é comum

Foto: Rafael Neddermeyer / Fotos Públicas
Foto: Rafael Neddermeyer / Fotos Públicas

A nova e rigorosa Lei Antifumo começa a vigorar em todo o País nesta quarta-feira (3/12). A partir desta data, ambientes fechados de uso coletivo deverão ser 100% livres de tabaco. É o que versa o texto do decreto assinado pela presidente Dilma Rousseff (PT) e publicado no Diário Oficial da União há exatos 180 dias. Entre os itens mais polêmicos, está a extinção dos fumódromos e das áreas reservadas para fumantes em bares e restaurantes.

De acordo com a nova regra, está proibido o consumo de cigarros, cigarrilhas, charutos, cachimbos e outros produtos fumígenos em locais de uso coletivo, públicos ou privados, como hall e corredores de condomínio, restaurantes e clubes, mesmo que o ambiente esteja só parcialmente fechado por uma parede, divisória, teto ou até toldo. Os narguilés também estão vetados.

A norma também extingue os fumódromos e acaba com a possibilidade de propaganda comercial de cigarros até mesmo nos pontos de venda, permitindo somente a exposição dos produtos, acompanhada por mensagens sobre os malefícios provocados pelo fumo. A legislação anterior permitia as propagandas no display

– versa a lei.

De acordo com dados do Ministério da Saúde, no Brasil, o número de fumantes está em queda. Segundo o Vigitel 2013 (Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico) — o mais recente estudo sobre o tema –, em 2013, cerca de 11,3% da população do Brasil se declarou fumante.

O dado é três vezes menor que o índice de 1989, quando a pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontou 34,8% de fumantes na população. Ainda de acordo com o MiS a meta é chegar a 9% até 2022.

Para tanto, de acordo com o ministro Arthur Chioro, o país vai continuar enfrentando o tabagismo “como um grave problema de saúde pública” e como um “desafio para que toda a sociedade possa viver de forma mais saudável”.

Propagandas antigas de cigarro: fumar era "chic" | Fotos: reprodução
Propagandas antigas de cigarro: fumar era “chic” | Fotos: reprodução

Controversa

Foto: Leticia Coqueiro
Engenheiro Alexandre Antônio critica nova lei | Foto: Leticia Coqueiro

Entretanto, as novas imposições da lei não agradam, claro, aos fumantes. Engenheiro civil, Alexandre Antônio de Castro Rosa é fumante há quase 50 anos. “É uma babaquice dos ditos ‘politicamente corretos’! Estão querendo cercear os direitos das pessoas”, critica. Para ele, aceitar a imposição é “hipocrisia”, pois o governo necessita da receita advinda do consumo do fumo, bem como dos impostos arrecadados. “Por que não proíbem a fabricação? Seria mais lógico, não?”, questiona.

Alexandre Antônio vai além e acredita haver uma incoerência social. “Um absurdo que essa mesma sociedade que está aí querendo legalizar o uso da maconha e outras drogas ficar querendo impor condições para as pessoas não fumarem. Coagir as pessoas dessa forma é ultrajante”, reforça.

Advogado especialista em Direito Constitucional, Flávio Buonaduce concorda em partes com o engenheiro. “Há sim a possibilidade de se questionar a constitucionalidade, o livre arbítrio das pessoas. Mas é preciso destacar outro princípio, o de que o direito individual não se sobrepõe ao direito coletivo”, explica. Ele garante que a pessoa tem a prerrogativa para fazer o que quiser com sua própria vida, mas, a partir do momento que isto começa a atingir o direito de outros, é preciso começar a “mitigar”.

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Historiadora Marília Bilú pede ponderação | Foto: reprodução / site GoToGo

Esta é a opinião da historiadora Marília Bilú. “Eu, que sou fumante, tenho o cuidado de não acender meu cigarro próximo a outras pessoas. Quando em bares ou restaurantes, mesmo na área reservada, me atento ao redor para ver se não estou incomodando”, conta. Apesar de não se considerar fumante habitual, ela acredita que a lei tira, em partes, o livre arbítrio do cidadão. “Uma coisa é ter espaços exclusivos para o fumo, outra é acabar com eles. Vai ser ruim para a própria população… Se já temos os fumódromos que garantem ambientes livres de fumo, por que não mantê-los? É uma questão de justiça”, lamenta.

Já a chef e coordenadora do curso de Gastronomia da Cambury, Tatiana Mendes se diz “feliz da vida” com a nova legislação. “Acho que vem para que a população se sinta mais à vontade. A fumaça do cigarro, por mais que existam as áreas de fumantes, acaba entrando em contato com todos, em um restaurante, por exemplo”, explica. De acordo com ela, leis deste tipo acabam por incentivar a população a fumar menos: “cada dia fica mais difícil ser fumante e isso tem efeito positivo”. “Agora, reconheço que em ambientes de festa e álcool é mais difícil evitar o fumo”, relata.

Neste sentido, a nova Lei Antifumo tem em seu texto um ponto delicado: não se pode mais existir, em boates e casas noturnas, os chamados “fumódromos”.

Lei seca 2.0?

Lugar de confraternização e, por vezes, abrigo fora do tunz-tunz característicos das baladas, os fumódromos — como são chamados os espaços abertos reservados para os fumantes em boates — vão muito além de meros “quartinhos de fumaça”. Não raro sejam eles os lugares mais “lotados” das casas noturnas.

Preocupados com o impacto negativo, os proprietários procurados pela redação do Jornal Opção Online preferiram não se identificar e alguns não quiseram nem sequer comentar sobre a vigência da nova lei. De acordo com esta, já a partir deste fim de semana, os fumódromos deverão ser banidos.

Só que na prática, não vai ser bem assim. Um dono de uma casa noturna confidenciou que vai esperar a fiscalização para, então, tomar alguma medida. “Como não sabemos muito bem como vai funcionar, além da lei ser tão ridícula e tão exigente que vamos esperar como vai repercurtir a fiscalização”, desconversou. O medo dos proprietários é justamente “espantar” os clientes que fazem uso do fumo.

Advogado Flávio Buonaduce afirma que conscientização é melhor que punição | Foto: reprodução / Facebook
Advogado Flávio Buonaduce afirma que conscientização é melhor que punição | Foto: reprodução / Facebook

E com razão. A historiadora Marília Bilú garante: “vou pensar muito antes de ir à uma balada que não tenha fumódromo”. E o veterinário Thiago Dias — que não é fumante, mas tem vários amigos — complementa: “não me incomoda em nada estar no fumódromo. Já me acostumei e até gosto, porque podemos conversar. Acabar com eles é interferir demais, não aprovo”. Tal reflexão não é nada estranha em São Paulo, onde há uma lei semelhante já vigora há alguns anos. Na capital paulista, as boates oferecem “cercadinhos” do lado de fora, na calçada e ao ar livre. “Talvez esta seja uma solução para cá”, elocubra um dono.

Gestor da Santafé Hall, Carlos Educardo da Nóbrega, o Carlão — um dos que se identificou ao jornal — foi além ao questionar a extinção dos fumódromos. “Eu tenho dois lá. Vou ter que acabar com eles e os fumantes vão para onde? Se eu ponho eles para fora da boate incorro em uma série de problemas. Por exemplo, ‘vaza’ o som, aumenta o barulho externo e eu terei problemas com a Amma [Agência Municipal do Meio Ambiente], além disso terei gastos extras para contratar mais seguranças para vigiar os clientes do lado de fora. Sem contar que se algum deles sair correndo, terei prejuízo, pois não trabalhamos com venda pré-paga”, explica.

O advogado Flávio Buonaduce ressalta que a Lei Antifumo que está sendo imposta para todo o Brasil tem uma diferença crucial à Lei Seca: não houve conscientização da população. Aprovada no fim de 2012, sendo efetivamente aplicada em 2013, a Lei 12.760 modificou o Código de Trânsito Brasileiro — que permitia um limite mínimo de 0,1 mg de álcool por litro de ar expelido no exame do bafômetro — e, por meio de diversas campanhas, foi debatida em todos níveis da sociedade. “As leis devem, primeiro, passar por um período de maturação, as pessoas devem se imbuir delas para que, só assim, possa haver uma efetiva fiscalização”, opina o jurista.

Balada Responsável: ação do Governo de Goiás para incentivar a população a não beber e dirigir. Processo de maturação contou com inúmeras ações publicitárias | Foto: reprodução / Diário de Caldas
Balada Responsável: ação do Governo de Goiás para incentivar a população a não beber e dirigir. Processo de maturação contou com inúmeras ações publicitárias | Foto: reprodução / Diário de Caldas

De quem é a responsabilidade?

Sustentando a ideia de que uma lei como a Antifumo está mais relacionada propriamente com a cultura do lugar do que com a dureza de sua fiscalização, Buonaduce afirma que a lei anti-fumo de São Paulo funciona por outros motivos. “O paulistano tem uma maior preocupação com a questão da poluição, e propriamente da qualidade do ar que respiram. Além disso, a proibição foi feita de maneira escalonada. Fase por fase”, lembra.

Aqui em Goiás, não só a sociedade em si se mostrou alheia aos detalhes da lei. Donos de boates, restaurantes e estabelecimentos comerciais garantem que estão em dúvida da maneira como ela será fiscalizada. “Se eu estiver em um bar e alguém fumar perto de mim, devo chamar a polícia?”, questiona uma leitora. “Em tese, não. Mas, caso o dono do estabelecimento tenha pedido para que a pessoa apague ou jogue fora e esta se negar a fazê-lo, já passa a ser um caso extremo, no qual a PM deve ser acionada”, explica a assessoria do Ministério da Saúde ao Jornal Opção Online.

Vale lembrar que não é o fumante que será penalizado, caso haja descumprimento da lei, o estabelecimento será responsabilizado, com multas que variam de R$ 2 mil a R$ 1,5 milhão.

Antigo fumódromo da boate The Edge em São Paulo | Foto: reprodução / Época São Paulo
Antigo fumódromo da boate The Edge em São Paulo | Foto: reprodução / Época São Paulo

Dá para entender o porquê, então, da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes de Goiás (Abrasel-GO) já ter se posicionado contra o endurecimento da lei. “Ressaltamos que o excesso de rigor do decreto impede o direito das pessoas de consumir um produto lícito, em pelo menos em determinados locais de bares e restaurantes, ou seja em espaço reservado para fumantes. Discordamos da transferência de responsabilidade no caso da penalização dos bares e restaurantes e também da restrição total da publicidade, que além de ferir o direito do comerciante de anunciar, acaba favorecendo o consumo de produtos ilegais e contrabandeados”, versa a entidade.

Quem sabe?

Incumbidas de fazer a fiscalização a partir desta quarta-feira (3/12), as Agências da Vigilância Sanitária estaduais e municipais de Goiás não conseguiram fornecer maiores informações para o Jornal Opção Online. Após uma exaustiva procura durante toda esta semana, o que foi conseguido foram apenas explicações pontuais. Na Agência Municipal de Vigilância Sanitária de Goiânia, o que foi dito é que “seminários” para discutir a lei vão ser feitos nesta quarta, quinta e sexta-feira (3, 4 e 5 de dezembro). Questionada sobre a estranheza de se discutir a lei após sua implementação, a funcionária desconversou: “é o que sei”.

Em entrevista ao jornal, o fiscal Ricardo Botelho da área de alimentos rebateu o comentário, afirmando que a lei “está sendo discutida desde sua promulgação, em 1999”. O que a agência municipal vai fazer agora é implantar as ações que foram disponibilizadas pelo órgão estadual. “Eu ressalto que a responsável é a Superintendência de Vigilância Sanitária Estadual, que coordena as ações. Eles só foram disponibilizar as informações há duas semanas”, argumenta ele. A referida superintendência nega a acusação.

A assessoria da Secretaria estadual de Saúde destaca que não é responsabilidade da pasta fiscalizar. “O que estamos fazendo é oferecer cursos de capacitação e todo o apoio que as prefeituras precisarem para que a lei chegue à população e, claro, seja cumprida”, informa.

Sobre a possibilidade de uma fiscalização rígida, Ricardo Botelho é taxativo: “somos apenas 30 fiscais de alimentos para fazer a fiscalização de todos os bares e restaurantes de Goiânia. É impossível”. Ainda de acordo com ele, a partir do dia 5 de dezembro é que serão feitas, propriamente, as notificações: “temos que fazer ações conjuntas para conscientizar a sociedade”.

Ainda ao Jornal Opção Online, a assessoria do Ministério da Saúde demonstrou certo estranhamento neste aparente desconhecimento da sede goianiense da vigilância. “O decreto foi publicado no dia 31 de maio deste ano. A partir desta data, tiveram 180 dias para se preparar”, arrematou a responsável pelo setor no MiS.

A dúvida que fica é: quando a cortina de fumaça se assentar, será que teremos “apagado os cigarros” ou só criado mais uma Lei Branca?