Imbróglio nas cobranças de tarifas sobre a energia elétrica, diferenças nos impostos de e-commerce e a redução da alíquota do ICMS, tudo isso pegou os Estados brasileiros de surpresa, em meio a um orçamento definido para 2023. Por isso, nesta semana, todos os 27 governadores peregrinaram a Brasília. Participaram de reuniões no Palácio do Planalto, com o ministro da Fazenda Fernando Haddad, oitos deles, incluído o governador Ronaldo Caiado (UB), atravessaram a praça dos Três Poderes, por duas ocasiões e em dias alternados, terça e quarta-feira (7 e 8), para se reunir com os ministros, respectivamente, Luiz Roberto Barroso e Gilmar Mendes; André Mendonça e Nunes Marques.

Em parte, a diplomacia conseguiu inverter, por enquanto, apenas uma das questões. Na noite desta quinta-feira, 9, o ministro do STF Luiz Fux suspendeu a eficácia do dispositivo da Lei Complementar (LC) 194/22, que impedia na base de cálculo do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) a cobrança das tarifas do Sistema de Transmissão de Energia Elétrica (Tust) e do Sistema de Distribuição de Energia Elétrica (Tusd). O questionamento foi feito pelos Estados, por meio da ADI 7.195.

Apenas com estas duas tarifas, o Estado de Goiás corria o risco de ter que devolver aos contribuintes de energia elétrica cerca de R$ 1 bilhão. “São tarifas de distribuição e transmissão que são cobradas na tarifa de energia elétrica. De acordo com a Lei Kandir, que rege todo o ICMS, o Estado deve cobrar o ICMS nesta base final, neste preço final. A partir de 2017 começou um contencioso para os contribuintes, junto ao STJ [Superior Tribunal de Justiça], de que a base de cálculo que incide a alíquota deveria ser retirada destes custos, isso para Goiás, é uma perda significativa”, calcula a secretária de Economia, Cristiane Schmidt. No entanto, a discussão segue no STJ.

Na sua sentença, Fuz ressaltou que há indícios de que a União extrapolou a prerrogativa de regulamentar a alíquota de ICMS. “Em um exame perfunctório da questão, característico desse momento processual, exsurge do contexto posto a possibilidade de que a União tenha exorbitado seu poder constitucional, imiscuindo-se na maneira pela qual os Estados membros exercem sua competência tributária”. O entendimento no Supremo pode influenciar o STJ e favorecer os Estados na ação de não cobrança das duas tarifas na energia, questionadas por consumidores.  

Nenhum Estado vai parar de pé, se tivermos estas perdas todas, já vamos ter perdas estruturais relevantes

Secretária de Economia Cristiane Schmidt

No entanto, na Suprema Corte há mais um problema para ser remediado em relação a Tust e a Tusd sobre o ICMS, em relação a uma medida aprovada pelo Parlamento. “Dentro da discussão no Congresso, colocou-se um ‘jabuti’ de que a Tuds estaria fora da tarifa de energia elétrica. Então, este passou a ser um tema também discutido no STF, em que os Estados estão pedindo para que estas duas tarifas continuem compondo o preço final e a base de cálculo do ICMS,” pontua Schmidt.

Caiado se encontra com ministro Barros no STF: assunto Difal do ICMS | Foto:  Júnior Guimarães
Caiado se encontra com ministro Barroso no STF: assunto Difal do ICMS | Foto: Júnior Guimarães

Pelos cálculos da economia, apenas com a redução do ICMS sobre combustíveis, energia elétrica e serviços de telecomunicações e de transporte público, o rombo chega aos R$ 5,5 bilhões. A medida foi elaborada e aprovada no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que classificou a gasolina como sendo produto de bem essencial, com limite máximo de cobrança de imposto, de até 17%. “No caso do Estado de Goiás, a gente está falando, dentro desta perda de R$ 5,5 bilhões anual, que a gasolina representa R$ 750 milhões, que tivemos perda, por ter reduzido de 30 para 17% a alíquota”, recorda. “No caso da gasolina, não tem porque ela ser essencial, porque é um produto que realmente tem problema ambientais, causa externalidade negativa, e nenhum lugar no mundo se tem uma tarifa tão baixa quanto se tem aqui [Brasil] da gasolina”, compara.  

Judicialização dos temas

Os Estados, agora, concentram o front no Poder Judiciário, para torna inconstitucional que combustível seja bem essencial de primeira necessidade. “Se o Supremo entender que a gasolina não é essencial vai ter que mudar a Lei 194, e aí todos os Estados teriam que ter, de acordo com a Lei 192, uma alíquota única para o Brasil, que seria uma coisa intermediária, entre o que era e o que passou a ser. Então, a gente volta a ter uma arrecadação adicional, mas também ela não é muita”, indica. Caso haja alteração, dependendo da nova alíquota, Goiás espera recuperar cerca de R$ 500 milhões das perdas. “Então, fica uma perda de R$ 5 bilhões”, resume, prevendo que de toda maneira não haverá como ter as mesmas receitas anteriores. “A perda vai acontecer, já está acontecendo. Todos os Estados estão sentindo desde julho de 2022. Só que haverá alguma compensação em 2022, mas de 2023 em diante a gente, realmente, vai ter uma perda estrutural da receita”, projeta.

Governador com Tarcísio e Fernando Haddad (Fazenda) | Foto:  Júnior Guimarães
Governador com Tarcísio (SP) e Fernando Haddad (Fazenda) | Foto: Júnior Guimarães

A compensação referente ao ano passado é a negociação que os governadores estão fazendo com o governo federal. De acordo com os cálculos do Conselho Nacional de Política Fazendária, a arrecadação total perdida com redução da alíquota do ICMS foi de R$ 45 bilhões para todos os Estados. A União ofereceu o repasse de R$ 22 bilhões e os Estados fizeram outra contrapartida de R$ 37 bilhões, aguardando uma nova posição do Ministério da Economia para esta sexta-feira, 10.

Nesse contexto, segundo a secretária, o déficit na arrecadação pode aumentar se Goiás não puder mais cobrar a Tust e a Tusd da energia elétrica. “Se os Estados perdem isso (as duas tarifas), no caso de Goiás, eu tinha falado que perderíamos R$ 5,5 bilhões, já vamos estar falando de R$ de 6,5 bilhões, porque aumenta mais R$ 1 bilhão de perda [valor que teria que devolver aos clientes de energia, provavelmente, por meio de crédito na fatura]”, soma. “Para agravar isso tudo, tem a questão do Difal [diferença entre a alíquota interna e a interestadual de ICMS do Estado destino], que é um contencioso apenas do ano de 2022”, emenda, destacando o efeito escalonada daqui para frente, pois o Estado deixaria de contar com mais está receita.

Governadores se reúnem com cúpula do Ministério da Fazenda do governo Lula | Foto:  Júnior Guimarães
Governadores se reúnem com cúpula do Ministério da Fazenda do governo Lula | Foto: Júnior Guimarães

E-commerce na questão do Difal

Na contabilidade de perdas de quase R$ 7,5 bilhões, entra o Difal, que representa perdas para Goiás na casa dos mais de R$ 900 milhões. O diferencial é calculado nas transações do e-commerce, que no passado a arrecadação ia toda para São Paulo, de onde era a origem das comercializações. “Daí, começou uma discussão de que tinha que ter uma divisão entre origem e destino, sendo aprovado no Confaz um convênio, a partir dele, todos os estados tiveram suas leis estaduais, indicando o que era o Difal e como poderia ter a compensação”, explica Schmidt.

“Isto [o acordo entre Estados], passou a vigorar normalmente, ocorre que o Supremo Tribunal Federal, em 2021, entendeu que deveria ter uma lei completar para regulamentar este Difal e, assim, foi feita a lei completar, em 2021. Porém, o presidente da República só sancionou a lei em 4 janeiro de 2022. Nesses quatro dias, os contribuintes começaram a questionar, alegando que precisavam dar anualidade para a cobrança do Difal”, salienta. Segundo a titular da Economia, a anualidade ocorre para que o contribuinte não seja surpreendido por um aumento de tarifa, que não seria o caso em discussão, uma vez que a tarifa já era cobrada por legislações estaduais. “Então não houve surpresa, mas os contribuintes queriam tentar ‘jogar’ com isso para ver se ganhava alguma coisa, que para o Estado de Goiás representa um prejuízo de mais de R$ 900 milhões”, frisa.

Encontro de governadores em Brasília: amenizar perdas de arrecadação  | Foto:  Júnior Guimarães
Encontro de governadores em Brasília: amenizar perdas de arrecadação | Foto: Júnior Guimarães

Cristiane Schmidt comentou que caso o Estado perca no Judiciário o debate e tenha que devolver os valores aos contribuintes, referente ao Difal, neste ano, o rombo passa de “R$ 6,5 bilhões, das perdas estruturais, para R$ 7,5 bilhões, somando os quase R$ 1 bilhão [Difal]”. Com isso, explana ela: “Nenhum Estado vai parar de pé, se tivermos estas perdas todas, já vamos ter perdas estruturais relevantes e ainda tem a discussão do Difal, que é uma discussão que está a parte, ela não está nas LCs [Leis Complementares] 194 e 192. Ela é um outro contencioso entre estados e contribuintes que está no Supremo”, comenta.