Nos últimos anos, a crescente interferência da religião na política brasileira tem gerado intensos debates sobre o impacto dessa relação na democracia. O uso de discursos morais e religiosos por políticos, aliado ao avanço de lideranças religiosas no cenário eleitoral, suscita questionamentos sobre os limites entre Estado laico, ética pública e o falso moralismo que permeia muitas das discussões.

A religião sempre desempenhou um papel significativo no Brasil, sendo o país historicamente de maioria católica, mas com um expressivo crescimento de evangélicos nas últimas décadas. Esse crescimento não se reflete apenas na sociedade, mas também no poder político.

Desde o Congresso Nacional até prefeituras e câmaras de vereadores, representantes que se identificam como líderes religiosos ou que usam pautas religiosas como plataforma eleitoral têm ocupado posições de destaque. Para muitos desses políticos, a fé serve como base moral e ética para suas decisões e discursos.

Contudo, o uso da religião pode também assumir um caráter estratégico, apelando a um eleitorado que se identifica com valores conservadores. Discursos que exaltam a “defesa da família”, a “moral cristã” e o combate ao que é considerado “imoral” tornaram-se comuns, especialmente durante eleições.

Esse cenário deu origem a um fenômeno paralelo: o falso moralismo. Ao se apropriarem de valores religiosos, muitos políticos se apresentam como defensores da moralidade e da família tradicional, condenando comportamentos e direitos que não se alinham a seus valores, como o casamento homoafetivo, o direito ao aborto ou a discussão de gênero nas escolas.

No entanto, essa moralidade pública nem sempre se traduz em condutas éticas na vida privada ou na gestão de recursos públicos. A denúncia de escândalos envolvendo figuras que se apresentam como “guardiões da moralidade” revela as contradições desse discurso.

Casos de corrupção, desvio de verba e favorecimento ilícito envolvendo esses líderes frequentemente colocam em xeque a autenticidade de seus discursos. Ao se esconderem por trás de uma fachada religiosa, esses políticos utilizam a fé como escudo para práticas que vão contra os próprios valores que dizem defender.

A interferência religiosa, quando vinculada ao falso moralismo, apresenta sérias ameaças ao Estado laico e à democracia. A laicidade, princípio que garante que o Estado não deve adotar ou privilegiar uma religião específica, é essencial para assegurar a liberdade de crença e a igualdade entre os cidadãos, independentemente de suas orientações religiosas ou filosóficas.

Quando políticos utilizam a religião para legislar, criam um ambiente em que políticas públicas podem ser desenhadas em favor de grupos religiosos, ignorando a pluralidade da sociedade.

Além disso, o uso do falso moralismo pode mascarar interesses políticos e econômicos, desviando o foco do debate público de questões fundamentais, como a desigualdade social, educação, saúde e segurança. Isso especialmente é visto a cada eleição que passa, e 2024 não está sendo diferente.

Em vez de discutir soluções concretas para os problemas estruturais do país, o debate público muitas vezes é inflamado por pautas morais, criando uma cortina de fumaça que distrai o eleitorado. A relação entre religião e política no Brasil continuará a ser um tema de intenso debate, principalmente nas eleições de 2024 e além.

Para muitos, a fé continuará a ser uma parte importante da vida pública e política. No entanto, é crucial que essa relação não comprometa a pluralidade e a democracia.

O respeito à diversidade religiosa e à laicidade do Estado deve ser preservado, evitando que falsos moralismos dominem o cenário político e impeçam o avanço de debates essenciais para o desenvolvimento do país.

O futuro da política brasileira depende de um equilíbrio saudável entre crenças pessoais e o compromisso com uma governança inclusiva e ética, que atenda aos interesses de todos os cidadãos, e não apenas de grupos específicos.

O falso moralismo, quando utilizado para manipular e dividir, pode representar uma ameaça tanto à coesão social quanto ao avanço democrático. Assim, a consciência crítica do eleitorado será essencial para discernir entre a verdadeira fé e os interesses políticos disfarçados de religiosidade.

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