*Colaborou João Reynol

O prefeito de Goiânia, Sandro Mabel (UB), afirmou, nesta sexta-feira, 29, durante coletiva, ser contra a tentativa da Câmara Municipal de revogar a Taxa de Limpeza Pública (TLP), a popularmente conhecida ‘taxa do lixo’, classificando a medida como ilegal e alertando que os vereadores podem ser responsabilizados individualmente.

“Se aprovarem uma lei que tira a taxa do lixo, vão ser enquadrados na Lei de Responsabilidade Fiscal. Vai responder no CPF”, apontou. (Veja no final da matéria a opinião dos especialistas consultados pelo Jornal Opção e o documento obtido pela reportagem.)

Segundo o prefeito, a revogação da cobrança configura renúncia de receita, o que fere diretamente a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101/2000). Ele criticou duramente a aprovação da proposta em primeira votação, dizendo: “A Câmara votou algo que não tem condição de votar. Só se pode reduzir uma despesa se houver substituição por outra receita.”

O prefeito reforçou que a ‘taxa de lixo’ não é uma escolha política, mas uma obrigação legal imposta pelo Marco Legal do Saneamento (Lei Federal nº 14.026/2020), que determina aos municípios a criação de mecanismos de cobrança para garantir a sustentabilidade dos serviços de coleta e tratamento de resíduos. “A taxa não é minha. Foi implantada pela Câmara Federal, pelo governo federal. Nós só estamos cumprindo para não sermos responsabilizados”, disse.

Impactos financeiros

Mabel detalhou os riscos que Goiânia corre caso descumpra a legislação federal, incluindo o bloqueio de contratos com instituições como Banco do Brasil, BNDES e Caixa Econômica, além da suspensão de repasses voluntários. “Se eu não vetasse isso aqui, o município não teria recurso pra fazer nada”, afirmou.

Ele também rebateu a alegação de que a prefeitura teria arrecadação suficiente para bancar o serviço sem cobrar da população. “A lei permite isso? Não”, disse, destacando que o custo anual com lixo gira em torno de R$ 800 milhões, enquanto a arrecadação com a taxa não ultrapassa R$ 150 milhões.

Subsídios

Apesar da obrigatoriedade, Mabel garantiu que a gestão tem adotado medidas para aliviar o impacto da taxa sobre os contribuintes. “Goiânia pode abaixar até 75%, e temos feito isso para muitos consumidores”, afirmou. Ele defendeu o princípio da justiça fiscal: “Quem gerar menos resíduo, paga menos. Quem gerar mais, paga mais”, afirmou.

Fiscalização

Para garantir a eficiência do serviço, o prefeito anunciou investimentos em tecnologia e fiscalização. “Mandei botar câmera em todos os caminhões. Eles têm GPS. Eu consigo ver se andaram na rota inteira ou não”, comentou. Segundo ele, os vereadores também têm autoridade para acionar a coleta diretamente, com uma companhia de lixo à disposição.

Mabel compartilhou exemplos pessoais de fiscalização, como quando fotografou colchões abandonados e acionou o serviço de Cata Treco. “Os vereadores vão poder fazer isso de forma eficiente, porque eu faço também”, disse.

Conflito político

O prefeito acusou a oposição de usar discursos populistas para desinformar a população. “Não adianta as pessoas usarem esse discurso de ‘vamos fazer isso ou aquilo’, como se fosse maldade. Não é pra mim que faz, é pra cidade”, disse.

Mesmo diante de pressões políticas, Mabel reafirmou seu compromisso com a legalidade e a responsabilidade fiscal. “Vamos cuidar muito bem do dinheiro da população”, concluiu.

Pode ou não pode

Para o Secretário-Geral da Comissão de Direito Constitucional e Legislação da OAB Goiás, o advogado Ramon Borges Martins, a responsabilidade dos vereadores, nesse caso, precisa ser analisada sob dois aspectos: político e jurídico. Segundo ele, Politicamente, os parlamentares podem ser cobrados pela população e por órgãos de controle quanto ao impacto financeiro da não aprovação da chamada ‘taxa do lixo’.

Já no campo jurídico, continua o advogado, a eventual responsabilização dependerá da demonstração de que houve omissão dolosa ou culposa que tenha gerado prejuízo ao erário ou violado a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101/2000).

“Em resumo, a não aprovação da taxa não gera, por si só, responsabilização automática dos vereadores, mas pode abrir margem para questionamentos jurídicos e políticos, especialmente se ficar configurado que a medida era indispensável ao equilíbrio fiscal do município”, finalizou.

Já para o advogado Danúbio Cardoso, mestre em Ciência do Direito, a possibilidade de vereadores serem enquadrados na lei de improbidade não existe. “Os vereadores têm liberdade legislativa. Os vereadores podem fazer leis ‘erradas’, não exequíveis, porque há um controle de constitucionalidade para isso. E se há uma lei federal, não precisa de uma municipal”, afirmou.

Para o presidente da Comissão de Direito Constitucional e Legislação da OAB Goiás o projeto de lei que propõe a revogação da ‘taxa de lixo’ é manifestamente inconstitucional. “Há, inclusive, parecer da própria Câmara Municipal de Goiânia reconhecendo essa inconstitucionalidade. Portanto, os vereadores têm ciência clara de que estão diante de uma proposta que contraria os preceitos legais”, explicou.

“Como presidente da Comissão ressalto que a competência para revogar esse tipo de lei é exclusiva do Poder Executivo. O Legislativo não pode, por iniciativa própria, revogar uma norma que trata de receita pública, pois isso configura renúncia de receita e impacta diretamente a Lei de Responsabilidade Fiscal”, disse.

O presidente se perguntarem a ele se há precedentes de vereadores sendo responsabilizados civilmente por aprovarem leis inconstitucionais, diria que não conheço nenhum caso concreto. Segundo ele, no entanto, isso não significa que não haja consequências. “A aprovação de uma lei com vício de origem e conteúdo pode gerar efeitos políticos e, eventualmente, civis”, afirmou.

“Na minha opinião, essa proposta sequer deve chegar à judicialização. Não há fundamento jurídico sólido para que ela prospere. O prefeito deve vetar o projeto, e, caso não o faça, a judicialização poderá ocorrer. Ainda assim, acredito que a lei não terá aplicação prática, pois nasce com vícios insanáveis — especialmente por configurar renúncia de receita. Os vereadores que votarem a favor poderão ser responsabilizados politicamente por legislar em desconformidade com a Constituição. Trata-se, portanto, de uma lei que, na minha avaliação, já nasce morta”, finalizou.

Para outro especialista, que falou sob reserva, houve a elaboração de um documento orçamentário e financeiro sem qualquer critério técnico, afirmando que não haveria impacto. Ele disse que, no entanto, esse documento não corresponde à realidade material dos fatos, evidenciando uma intenção deliberada de fazer o projeto avançar com base em um discurso político, e não em fundamentos técnicos. O especialista avalia que uma fragilidade fiscal, embora não configure crime, caracteriza uma irregularidade contra o equilíbrio das contas públicas.

“Nesse contexto, a conduta pode ser enquadrada como ato de improbidade administrativa, por causar lesão ao erário. Em tese, é possível que se configure responsabilidade inclusive para o vereador que votou pela revogação da taxa. A ação pode ser proposta por qualquer legitimado, como o Ministério Público ou o próprio município”, finalizou o especialista anônimo.

Documento completo que o prefeito usou para sustentar a sua fala durante coletiva

MARCO LEGAL DO SANEAMENTO – LEI N° 14.026/2020

BASE LEGAL

* Artigo 35 diz: a prestação dos serviços de manejo de resíduos sólidos deve ser remunerada mediante taxa, tarifa ou preço público.

* § 2° do artigo 35 diz: estabelece que a não cobrança caracteriza renúncia de receita.

* Regulamentação e início da cobrança da TLP devia ter começado em julho de 2021.

* Jurisprudência do STJ e STF validam a cobrança.

* Isso significa que o municipio tem obrigação legal de:

› Instituir mecanismo de cobrança (taxa, tarifa ou preço público).

> Assegurar sustentabilidade econômico-financeira dos serviços.

* Evitar dupla cobrança para o mesmo custo ou etapa do serviço.

> Considerar subsídios ou subvenções apenas como complementação, nunca como substituição da cobrança principal.

* Art. 29. Os serviços públicos de saneamento básico terão a sustentabilidade econômico-financeira assegurada por meio de remuneração pela cobrança dos serviços, e, quando necessário, por outras formas adicionais, como subsídios ou subvenções, vedada a cobrança em duplicidade de custos administrativos ou gerenciais a serem pagos pelo usuário.

PRINCIPAIS CONSEQUÊNGIAS

Penalidade na Lei de Responsabilidade Fiscal, que prevê sanções ao gestor público por renúncia de receita.

* Suspensão de repasses federais destinados a projetos de saneamento básico e outras áreas.

* Impedimento de contratar operações de crédito com instituições financeiras federais, como por exemplo o BNDES e Caixa Econômica Federal.

* Riscos regulatórios com a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico

(ANA), desrespeitando as normas de referência.

* Improbidade administrativa pode ser aplicada também aos vereadores.

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