O guardião das araras-azuis: a história de Nunes D’Acosta e os ninhos artificiais que ajudam preservar a espécie
04 dezembro 2025 às 18h40

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Em Firminópolis, a 120 quilômetros de Goiânia, o som das araras-azuis ecoa pelas matas do vale do rio Turno. O que poucos sabem é que parte dessa presença se deve ao trabalho silencioso de um homem: Nunes D´Acosta, um preservacionista autodidata que, há mais de duas décadas, dedica-se à proteção da espécie e à construção de ninhos artificiais para garantir sua reprodução.
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Entre penas e estilingues
A relação de Nunes com os pássaros começou ainda na infância. Ele lembra do impacto causado pela chegada do cientista húngaro-brasileiro, José Hidasi, fundador do Museu de Ornitologia de Goiás. “Ele veio com o ônibus cheio de pássaros empalhados e eu fiquei encantado”, recorda. “Depois, virei o guia dele nas coletas do museu.”

Naquela época, o amor pelas aves convivia com a cultura do interior: a caça. “Todo menino tinha um estilingue ou uma espingarda. A gente matava e achava bonito”, diz. “Mas o tempo muda a gente, hoje uma criança vê um pardal morto e chora.”
Do mato à missão
Nunes estudou três anos na PUC Goiás, mas decidiu abandonar o curso. “Achei que perderia tempo. O meu negócio era o mato”, diz. E foi no mato que encontrou sua verdadeira vocação: proteger as araras-azuis que, décadas após desaparecerem do cerrado goiano, voltaram a ser vistas no Vale do Rio Turvo, região que compreende municípios como Firminópolis, Turvânia e Iporá.

“Há vinte anos, apareceu um casal na Serra Santa Inês. A curiosidade foi grande: o cerrado estava desmatado, as árvores de ninho, como o xixá, tinham sumido, e as fontes de alimento, como a guariroba e o bacuri, estavam quase extintas. Mesmo assim, elas apareceram. Era um sinal.”
Com o apoio de Hidasi, ele descobriu que as araras vinham da região do Crixá, no noroeste goiano, onde as frentes agrícolas e o avanço das correntonas destruíram o habitat natural. “Elas fugiram do desmatamento e vieram procurar refúgio aqui”, explica.
Os ninhos que voltaram a abrigar o cerrado
A parceria com Hidasi rendeu mais do que amizade — resultou em uma inovação prática. Inspirado em técnicas observadas nos Estados Unidos, o cientista sugeriu a Nunes a criação de ninhos artificiais acoplados diretamente nas árvores de xixá, espécie essencial para a reprodução da arara-azul.

“Ele desenhou o modelo e me explicou: faz a frente, as laterais e o fundo, deixa a parte de baixo aberta e encaixa o ninho no tronco. A arara entra, começa a cavar e faz o resto. É um trabalho conjunto entre o homem e a natureza”, descreve.
Esses ninhos permitiram que os casais voltassem a se reproduzir na região. “Antes, os filhotes morriam afogados dentro dos buracos com as chuvas. Agora, a gente faz um dreno embaixo para a água sair”, conta.
Nunes estima que, desde o início do projeto, mais de uma dezena de casais voltaram a ocupar o vale. “Hoje, já é possível ver araras sobrevoando Firminópolis. É uma alegria sem tamanho.”
Uma ave rara e majestosa
A arara-azul (Anodorhynchus hyacinthinus) é considerada a maior espécie entre as araras e uma das mais inteligentes. É também uma das mais ameaçadas. Estima-se que apenas 5 mil indivíduos vivam em estado selvagem no Brasil.
“É um bicho velhaco, esperto. Me conhece de longe, pelo barulho da caminhonete”, brinca Nunes. “Quando está chovendo, ela parece preta. Só o sol revela o azul cobalto das penas. É uma indecência de tão bonita.”

Segundo ele, o tom do azul é também um termômetro da saúde das aves. “Quando a cabeça fica branca, é sinal de falta de alimento. Aqui, como ainda temos bacuri e guariroba, elas estão bem nutridas. O azul delas é profundo, vibrante.”
Educação ambiental e futuro do cerrado
Sem apoio formal de universidades, Nunes trabalha com um grupo de preservacionistas chamado Grupo Goiás, formado por biólogos voluntários de Goiás e Tocantins. O coletivo realiza ações de educação ambiental com escolas e prefeituras.

“Levamos as crianças até os ninhos, deixamos elas verem os filhotes. A prefeitura ajuda com ônibus e escada. Elas ficam encantadas”, conta. “Também plantamos mais de mil mudas de xixazeiro. Cada criança adota uma árvore, planta no sítio do pai. É assim que começa a mudar o mundo.”
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