“O Duda Rangel é um jornalista desajustado, apaixonado pela profissão que desabafa pela internet”
29 maio 2014 às 15h07
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O personagem do blog Desilusões Perdidas ganhou vida própria e resultou no livro “A vida de jornalista como ela é”. Os blogueiros estiveram em Goiânia para discutir os rumos da profissão em meio aos avanços tecnológicos e um deles concedeu entrevista ao Jornal Opção Online
Uma foto em branco e preto, sorriso amarelo e uma antiga máquina de escrever. O equipamento, fundamental para o mundo jornalístico brasileiro até o início da década de 90, ao figurar instrumento do personagem de um blog, já evidencia certo teor ficcional da proposta, mas nem tanto, como os profissionais da área percebem já no primeiro contato. A realidade salta aos olhos e não há uma leitura sequer que não resulte num sorriso de canto de boca e, muitas vezes, em gargalhadas mesmo. Também é possível refletir sobre a carreira lendo Carlos Eduardo Rangel, ou para os mais íntimos, Duda Rangel, um jornalista desacreditado da profissão, mas ao mesmo tempo aficionado por essa carreira, cuja missão é informar e ser agente formador de opinião. Ele solta lagartas e cobras à realidade do jornalista, às dificuldades de um repórter, ao salário desproporcional aos sacrifícios pessoais e ao (mau) atendimento de certos assessores de imprensa. Como nem tudo são trevas, seus textos também exaltam as bocas livres e as raríssimos folgas. Tudo com o tom humorístico que deu visibilidade ao blog Desilusões Perdidas.
Muitos não sabem que Duda Rangel só existe em carne e osso por meio das experiências de todos nós, jornalistas, e de seus criadores, os irmãos gêmeos idênticos Anderson e Emerson Couto, que não satisfeitos em dividir o útero materno por nove meses, também dividem há 40 anos a vida e a profissão. Formaram os dois em jornalismo [pela Faculdade Metodista, em São Bernardo do Campo (SP)], trabalharam os dois juntos no jornal “O Estado de São Paulo”, por meio de um programa de seleção de “focas” –– jargão jornalístico destinado a recém-formados –– e deixaram os dois juntos a carreira convencional de jornalistas para se aventurar no mundo dos autônomos. O blog Desilusões Perdidas, criado em janeiro de 2009, abriu espaço para o primeiro livro da dupla, “A vida de Jornalista como ela é”, vendido somente pela internet, na página do blog no Facebook. Atualmente vivem dignamente assim, com Duda Rangel e os bastidores da profissão que desde crianças já demonstrava que os acompanharia por toda a vida.
Eu poderia estar fazendo terapia, poderia estar me matando, mas preferi escrever um blog. Ainda muito jovem, fui diagnosticado como jornalista. Das sequelas, a mais linda é a paixão por contar histórias. O blog “Desilusões perdidas” foi ao ar em 12 de janeiro de 2009 e, por cinco anos, falei, exclusivamente, das graças e desgraças da vida de jornalista. A partir de 2014, o blog passa a discorrer sobre os sabores e dissabores da vida em geral, sem deixar de lado o jornalismo. E sem perder o bom humor. Sou autor do livro “A vida de jornalista como ela é” e fui roteirista do programa Sensacionalista (Multishow) por duas temporadas. (Apresentação do Blog)
Anderson e Emerson Couto estiveram em Goiânia entre quarta e quinta-feira (29/5) para ministrar palestra aos estudantes de jornalismo da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO) por meio da programação do 2º Congresso Informe-se. E o Jornal Opção Online aproveitou a deixa para entrevistar um deles, o Anderson, para tentar conhecer um pouco mais das entrelinhas e curiosidades desse projeto de redescobrimento do jornalismo em meio à nova era da tecnologia. Confira trechos da conversa, conseguida pela reportagem enquanto Anderson se preparava para deixar Goiânia, nesta manhã. O diálogo perpassou pelo blog, pela profissão e caiu na polêmica proposta de regulação da mídia brasileira.
De onde veio a vocação para o jornalismo a ponto de atingir vocês dois? Há outros repórteres na família Couto?
Sempre gostamos de ler e escrever. Nós dois, quando crianças, com uns 9, 10 anos, começamos a fazer anualmente uma retrospectiva do ano para apresentar para nossa família. Fazíamos recortes de jornais, revistas. Sempre tivemos afinidade com essa área. Temos um irmão mais velho que é formado em engenharia, mas nossos pais sempre nos apoiaram com o jornalismo. Estudamos na mesma faculdade, tivemos nossa grande experiência em impresso no Estadão. Entramos os dois por meio do programa de curso para focas.
Quantos anos de redação no Estadão?
O Emerson acho que foram oito, eu seis. Tivemos um monte de outras experiências na área, como assessoria de imprensa, antes de iniciarmos a carreira autônoma.
É de onde vêm tantas histórias e paródias?
Sim, temos um autorretrato, mas também escrevemos histórias de amigos, seguidores que fazem seus relatos nas redes sociais. O interessante é que conseguimos, dessa maneira não convencional, falar de ética jornalística e liberdade de imprensa, tudo pelo viés do humor.
Como nasceu o Duda Rangel, por que esse nome? É algum conhecido?
Então, esse nome, na verdade –– nós até comentamos isso ontem na PUC –– não teve uma preparação propriamente dita. Simplesmente surgiu, então fizemos essa brincadeira com o nome composto e um apelido tendo por base o perfil dele de anti-herói desajustado, apaixonado pelo jornalismo, que usa a internet para desabafar e também para refletir sobre o jornalismo.
E o blog Desilusões Perdidas, o que é possível dizer sobre sua criação e consolidação na web?
Começamos com o projeto em janeiro de 2009, porque sempre gostamos de escrever ficção. Queríamos falar do jornalismo, mas de uma maneira mais descontraída. Com o tempo o blog foi crescendo por conta das redes sociais, e passou do que inicialmente era para amigos, para leitores do Brasil inteiro. O nosso livro é uma consequência disso.
Qual a média de seguidores nas redes sociais e o blog?
No Facebook temos mais ou menos 26 mil e cerca de 85 mil visualizações por mês no blog –– pode até ser mais, mas não ficamos muito ligados nisso. O engraçado é que realmente foi o Facebook que nos ajudou na divulgação do conteúdo.
O que dizer aos novos jornalistas sobre os caminhos da profissão a partir das facilidades tecnológicas?
Nós somos autônomos há 10 anos. Às vezes não se imagina como ser autônomo no jornalismo. Foi um processo muito legal, porque é claro que nós tínhamos o sonho de ser empregados num grande veículo impresso, mas chega uma hora que tudo muda, e a tecnologia acelerou esse processo. Jornais tradicionais, como o Jornal da Tarde aqui de São Paulo, por exemplo, teve que fechar as portas. Hoje conseguimos sobreviver com as nossas próprias pernas e penso que ser autônomo não é mais uma opção. O mercado tradicional é legal, mas depende muito do perfil de cada profissional. Nós gostamos de estar abertos a novas experiências. Por exemplo, se eu tivesse um emprego fixo talvez não pudesse estar em Goiânia para palestrar sobre essas questões. Para os jovens jornalistas que pensam em projetos diferentes é importante ser organizado. Nós sempre fomos organizados com o blog, mantemos publicações regulares, porque mesmo sendo um programa independente, é preciso planejamento. As relações e as profissões estão mudando, então penso que mesmo tendo muitos jornalistas no mercado, ainda há muito espaço para inovações.
Qual sua opinião sobre a nova proposta de regulação da mídia no Brasil apresentada pela Executiva do PT esta semana como uma das propostas do governo Dilma no caso de reeleição?
Penso que se discute muito isso, estava vendo essa questão da Dilma se for reeleita regular a mídia, mas essa conversa surge de tempos em tempos. Desde 2002 [quando o PT chegou ao poder] parte da imprensa conservadora aborda a questão. Eu, particularmente, não vejo espaço no Brasil para isso, então não me preocupo. Existe em alguns países, mas eu vejo que o melhor caminho seria a regulação partir da própria categoria, não do governo. Os jornalistas se organizarem para criar uma autorregulação, o que não quer dizer não haveria problemas, veja o exemplo da publicidade, com o Conar [Conselho Nacional de Autorregulação Publicitaria], que vetou aquela propaganda com o compadre Washington [do É o Tchan].