O desinteresse de Lula pela posse sinalizou o início do patrulhamento do novo governo
10 janeiro 2015 às 14h26

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A falta de presença maior do ex na festa da sucessora foi um protesto contra a guinada à direita, que inclui a redução de sua influência no poder

Alguém viu a mulher de Lula, Marisa Letícia, na nova posse da presidente Dilma, há dez dias? Se ela veio, ninguém viu. Alguém viu alguma foto de Lula com Dilma em mais de uma oportunidade da posse no Planalto ou no Congresso? Não. No entanto, o ex-presidente trouxe consigo, de São Paulo, o fotógrafo privado, Ricardo Stuckert, que atende também Marisa.
Ao discursar no Congresso, Dilma saudou a presença de Lula no plenário. Em seguida, saudou o ex-presidente José Sarney. Mas Lula não compareceu. Na primeira fila havia cadeiras marcadas em nome dele e de Letícia, ao lado de Sarney. Mais tarde, a assessoria do Planalto cortou a saudação ao companheiro na versão do discurso publicada no site presidencial.
Lula foi direto ao Planalto esperar Dilma. Aí, sim, ambos foram fotografados quando o ex a cumprimentou, ambos enlaçados num abraço como se fossem namorados, ouviu o discurso da companheira e retornou ao aeroporto sem esperar pela posse de ministros.
Desde então, o noticiário do site do Instituto Lula, ao abordar a posse com uma foto do abraço feita por Stuckert, foi lacônico ao informar sobre o encontro dos dois, criador e criatura, que não emocionou os editores:
— Ele e a presidenta reeleita para a gestão 2015-2018 se encontraram na sede do Palácio do Planalto, onde trocaram um abraço. Milhares de militantes acompanharam o ato por meio de telões instalados na Praça dos Três Poderes.
Ao lado de fora dos palácios estava a massa de militantes e simpatizantes que o PT levou à posse para cobrar de Dilma um novo governo mais à esquerda. A articulação entre a presença discreta de Lula e o povo na praça desencadeou outros fatos que expõem a confrontação entre lulistas e dilmistas. É uma maneira de assegurar a Lula boa posição na sucessão em 2018.
No dia seguinte à posse, o companheiro André Singer, antigo porta-voz do governo Lula, publicou um artigo com censura à presidente por desvio de rota em relação ao sindicalismo histórico do PT. “Três dias antes (da posse), o governo anunciou que cinco benefícios previdenciários sofreriam corte de R$ 18 bilhões”, denunciou e apontou:
“A tesoura vai cair sobre o seguro desemprego, o abono salarial, a pensão por morte, o auxílio-doença e o seguro defeso (voltado para pescadores). Todos de interesse direto dos pobres. O montante subtraído equivale a cerca de 70 por cento dos gastos com o Bolsa Família em 2014.”
Lembrou Singer que, na fala ao povo no parlatório, a reeleita prometeu que nenhum direito seria retirado dos trabalhadores. Ao contrário, viriam novos direitos. “Esse é o meu compromisso sagrado com vocês”, assegurou, mas o companheiro e antigo porta-voz lulista duvidou:
“A desconexão entre palavras e atos constitui perigosa sequência daquela produzida por uma campanha à esquerda e a montagem de um ministério à direita. Em geral, o chamado povão já tende a considerar que universo dos políticos já lhe é alheio.”
Amanhã, deve acontecer em São Paulo um encontro de centrais sindicais, sob a liderança da CUT, para discutir a tesourada da equipe econômica naqueles benefícios a que Singer se referiu. Até agora, sindicalistas se pronunciaram contra a mudança apenas ligeiramente e logo em seguida ao anúncio do governo. Reservaram-se para a manifestação em bloco amanhã.