A aprovação pela Câmara dos Deputados do Projeto de Lei 1087/2025, que cria uma alíquota de 10% de Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) sobre lucros e dividendos pagos a pessoas físicas quando ultrapassarem R$ 50 mil mensais, reacendeu o debate sobre justiça fiscal e segurança jurídica no país.

A proposta, que segue agora para análise do Senado, é considerada uma das mudanças mais significativas no sistema tributário brasileiro desde o fim da isenção sobre aplicações financeiras nos anos 1990. O texto prevê isenção total até R$ 50 mil, tributando apenas o excedente, e estabelece que dividendos deliberados até 31 de dezembro de 2025 não serão alcançados pela nova regra, garantindo um período de transição.

O governo federal justifica a medida como uma forma de corrigir distorções e aumentar a arrecadação sem penalizar a classe média assalariada. Já especialistas alertam que a nova cobrança poderá gerar litígios judiciais e mudanças estratégicas nas estruturas empresariais.

Em entrevista ao Jornal Opção, o advogado tributarista Daniel Guimarães avalia que o projeto, embora tenha apelo político, traz questionamentos constitucionais relevantes. “Essa medida onera um lado e alivia o outro. O governo criou uma faixa de isenção de até R$ 5 mil por mês e reduziu o imposto para quem ganha até R$ 7.350,00, tentando compensar essa perda de arrecadação com a cobrança sobre dividendos. Mas o problema é que esses valores já foram tributados na pessoa jurídica”, explicou.

Segundo o especialista, o imposto pode ser considerado uma bitributação, já que o lucro das empresas passa por tributação antes de ser distribuído.

“Quando a empresa vende um produto ou presta um serviço, ela paga imposto de renda, PIS, Cofins e contribuições sociais. O que sobra disso é o lucro líquido, que é repassado aos sócios. Então, o dividendo é, na prática, o resultado de uma receita já tributada. Ao cobrar novamente, o Estado cria uma sobreposição de tributos que poderá ser questionada judicialmente”, disse.

Daniel ressalta que a retenção de 10% sobre valores acima de R$ 50 mil pode ser alvo de ações diretas de inconstitucionalidade. “O ponto central da contestação será a violação do princípio da capacidade contributiva e da isonomia. O contribuinte já pagou sobre essa renda na etapa anterior. Se a empresa é o instrumento de produção, não faz sentido tributar de novo o resultado do mesmo processo produtivo”, completou.

Para o advogado, a medida deve atingir principalmente empresas de médio e grande porte e profissionais liberais organizados em sociedades. “Uma empresa pequena dificilmente distribui R$ 50 mil por mês a seus sócios. Então, o impacto será sentido por sociedades médias e grandes, além de holdings e estruturas familiares que fazem gestão de patrimônio. Esse público já está revisando contratos e planejando novas estratégias”, avaliou.

Guimarães antecipa que o mercado deve buscar estruturas alternativas para reduzir o impacto da tributação. “O texto do projeto fala em tributação quando há repasse de pessoa jurídica para pessoa física. Mas se a sociedade for composta apenas por pessoas jurídicas, a lei não alcança essa operação. Isso abre brecha para reorganizações societárias, com empresas intermediárias que possam receber esses lucros sem a retenção imediata.”

Ajustes e prazos de adaptação

O especialista também chama atenção para o prazo de vigência da nova lei. Segundo ele, caso o projeto seja aprovado ainda neste ano, é essencial que o governo respeite os prazos constitucionais de anterioridade e noventena antes de aplicar o novo imposto.

“Se a lei for publicada até dezembro, ela só pode entrar em vigor 90 dias depois. O contribuinte precisa de tempo para se adaptar. Não é possível mudar a carga tributária de uma hora para outra. A pressa pode gerar insegurança jurídica e um festival de liminares”, alerta.

Guimarães reconhece, contudo, que o avanço nas faixas de isenção é um ponto positivo. “O escalonamento do Imposto de Renda no Brasil sempre foi curto demais. A distância entre quem ganha R$ 2 mil e quem ganha R$ 15 mil é muito pequena. Aumentar a faixa de isenção e ampliar a progressividade é justo. O problema é que isso foi feito sem repensar o conjunto do sistema — e agora se tenta compensar a conta em cima das empresas.”

Próximos passos

O texto segue para o Senado, onde pode receber ajustes nas faixas de isenção e na forma de retenção. Caso aprovado sem mudanças substanciais, será encaminhado à sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que já sinalizou apoio à proposta.

Apesar do otimismo do governo com o aumento da arrecadação, o advogado acredita que a medida não resolve o desequilíbrio estrutural do sistema. “É uma iniciativa com forte caráter político. Cumpre uma promessa de campanha e tem apelo popular, porque cria a ideia de que os mais ricos vão pagar mais. Mas, na prática, pode acabar punindo o investimento produtivo e incentivando planejamentos fiscais cada vez mais complexos. É um avanço, mas um avanço perigoso”, concluiu.

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