Diretor do Sicredi atesta que, sem taxas abusivas e com retorno para os associados, é possível fugir das sociedades de capital. E não é preciso pagar por isso 

Diretor regional do Sicredi, Celso Figueira, inaugura nova unidade da cooperativa na capital nesta sexta-feira (3/7) | Foto: Fernando Leite / Jornal Opção
Diretor regional do Sicredi, Celso Figueira, inaugura nova unidade da cooperativa na capital nesta sexta-feira (3/7) | Foto: Fernando Leite / Jornal Opção

Cooperativismo de crédito não é nenhuma novidade no Brasil. Há mais de um século, a forma inovadora de lidar com o mercado financeiro tem se fortalecido em várias regiões do País. De maneira tímida e segmentada até então, a atividade tem como objetivo unir pessoas em torno de um objetivo comum: formar poupança para impulsionar o desenvolvimento da comunidade.

Em visita ao Jornal Opção, o diretor da regional Brasil Central do Sicredi, Celso Figueira, contou sobre a inserção da cooperativa no Centro-Oeste e anunciou um plano de expansão para Goiás. Nesta sexta-feira (3/7), será inaugurada a nova agência de atendimento do sistema, localizada na Avenida T-9, em Goiânia.

Durante a entrevista, o gaúcho apresentou as vantagens de se associar a uma cooperativa e anunciou, com exclusividade, que haverá a livre admissão. Assim, qualquer goiano que possua um CPF poderá fazer parte do Sicredi. Simpático e com um sotaque característico, Celso questionou, ainda, as altas taxas cobradas pelos grandes bancos: “Não faz o menor sentido cobrar para que a pessoa mantenha sua conta na instituição”.

A missão do diretor, que veio para Goiás recentemente, é desenvolver o Sicredi no Estado, como fez em Mato Grosso do Sul. “Queremos ocupar efetivamente a região”, afirma. À frente da um sistema que cresce, em média, o dobro do que os bancos brasileiros e está presente em 14 cidades goianas, além da capital, Celso acredita que é possível ter um sistema financeiro mais justo e lucrativo — para todos.

Jornal Opção – O que é uma cooperativa?

Celso Figueira – O cooperativismo de crédito existe no Brasil há 114 anos. Foi concebida a primeira delas em Nova Petrópolis, no Rio Grande do Sul. Não só é a primeira do Brasil, mas da América Latina.

Desde então, o conceito vem se desenvolvendo. Iniciaram entre os produtores rurais, que se uniram para formar poupança a fim de desenvolver trabalhos no campo. Esse princípio está presente até hoje: uma sociedade de pessoas que movimentam seus recursos financeiros dentro de uma instituição cooperativa e a partir daí se tem os resultados distribuídos para cada um.

Veja bem: é uma sociedade de pessoas, diferente da sociedade de capital. Ou seja, dos bancos. Banco é uma sociedade de capital. Na cooperativa, todos podem ganhar, não apenas todos trabalhando juntos para um grupo de acionistas ganhar.

Não estou criticando os bancos e nem o sistema capitalista, apenas estou expondo a realidade. Bancos têm que viver dessa forma, senão eles não sobrevivem ao mercado. Por que esses resultados divulgados por esses bancos, de bilhões e bilhões de lucro, não podem ficar a disposição das pessoas?

Então o Sicredi não é um banco?

Não. A palavra banco é proibida para denominar cooperativas por força até de lei. A Lei 5764 de 1971 que proíbe o uso do termo.

Por quê?

Justamente para explicitar a diferença: sociedade de capital x sociedade de pessoas.

Os serviços oferecidos são diferentes?

Em uma cooperativa de crédito encontram-se todos os serviços que um sistema convencional bancário tem. A diferença é a forma de administração.

Um exemplo bem claro é o trabalhador que acorda cedo para abrir seu negócio, investe, gera recursos, e tem um risco, claro. Ao final do mês, entrega gratuitamente todo o resultado do seu suor para o banco administrar. Ao final do ano, vemos esses balanços que são divulgados, com bilhões de resultados para as instituições financeiras. De onde surgiu esse lucro? Do trabalho e esforço de cada um da comunidade.

Ora, se somos capazes de tocar nossos empreendimentos todos os dias, fazendo nosso País andar, por que temos que pegar o resultado do nosso trabalho e entregar para alguém cuidar para nós? E ainda pagar para que isso aconteça!?

Se tu precisar de dinheiro amanhã, vá ao banco… Conseguirá empréstimo com juros altos. O que ele fez? Pegou o seu dinheiro e está te emprestando, mas cobrando em cima disso. O sistema financeiro é assim. Na cooperativa, temos os mesmos produtos, os mesmos serviços, mas com uma maneira de administrar muito diferente.

Como?

A diferença está exatamente no final do ano, quando nós — obrigatoriamente — também temos que reunir os associados e colocar “na parede” os resultados. Ao contrário dos bancos, perguntamos aos sócios (que não são clientes): “O que nós queremos fazer com esse resultado?”.

No momento em que estamos devolvendo esses recursos às pessoas que geraram tais resultados provamos a grande diferença. Se for decidido que os sócios querem que os resultados sejam depositados em suas contas corrente, assim será feito. É uma decisão conjunta.

No final do ano, são segregados os associados e feito um cálculo de quanto que cada um “ajudou” a construir o lucro.

Celso: "Errada é a sociedade que se sujeita ao sistema bancário" | Foto: Fernando Leite
Celso Figueira: “Na cooperativa, temos os mesmos produtos, os mesmos serviços, mas com uma maneira de administrar muito diferente” | Foto: Fernando Leite

Como é feito esse cálculo?

Por exemplo, se um associado pega dinheiro emprestado, há a cobrança de juros. O juros que esse associado pagou contabilizará para saber o quanto ele contribuiu para o lucro global da cooperativa. Quer dizer, a proporção que cada um recebe está ligada a quanto este contribui e não ao número de ações ou capital que tem.

Para se ter ideia, no ano passado, nós chegamos a 1,9 bilhão de reais de lucro no Brasil todo. Quem decidiu o que fazer com esse valor foram os associados.

No banco, quando você já ouviu falar sobre isso? No máximo, reúnem-se uma meia dúzia de acionistas e dividem o lucro entre eles, proporcionalmente ao poder de compra de ações. Repito: as instituições financeiras têm que trabalhar dessa forma, senão não sobrevivem. Não há nada de errado nisso. Errada é a sociedade que se sujeita a isso.

Qualquer um pode entrar para o Sicredi? O que uma pessoas precisa fazer para participar da cooperativa?

Este é outro diferencial da cooperativa. É uma sociedade de pessoas, hoje, de livre admissão de associados. Isso é uma evolução que houve na legislação das cooperativas. Ou seja, tendo um CPF, você pode ser sócio da cooperativa. Não importa se você ganha um salário mínimo ou se ganha 1 mil salários mínimos.

Volto a dizer: esta é uma sociedade de pessoas. O que você recebe durante o ano, não interessa. O que interessa é que há compromissos para com a cooperativa, evidentemente, como sócio, e participa proporcionalmente dos resultados dessa cooperativa conforme seu trabalho durante o ano.

Portanto, qualquer leitor do Jornal Opção que quiser se associar precisa apenas pagar um valor simbólico para ter oportunidade de entrar: 20 reais. Estes valor é o investimento inicial, que vai ficar na cooperativa e pode ser retirado no dia que ele decidir sair. A partir do momento que se associa, a pessoa tem direito automaticamente a, entre outros produtos, uma conta-corrente. No banco, não. É preciso que se faça o cadastro, tenha a análise do cadastro para que a conta seja liberada.

E tem os mesmos serviços que os bancos?

Desconto de recebíveis, consórcio, TED, seguros, cartões de créditos, financiamento de veículos, cheques, poupança, crédito rural… O que você imaginar.

Com relação a limites de crédito. Como funciona?

Há uma análise neste sentido, sim. Limite de cheque especial, cartão de crédito, por exemplo. O investimento inicial, que é depositado em uma conta chamada Conta Cota Capital, que vai dizer qual o poder de endividamento, do valor que ele poderá movimentar na cooperativa. É importante lembrar que esse dinheiro é do cooperado. No dia em que ele decidir sair, ele leva o valor total que depositou mais os rendimentos, claro.

Por que esse sistema, que parece ser tão mais justo, é tão distante das pessoas?

Por isso que estamos aqui (risos). Veja bem, é distante aqui em Goiás. Em São Paulo, já não é tanto. Em Minas Gerais, se tu falar em cooperativa, as pessoas já conhecem. Agora, se tu fores ao Rio Grande do Sul, 98% dos municípios têm uma cooperativa de crédito. Em qualquer cidade, se tu parar uma guria na rua e perguntar “onde é o Sicredi”, ela vai te explicar. Aqui não temos tanto reconhecimento. Imagina, estamos em um Estado com 246 municípios e temos agências de cooperativas (não só do Sicredi) em apenas trinta e poucas delas.

Quantas cooperativas existem no Brasil hoje?

Cerca de 1300, divididas em três sistemas: Sicredi, Sicoob e Unicred. Não há diferença entre os três sob o ponto de vista da legislação. O que muda é a organização. A governança. Unicred nasceu entre os médicos, mas hoje não é só para o segmento. O Sicoob se reuniu entre os produtores, comerciantes, sindicatos, mais em Minas Gerais e no Centro-Oeste.

Quantas agências o sistema Sicredi tem em Goiás?

Sicredi é dividido em quatro centrais de cooperativas. Cada uma delas se ocupa de alguns Estados. A nossa, Brasil Central, se ocupa de três Estados: Mato Grosso do Sul, Goiás, Tocantins e o Distrito Federal.

Há apenas uma unidade [as cooperativas não utilizam o termo “agência”] em Goiânia, até hoje, localizada no Setor Sul. Nesta sexta-feira (3/7), vamos inaugurar a nova unidade, na Av. T-9, no Edifício i9, no Setor Bueno.

Pelo interior, são 14 unidades, em cidades como Cristalina, Luziânia, Rio Verde, Jataí e Quirinópolis. Há, inclusive, plano para abertura de novas cinco.

A desvantagem das cooperativas seria a pouca quantidade do número de unidades? 

São 16 mil caixas eletrônicos do Banco 24 Horas: onde tem um você faz operações Sicredi.

Quantos cooperados em Goiás?

Ainda são poucos. Algo em torno de 15 mil associados. Mas, somos 200 mil só na Brasil Central e 3 milhões de associados no Brasil todo. Somos todos sócios, donos de um pedacinho dessa empresa que é a cooperativa.

Como são feitos investimentos em expansão, funcionários e estrutura?

Nós temos um fundo que é da participação de todas as cooperativas. Todas, mensalmente, contribuem para ele. Quando há algum investimento a ser feito é apresentado ao Conselho — que é eleito por meio de votação direta dos associados — e vai a aprovação. Até hoje nada foi negado.

Com relação às taxas: manutenção de conta, cartão de crédito, etc? São menores?

Taxa de manutenção? Que taxa de manutenção? Não tem taxa de manutenção de conta. Vamos entender uma coisa: o que é taxa de manutenção? Não faz o menor sentido.

Agora, com relação às taxas de juros, peguemos o cheque especial: bancos cobram 15%. O Sicredi cobra 8%. As pessoas pensam que tem algo errado, mas não tem. Nós calculamos o que é necessário para se pagar as despesas administrativas e, a partir dai, que calibramos as taxas. Não é simplesmente ganhar pelo ganhar. Por isso que nossas taxas são menores: cobramos aquilo que é necessário, o que é justo.

Então, tudo que é cobrado de taxa se reverte em benefício ao Sicredi?

Aos associados, né? Tudo fica dentro da cooperativa.

Qual a relação das cooperativas com os bancos? Existe algum movimento do mercado financeiro contrário às cooperativas?

O cooperativismo de crédito no Brasil cresceu, no ano passado, 23%. O sistema bancário, em torno de 12% e 13%. O sistema cooperativo hoje administra 3% de toda a movimentação financeira do Brasil. É muito pouco. Só que está crescendo em uma velocidade quase que dobrada dos bancos convencionais. Muito rapidamente está acontecendo esse crescimento… A Legislação dos últimos anos tem beneficiado bastante as cooperativas, incentivando a cooperação.

Para se ter ideia, em determinadas regiões, hoje, nós somos concorrentes diretos dos bancos. Em cidades do interior, a concorrência é ferrenha e nós estamos ganhando esse mercado. Então, não é muito difícil de se ouvir ações que bancos têm feito para ganhar o mercado, para tirar nossos associados.

Celso Figueira concede entrevista ao Jornal Opção, ao lado dos assessores Thiago e Renata Vieira (Kasane Comunicação) | Foto: Fernando Leite / Jornal Opção
Celso Figueira concede entrevista ao Jornal Opção, ao lado dos assessores Thiago Pires e Renata Vieira (Kasane Comunicação) | Foto: Fernando Leite / Jornal Opção

Há uma aferição da inadimplência dos associados?

As pessoas que são sócias do Sicredi preferem antes pagar a cooperativa para depois negociar com outros fornecedores. Isso é comum, dados científicos nossos. Portanto, nossa taxa de inadimplência sempre é menor que a dos bancos. E nós temos um limite interno de inadimplência.

A que o senhor credita o avanço das cooperativas?

Transparência, seriedade, profissionalismo e, acima de tudo, garantias institucionais.

Houve, no passado, casos de cooperativas que quebraram e prejudicaram os associados. O que mudou?

Os avanços dos marcos regulatórios nos dão hoje essa segurança. No último mês de março, fez um ano de constituição do funcionamento do Fundo Garantidor das Cooperativas de Crédito. Os bancos têm um fundo, que dão essas garantias aos clientes. As cooperativas se uniram e criaram seu próprio fundo que assegura aos associados os depósitos até 250 mil reais por CPF.