Esta é a terceira reportagem de uma série especial intitulada “Mulheres e Poder” sobre o valor da participação feminina na economia, política, cultura e sociedade.

A participação da mulher no Poder Judiciário brasileiro começou com a fortalezense Auri Moura Costa, no final da década de 1930. Ela atuou no Tribunal de Justiça do Ceará. Quase quinze depois, Thereza Grisólia Tang ingressou na carreira de juíza de direito e chegou a presidência do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina mais de 30 anos após o início da magistratura. O Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) tem em seus quadros, 35% de magistradas ante 65% de magistrados.

A partir da quebra do monopólio tipicamente masculino, diversas mulheres conquistaram espaços nos chamados locais de Poder, mas ainda de forma tímida. Foi apenas nos anos de 1990 uma mulher conquistou um posto em tribunais superiores.

Levantamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de 2023 mostra que apesar do crescimento ao longo dos anos, a composição dos tribunais brasileiros, seja em nível estadual, federal ou militar, ainda terá homens em maioria. A série histórica mostra que os índices de magistradas no Poder Judiciário saíram de 24,6% em 1988 para 40% em 2022.

Justiça do Trabalho destaca-se como o ramo de justiça com maiores percentuais de ingressantes mulheres na série histórica

De acordo com o Censo Demográfico 2022, o Brasil tem 6 milhões de mulheres a mais do que homens. A população brasileira é composta por cerca de 104,5 milhões de mulheres e 98,5 milhões de homens, o que, respectivamente, corresponde a 51,5% e 48,5% da população.

Em funções de poder, percentual é ainda menor

Delaíde Alves Miranda Arantes é ministra do Tribunal Superior do Trabalho (TST) desde 2011. O TST foi criado em 1941, mas foi apenas em 2020 que uma mulher presidiu o Tribunal. Maria Cristina Peduzzi tomou posse em um cenário turbulento do País que enfrenta uma pandemia de Covid-19.

A ministra goiana conta que a participação das mulheres em funções de Poder no Judiciário ainda é pequena. “O percentual de mulheres em função de Poder, em cargo de chefia, no Brasil é de 17%” diz.

A magistrada ficou conhecida nacionalmente após aprovar a Emenda Constitucional 72, que regulamenta o trabalho doméstico. No início da carreira profissional, ela trabalhou como doméstica na sua cidade natal, Pontalina, no Sul de Goiás, foi recepcionista e auxiliar de escritório. No entanto, para ascender às posições hierárquicas da magistratura, ela enfrentou uma prática nada sutil de discriminação .

Ministra goiana do Tribunal Superior do Trabalho Delaíde Alves Miranda Arantes | Foto: Reprodução/Aldo Santos/TST

A ministra concluiu o ginásio em uma escola rural, mudou-se para Goiânia aos 14 anos para ingressar no curso superior. “Eu sempre procurei atuar na perspectiva do coletivo. Não atuar pensando só na construção da carreira individual”, relata.

Delaíde já tinha 30 anos de atuação na advocacia e entidades de classe quando disputou a vaga do Quinto Constitucional. “Em 2010 surgiu uma vaga a partir da aposentadoria de um ministro do TST do Quinto e eu concorri. Passei pelas etapas e entrei para a listra tríplice antes de ser escolhida pelo presidente Lula. Como estava em final de mandato, quem me nomeou foi a presidente Dilma”, conta.

Ao longo da carreira, Delaíde teve que conciliar trabalho, estudo e enfrentou o machismo cotidianamente. “Em 2015, quando foi aprovado o Código de Processo Civil (CPC), o presidente do TST era homem. Ele indicou duas comissões para desenvolver um estudo sobre a compatibilidade das normas do CPC com o direito processual trabalhistas. Duas comissões constituídas apenas por homens”, lembra.

Dificuldades financeiras, distância e crime organizado

Juíza do Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO), Placidina Pires enfrentou a pobreza e a distância para estudar na Capital. Natural de Inhumas, a cerca de 50 km de Goiânia, Pires é filha de lavrador e costureira. “Estudei a vida inteira em colégio público, passei na Universidade Federal de Goiás (UFG) e vinha para Goiânia todos os dias”, lembra.

Placidina Pires é juíza na vara de enfrentamento ao crime organizado | Foto: Reprodução

Dedicada nos estudos, Pires passou em dois concursos públicos logo que finalizou o curso superior. Optou pela magistratura em Goiás e foi atuar em São Domingos, a 150km da Capital. “Minha segunda passagem foi em Corumbaíba, depois Caldas Novas até que consegui promoção para Goiânia. Aqui, vim para a vara criminal, sempre tive uma predileção ao criminal”, conta.

Na área criminal, Placidina logo pleiteou a vaga na vara de enfrentamento ao crime organizado, posição hoje que ocupa com destaque e firmeza na caneta. “São crimes complexos, praticados, muitas vezes, por organizações criminosas com lavagem de capital. E nessa área eu já estou há quatro anos, atuando em crimes complexos, com vários réus, que demanda longas investigações da Polícia Civil, Ministério Público e que levam anos para serem concluídas”, comenta.

Os temas sensíveis, e na maioria das vezes, sigilosos, envolvem também o risco físico. “Eu assumi esse risco, entrei na magistratura com esse propósito. Eu acho que as mulheres são dotadas de capacidades e conhecimentos necessários para estar em qualquer espaço do segmento social. Elas têm a capacidade de equilibrar a balança, de proporcionar leveza na discussão dos temas mais sensíveis”, relata.

Promotora precisou adiar ingresso no MP para cuidar da família

Promotora de Justiça no Ministério Público de Goiás (MPGO) na área ambiental do município de Senador Canedo, Marta Moriya Loyola relata que precisou adiar a carreira para cuidar da família. “A mulher tem a questão de acumular diversas funções e muitas vezes temos que abrir mão de algumas coisas. No meu caso, eu casei e tive filho. Não abri mão da carreira, mas demorei sete anos para me tornar uma promotora titular”, relata.

Promotora do Ministério Público Marta Moriya Loyola | Foto: Reprodução

No período como promotora substituta, Loyola sempre deu preferência à ficar próximo de Goiânia e dos filhos. “Como mulher, não tem como você simplesmente optar pela carreira e esquecer dos filhos, da família. Mas eu não me arrependo, tive flexibilidade, pude aproveitar minha maternidade. De modo geral, acho que temos mais paridade hoje, reflexo das mudanças feitas há alguns anos”, pontua.

A perspectiva é que para os próximos 15 a 20 anos, essa realidade seja ainda mais igualitária. “As mulheres hoje têm mais voz, as estudantes se espelham nas profissionais atuais e vislumbram ingressar na carreira no Ministério Público ou no Poder Judiciário”.

Apenas três mulheres passaram pelo Supremo

A mais alta corte do País, o Supremo Tribunal Federal (STF), teve, desde a sua criação há 215 anos, apenas três mulheres indicadas para o cargo. A primeira ministra chegou ao posto apenas em novembro de 2000, indicada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso. Ellen Gracie Northfleet, natural do Rio de Janeiro, foi presidente do STF entre 2006 e 2008. Além disso, ela integrou o Tribunal Superior Eleitoral entre 2001 e 2004.

Ellen Gracie foi indicada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso | Foto: Reprodução

Ela iniciou sua formação acadêmica e profissional no Rio Grande do Sul. Graduou-se em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul em 1970, e fez pós-graduação em Antropologia Social pela mesma universidade em 1982.

A segunda mulher à ocupar o posto de ministra do STF foi Cármen Lúcia, empossada em 2006. Autora de uma série de livros em matéria de Direito Público, foi a primeira mulher a presidente o Tribunal Superior de Eleitoral (TSE) e foi presidente do STF entre 2016 e 2018.

Nascida em Minas Gerais, ela se formou em direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais e foi procuradora do Estado. Ela foi indicada pelo presidente Lula para ocupar a vaga deixada após a aposentadoria de Ellen Gracie.

A terceira ministra, Rosa Weber, foi a primeira mulher que, na condição de magistrada de carreira, foi alçada ao cargo no Supremo. Ela ingressou na Justiça do Trabalho (TRT 4ª Região/RS) e se tornou juíza em em 1976.

As três mulheres que tiveram assento no Supremo Tribunal Federal | Foto: Reprodução

Weber foi responsável pelo TSE durante um dos períodos mais conturbados desde a redemocratização. Durante sua gestão, entre 2018 e 2020, foi ela quem deu procedimento à diplomação dos candidatos eleitos à presidência e à vice-presidência da República.

Foi durante a presidência de Weber que a sede dos Três Poderes foi invadida, em 8 de janeiro deste ano.

“Não houve um momento sequer, desde o atentado, em que esta Suprema Corte tenha deixado de cumprir a sua missão precípua de guardar a Constituição, demonstrando que esta imprescindível instituição republicana se mantém livre e independente, e que nossa democracia permanece
inabalada e inabalável.”Rosa Weber, presidente do Supremo Tribunal Federal

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