Massa fecal no cérebro

25 julho 2025 às 08h00

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Quando, movido por indignação (que mais à frente falo qual é), estava a escrevinhar esta crônica menor que um grão de mostarda e me surgiu o respectivo título, fui ao Google verificar se ele já tinha sido usado. Então obtive a seguinte resposta: “Não existe nenhuma condição médica conhecida como “massa fecal no cérebro”.
Ao contrário do Google, você, altaneiro leitor, sabe muito bem que existe sim uma condição e que esta é de ordem psíquica. Fato que resulta na figurativa constipação psicofecal, que popularmente conhecemos como “falar merda”. Nos tempos em que se amarrava cachorro com linguiça (e esta palavra ainda tinha trema), havia uma expressão coloquial para a pessoa que “falava demais por não ter nada a dizer”: miolo de pote.
Minha indignação tem a ver com uma postagem relacionada à morte da cantora Preta Gil, ocorrida no último domingo. Segundo a postagem, a morte da filha de Gilberto Gil foi um castigo do céu pelo fato de ela ter mandado o ex-presidente Jair Bolsonaro tomar nu… numa determinada apresentação musical. Putz! A que ponto a nossa podridão mental chegou. O que não quer dizer que não possa vir algo pior. Na verdade, a cada dia acrescentamos um tijolo no caos diverso que estamos construindo num suicídio lento, rindo de orelha a orelha sem pressentir o abismo.
Como a estupidez possui muitas caras, vi na publicação uma delas, a qual me trouxe à mente o estarrecimento do poeta Castro Alves diante da crueldade por que passavam os escravizados trazidos da África para o Brasil: “Senhor Deus dos desgraçados! / Dizei-me vós, Senhor Deus! / Se eu deliro… ou se é verdade / Tanto horror perante os céus…” Se fosse agora que estivesse vivo, o poeta baiano, que chamou de “bendito aquele que semeia livros e manda o povo pensar”, constataria que “tanto horror perante os céus” ainda continua.
Percebi, na babaquice na postagem, alguém de espírito imundo a acreditar no “deus” malvado do Velho Testamento. Vingativo, que vive a punir o pecado com destruição, guerras, pragas. No caso dos israelitas escravizados no Egito, a este país foram enviadas dez pragas. Todas bizarras, mas a última extrapola os limites do bom senso: a morte dos primogênitos. A vida de todos os filhos mais velhos de todas famílias egípcias foram ceifadas. E atingiu até a vida dos animais. (Meu Deus, que horror!) Altas horas, veio o anjo da morte e fez uma festa funesta. Só as famílias em cujas casas as portas havia uma marca feita com sangue de cordeiro foram poupadas, e isso por serem israelitas. O sangue na porta era a senha para evitar que o anjo da morte entrasse em casa errada e dizimasse algum primogênito israelita injustamente.
Se mandar alguém tomar nu… gerasse mesmo a lei do retorno, eu estaria no fiofó do Zé Estêvão. Fiz isso (e ainda faço), mas só no pensamento.
Não cheguei pensamentear tal coisa sobre o ex-presidente Jair Bolsonaro, o qual vejo como um ser humano tosco, que dirigiu o país de maneira espalhafatosa e sem gerar algum resultado social realmente eficiente. Fez um governo pífio. Ao contrário dos muitos acreditam, as urnas não mentiram. E como bem disse o general Tomás Miguel Ribeiro de Paiva, 2023, em seu discurso de posse como novo comandante do Exército, “quando a gente vota, tem de respeitar o resultado da urna”. Vale ressaltar que não morro de amores pelo atual presidente. Nós, reles eleitores, não temos por que ser andor para carregar tais “santos”. Eles não merecem isso. Eles são empregados do povo. É muito atraso mental quando o povo se oferece como andor.
Se Preta Gil teve a vida ceifada por um câncer por ter dito tal coisa (e assim gerado um ataque colérico a “deus”, que tem Bolsonaro como um homem especial de sua cozinha), o que dizer sobre as crianças que morrem de câncer? Será que as crianças mortas por câncer também xingaram o Bolsonaro?
Esse “deus” não o quero para mim. Assim como o físico Alberto Einstein, eu também “acredito no Deus de Espinoza, que se revela por si mesmo na harmonia de tudo o que existe, não no Deus que se interessa pela sorte e pelas ações dos homens”.

Sinésio Dioliveira é jornalista, poeta e fotógrafo da natureza
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