Marcelo Piquiras comemora 30 anos do grupo e afirma: “Nunca pensei em desistir”
17 julho 2015 às 18h28
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À frente de uma das marcas mais famosas de Goiás, o empresário relembra sua trajetória, que começou com um barzinho e hoje tem oito empreendimentos
Em 2015, o Piquiras completa 30 anos de fundação. Uma das marcas goianas mais famosas do Estado e sinônimo da alta gastronomia possui hoje quatro restaurantes, três empórios e um bufê — sem contar nos produtos que levam o nome do grupo.
Eleito por vários anos como o “melhor da cidade” em grandes publicações nacionais, o Piquiras começou como uma aventura de seu fundador, e único proprietário, Marcelo Batista — o Marcelo Piquiras (ou Piquira).
Em uma entrevista inédita, o empresário contou ao Jornal Opção Online um pouco de sua história — que se confunde com a do próprio Piquiras –, relembrando casos que marcam esses 30 anos de estrada.
Simples e com “jeitão” goiano, ele recebeu nossa equipe no restaurante do Setor Marista (um dos mais tradicionais da região) e revelou que já teve até medo de “quebrar”. No entanto, por perseverança, seguiu seus instintos “com muita dedicação”, para consolidar a marca: “O Piquiras é minha vida… Tinha que dar certo”.
Hoje, Marcelo comanda o grupo ao lado da esposa, Maria Alice, e dos filhos, Gustavo e Frederico. Para o futuro, pretendem expandir a linha de produtos Piquiras e há a expectativa de abrir unidades em Brasília, Minas Gerais, Tocantins e São Paulo.
Confira!
O que significa Piquiras? Por que esse nome?
Piquiras é um cavalo pequeno, baixo. Era meu apelido de escola… Ninguém me conhecia como Marcelo. Todo mundo me chamava de “piquirinho”, “piquiras”. Aí um amigo meu, que foi presidente do Clube de Engenharia de Goiás, Reynaldo Barros, que sugeriu o nome para o restaurante. Foi ele quem criou a marca com o “p” estilizado, copo de chope, o prato com o garfo e a faca. Gostei demais e usei.
Como surgiu o primeiro restaurante?
Tinha um bar em um lava-jato da capital, bem pequeno, entre a Praça do Cruzeiro e a do Ratinho, na Rua 87. Fiquei lá quatro anos e surgiu a ideia de fazer o primeiro restaurante. É que o movimento era muito grande de segunda a quinta-feira, mas chegava o fim de semana e meus amigos, os clientes não iam, porque era muito simples. Então decidi abrir o da República do Líbano.
Dei um passo maior que as pernas. Juntei um pouco de dinheiro e fiquei devendo um pouco. Em 1985, peguei um dinheiro emprestado na Caixa Econômica do Estado de Goiás (Caixego) e meu pai me emprestou um pouco. A economia deste País era muito instável, desde que comecei já passamos por Cruzado, Cruzeiro, Cruzado Novo… Pegava-se dinheiro emprestado a 1% de juros e daí depois de um ano já estava a 10% de juros. Fiquei louco, pensei que não iria dar conta de pagar, mas Deus me abençoou e o negócio cresceu rápido, em oito anos foi um boom. Como lá era um imóvel alugado e eu tinha me casado, meu primeiro filho tinha nascido, queria construir algo meu. Comecei a procurar um lote para comprar e encontrei este aqui.
Por que o Setor Marista?
Não sei… Quando eu comprei, não havia nenhum restaurante em volta. Há 22 anos, era um setor residencial, né? Na verdade, eu fiquei procurando durante muito tempo um terreno. Aí encontrei este daqui… Era de esquina como eu queria e era o que meu dinheiro dava conta de comprar (risos).
Fiquei um ano construindo, as bases, alicerce… E meu dinheiro acabou. Tive que parar, fiquei seis meses com a obra paralisada até conseguir comprar as coisas de acabamento para terminar o restaurante.
Como foi a reação da família? Dos amigos? Ninguém te criticou por ousar àquela época?
Quando eu comprei o barzinho no Lava-Jato meu pai ficou sem conversar comigo quase seis meses. Ele era funcionário público e minha mãe professora. Então, eles queriam que eu fosse trabalhar no governo, achavam que era uma carreira boa.
Me arrumaram um emprego no Estado, cheguei a trabalhar na Iquego (Indústria Química do Estado de Goiás), mas não dei conta. Fiquei lá três anos e pedi minhas contas. Naquela época, ninguém pedia para sair do Estado. Chegaram a me oferecer uma licença prêmio de seis meses para não perder o emprego, mas eu fui decidido: “Pode dar baixa. Não vou trabalhar aqui não”.
Desde o início, eu sabia o que eu queria. Sempre fui muito decidido.
Imaginou, quando abriu o bar, que um dia fosse chegar a todo esse sucesso?
Não. Quando eu comprei o restaurante do Setor Marista, para mim, já estava de bom tamanho. Tinha um restaurante, no meu terreno, com estacionamento próprio. Inclusive, eu até iria fechar o restaurante da República do Líbano quando este ficou pronto. Só não fechei porque um cliente não deixou.
Como?
Eu tinha um cliente que ia lá todos os dias. Na verdade, sempre tive clientes muito fieis… Aquele senhor ali [mostrando um homem de aproximadamente 50 anos, sentado sozinho, tomando um copo de chope] mora no interior, mas todas as vezes que ele está em Goiânia, ele senta ali às 16 horas e fica até umas 20 horas. Geralmente passa uma semana em casa e três aqui.
Voltando à história, aquele cliente era diretor da Arisco, se chamava Carmello Paoletti. Um dia contei-lhe que estava terminando a obra do meu novo restaurante, no Marista, e estava fechando o da República do Líbano, que era em um imóvel alugado. O convidei para a inauguração e passar a frequentar o novo.
Ele me olhou e disse: “Você não pode fechar aqui!”. Expliquei que iria reaproveitar muita coisa no novo, como talheres, pratos, funcionários. Muito chateado falou que eu não podia fechar, que gostava muito dali, que morava próximo e ia a pé (ficava hospedado no Castro’s Park Hotel).
Expliquei que eu não tinha condições para manter os dois e ele virou e me disse: “Quanto você precisa para não fechar aqui?”. Eu, sem jeito, contei que faturava em torno de 66 mil dólares e que o restaurante deveria valer 100 mil dólares (à época, como a moeda mudava muito, os negócios costumavam ser feitos em dólares). “Quer 50 mil na metade?”, ele me perguntou. Aceitei, mesmo sabendo que o movimento iria cair muito, mas ele queria mantê-lo aberto e assim fizemos. Me entregou um cheque, sem pegar nem sequer um recibo, apenas me disse “depois que você inaugurar sua nova unidade, a gente faz um contrato”.
Ficamos sócios por uns três anos até ele brigar com a namorada. Um dia, Carmello me disse que iria se separar mesmo e que passaria sua metade para ela. Eu disse que dava muito certo com ele, mas não queria ser sócio dela. “O senhor não deu conta dela como eu vou dar?”, questionei. Então, propus a ele me pagar 50 mil dólares nos meus 50% ou comprar os dele por 60 mil. Quer dizer, negócio mais justo não há, né? Ele aceitou e me vendeu.
Enquanto isso o Piquiras do Marista já estava “bombando”?
Sim, sim. Foi um sucesso… Já fui líder de venda de chope em Goiânia, no Centro-Oeste e no Brasil. Cheguei a vender 13 mil litros por mês.
Você me disse que estava satisfeito com a conquista do restaurante do Marista. O que te levou a abrir os empórios e a continuar se expandindo?
Conheci muitas pessoas aqui e, um dia, o Vilmondes [Vilmondes de Sousa sócio do Shopping Buena Vista] me convidou para conhecer o projeto do shopping porque queria que eu abrisse um restaurante lá. Neguei logo, já tinha os dois e não queria mais um. Mas, como meus filhos já estavam crescidos e minha esposa queria trabalhar, sugeri a ele que montássemos algo diferente lá.
Eu tinha ido participar de um festival de culinária em São Paulo e conheci o Empório de Santa Maria. Quis, então, fazer algo parecido no espaço do Buena Vista. Uma padaria de alta qualidade, produtos selecionados e importados.
O projeto vinha para atender até as minhas necessidades nos restaurantes, porque eu tinha muita dificuldade em encontrar fornecedores de pães. Convidei Vilmondes e o sócio, Guilherme de Queiroz Cardoso, para ir a São Paulo comigo conhecer o projeto. Eles gostaram e montamos o empório. Isso há 12 anos. No começo, eles iriam ser meus sócios, mas acabou não dando certo e montei sozinho. Novamente peguei financiamento e fiquei devendo.
Isso porque você estava tranquilo com os restaurantes…
Sim (risos). Mas, minha esposa queria trabalhar e gostou da ideia do empório. Só que acabou ficando grande demais, segundo ela. Para mim, tanto faz se o negócio é grande ou “pequenininho”, tudo dá trabalho, então eu faço logo grande que pelo menos a chance de ganhar dinheiro é maior… Mesmo que eu fique mais “arrochado”.
Quando tínhamos acabado de pagar a loja do Buena Vista, veio o Bougainville e me convidou para abrir um lá também. A proposta foi bem melhor, pois peguei a loja quase pronta.
Como foi a recepção do público à época? Porque, assim, hoje se tornaram comuns empórios, comprar produtos importados e selecionados não é algo “de outro mundo”, mas, há 12 anos deve ter sido desafiado, não é?
Nossa! O povo nem entrava… Para você ter ideia, meu primeiro faturamento foi 40 mil reais. A despesa mensal era 80 mil. Só o estoque, 800 mil. Pensei: “Meu Deus do Ceú! Vou quebrar”… Aí, com esse montante, meus pais já não podiam me ajudar. Foi na coragem. Cheguei ligar para o Abílio Diniz tentando vender para o Grupo Pão de Açúcar, no entanto, ninguém quis comprar. Pensei: “Então tenho que fazer isso aqui funcionar”. Insisti e, do dia para noite, começou a pegar. As pessoas começaram a entrar, tomar cerveja, vinho, comer queijos… Quando perderam o “medo”, virou um sucesso.
Quando decidiu abrir no Bougainville estava mais confiante?
Estava… A marca já estava consolidada. Foi muito mais fácil. No Flamboyant também a mesma coisa… E, ainda assim, eu acho que fiz muita coisa errada. Foi tudo feito na base do feeling, nunca tinha feito uma pesquisa de mercado. Agora, há mais ou menos dois anos, que vejo como fiz coisas erradas.
Que tipo de coisas erradas?
Ah… Por exemplo, eu só olhava faturamento, sem me preocupar com as despesas. Veja bem, eu cheguei a ter 400 funcionários.
Começou com quantos no lava-jato?
Um.
E hoje?
320.
Além do empório e dos restaurantes ainda tem o bufê. Como surgiu?
O bufê hoje é um dos carros-chefe do grupo. Está muito forte. Começamos por acaso, no final de 1999, quando fomos convidados para fazer o Réveillon do Country. Desde pequeno, eu frequento o clube, conheço muita gente lá. Então, fui convidado para fazer a festa, que era a comemoração da virada do milênio. Nunca tinha feito antes… Foi um sucesso. Após isso, surgiram outras oportunidades, casamento, festas e acabamos montando o Buffet Piquiras.
E você sempre esteve a frente dos negócios? Está envolvido em todas as frentes?
Vou a todas as festas que fazemos. É uma empresa familiar. Meus dois filhos estão trabalhando comigo, o mais velho fez Gastronomia e o mais novo é engenheiro, e agora passamos por uma reestruturação da marca.
Participou da montagem do cardápio do primeiro restaurante?
Até hoje! Todos os pratos, ingredientes, eu escolho. Gosto muito de viajar e, sempre que estou fora, aproveito para conhecer coisas novas, restaurantes premiados, receitas… Procuro sempre trazer chefs renomados, fazer eventos nos restaurantes. Ensino meus colaboradores, os levo muito para São Paulo para treinamentos e cursos.
Tem alguma formação na área de Gastronomia?
Sou formado em Matemática, mas de Gastronomia não. Aprendi tudo em casa, cozinhando com minha mãe e minha avó. Adorava cozinhar.
Quantos são os produtos do Grupo Piquiras?
São quatro restaurantes, três empórios e o bufê. Além disso, temos com a marca Piquiras água, espumante, mostarda e estamos desenvolvendo outros.
É uma prioridade?
Sim. Vamos pegar firme com produtos com nossa marca.
Os produtos do empório e usados nos restaurantes são locais?
Não. Toda semana um caminhão nosso vai a São Paulo, comprar diretamente do Ceagesp de lá. Em vez de pagar frete, mando meu caminhão… Para conseguir uma qualidade melhor.
Goiânia parece ser uma cidade “sazonal”. Aqui as coisas abrem, ficam famosas e, de repente, fecham. Como o Piquiras se mantém relevante durante todos esses anos?
Aqui em volta mesmo já chegou a ter 50 restaurantes, hoje somos meia dúzia, no máximo. Eu falo que o Piquiras é minha vida. Não tenho fazenda. Não peguei o dinheiro que ganhei aqui e comprei imóveis. Eu investi no meu negócio. O Piquiras tem que dar certo… É minha vida. Minha única fonte de renda. Então, eu falo que muitas pessoas se aventuram e acham que é fácil. Não é. Costumo dizer que esse é um dos piores negócios que tem. Mas eu amo o que faço.
Um diferencial é que sempre buscamos inovar. Sempre fomos pioneiros.
Por que este tipo de negócio é um dos piores?
Porque você não tem sábado, domingo, não tem feriado. Eu abro todos os dias do ano, não tenho um dia de descanso. Telefone dorme do lado da cama, pois pode ter alguma confusão e eu preciso resolver.
Já chegou a pensar em desistir?
Não. Nenhum dia. Não há um dia que eu tenha acordado desanimado. É trabalhoso… Mas eu gosto.
Nesses 30 anos, há algumas história marcante?
Ah… Tem história demais. Já teve briga de político aqui dentro, um deputado quebrou um copo no outro. Já teve de tudo… Dá para escrever um livro.
Qual a maior dificuldade de manter o negócio?
Acho que o mais complicado é a mão de obra. Hoje temos três empresas trabalhando com nossas equipes. Treinamos, damos cursos, incentivamos, aí vem outro dono de restaurante oferece 50 reais a mais e o funcionário te deixa. É um desafio manter o pessoal motivado.
Outro desafio é se manter dentro da lei. São milhares de produtos e cobramos da equipe, mas passa. O Procon e a Vigilância Sanitária chegam aqui com a polícia e parece que somos bandidos. Ficamos reféns dessas fiscalizações. Se acham um produto vencido, chamam a imprensa, fazem um escarcéu. É um desrespeito total. É lógico que jamais queremos vender produto vencido, mas pode acontecer. Contamos com os gerentes, os funcionários para vistoriar, mas às vezes passa. No empório hoje, nada, nada, temos 5 mil produtos. É coisa para caramba.
Qual o futuro do Piquiras?
Acho que minha época está passando… Os meninos que vão tomar conta, mas eu tenho vontade de abrir unidades em Brasília (DF), Palmas (TO), Uberlândia (MG) e Ribeirão Preto (SP). A marca já é forte nessas cidades e pode ser que eles façam isso.