Dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT) apontam que entre 2000 e 2024 foram 5.466 pessoas resgatadas em condições de trabalho análogo à escravidão. Apenas no ano passado, os fiscais do Ministério do Trabalho e do Emprego (MTE) foram 736 pessoas resgatadas no estado. De 2017 para cá, foram 1.655 pessoas resgatadas em operações de combate ao trabalho análogo ao escravo em Goiás.

Num cenário nacional, os dados da CPT mostram que, só no ano passado, 3.472 pessoas foram encontradas em situação de trabalho análogo ao escravo em todo o país. Entre 1995, ano em que a Comissão deu início ao monitoramento, até 2024, foram 62.976 pessoas resgatadas em situações de trabalho análogo ao escravo no Brasil. 

Esses dados são compilados com denúncias recebidas pela própria CPT, informações do Sistema de Inspeção do Trabalho (SIT) do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), do Ministério Público do Trabalho (MPT) e também do Seguro-Desemprego. O próprio documento chama atenção para a possibilidade latente de subnotificação, já que “as estatísticas apontam a parte visível do problema”. O manual de leitura do panorama da CPT destaca que “os números mudam de acordo com a quantidade de denúncias, mas também de acordo com o empenho da fiscalização”.   

Dentro dos registros da CPT, é possível perceber uma alta no número de resgates entre 2002 e 2012, com mais de 2000 pessoas resgatadas por ano, e uma queda nessa estatística entre 2013 e 2021, com alguns anos tendo menos de 800 resgates. Veja abaixo gráfico ilustrando a variação dessa estatística: 

Fonte: Divulgação / CPT.

Em entrevista ao Jornal Opção, o frei Xavier Plassat, um dos responsáveis pela compilação desses dados na CPT, explica que o crescimento dos números de resgatados se deve a uma série de fatores. Entre eles estão: maior articulação do Ministério do Trabalho, vontade política (que consequentemente gera mais pessoal e verba disponível) e um maior número de denúncias, por exemplo. Ao mesmo tempo, a queda desse número significa não o fim do problema, mas uma perda de vontade política, e maior carência de recursos e pessoal ao Ministério do Trabalho. 

De 2022 em diante, o número de resgates realizados volta ao patamar dos anos 2000. Apesar da retomada das operações, o frei destaca que o número crescente é apenas um “indicativo de que o problema está sendo tocado”, entretanto, confessa que ainda “estamos longe” de resolver de fato o problema do trabalho escravo no Brasil. 

Apesar das medidas assistencialistas e indenizatórias que se seguem após os resgates, as pessoas que foram submetidas ao trabalho escravo podem ainda estar expostas às condições que a levaram àquele cenário. Para Xavier, os “socorros imediatistas” podem não solucionar o centro do problema e a atuação dos ministérios devem ser “voltadas para o local de origem das vítimas”. 

O frei exemplifica com o caso de uma vinícola gaúcha que, no ano passado, foi alvo das operações de resgate do MTE. Na ocasião, foram resgatados mais de 200 trabalhadores em condições análoga á escravidão, e Xavier explica que “mais de 90% desse pessoal era da Bahia”. 

Legalidade 

Uma diferença nos dados compilados que chama a atenção é a de “pessoa resgatada” e “pessoa encontrada em situação análoga à escravidão”. Xavier explica que a diferença nos termos se deve às questões legais, já que a única pessoa legalmente autorizada a resgatar trabalhadores é o auditor do ministério do trabalho.

Quando representantes de órgãos tais como o Ministério Público do Trabalho (MPT), o Ibama, a Polícia Federal a Polícia Rodoviária Federal ou a Polícia Militar ou Civil, encontram pessoas em situação de trabalho escravo, eles podem retirar ou libertar essas pessoas daquela situação e encaminhar alguns procedimentos cabíveis para auxiliá-las. Porém pelo fato de não ser acompanhados por algum auditor fiscal do trabalho, esses órgãos não têm a competência legal para garantir o seu ‘resgate’ ou seja: o acesso imediato a todos os direitos e benefícios previstos em lei (como por exemplo o seguro-desemprego). Pois resgatar vai além de libertar: implica em restaurar direitos violados.

Dessa forma, “o número de pessoas encontradas em situação de trabalho análogo ao escravo é sempre igual ou maior ao número de pessoas resgatadas”, explica o frei Xavier. 

Ao se deparar com uma situação de trabalho escravo, o ideal, portanto, é levar a denúncia ao conhecimento do Ministério do Trabalho, o qual inclusive tem um sistema de acolhimento on-line de fácil acesso e totalmente sigiloso: o sistema Ipê.

Recorte racial

Dados das pessoas resgatadas que foram inscritas no seguro desemprego dão recorte racial do cenário. Nessa categoria, as informações apontam que a maior parte das pessoas resgatadas durante operações de combate ao trabalho análogo ao escravo são negras. Das 445 pessoas resgatadas em Goiás e inscritas no programa do MTE de 2016 até 2023, 85,4% são negras. Um recorte mais específico traz 73,9% dessas vítimas se identificando como pardas, mulatas, cabocla, cafuza, mameluca ou mestiça, enquanto 11,3% se identificaram como pretas. Nesse recorte, apenas 14,2% dos resgatados se identificaram como brancos e 0,4% como amarelos.

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