Justiça da Inglaterra aceita ação por desacato criminal contra BHP por tentativa de barrar processo do desastre de Mariana

26 junho 2025 às 16h01

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Em decisão considerada uma vitória para as vítimas do rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), a Justiça da Inglaterra autorizou o prosseguimento de uma ação de desacato criminal contra a mineradora BHP. A acusação, movida por 31 municípios brasileiros atingidos pela tragédia de 2015, afirma que a empresa tentou impedir o andamento de ações judiciais no Reino Unido ao financiar, por meio do Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM), uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 1178) no Supremo Tribunal Federal (STF).
Segundo os autos do caso, a ação no STF tinha como objetivo impedir os municípios de buscarem reparação no exterior — o que comprometeria diretamente o processo judicial em curso em Londres, iniciado em 2018. A ADPF, protocolada em junho de 2024, pedia liminar para barrar a atuação das prefeituras brasileiras nos tribunais britânicos.
Em outubro de 2024, após virem à tona evidências de que a BHP omitiu o financiamento da ADPF e buscava dificultar a comunicação entre os requerentes e seus advogados, os municípios apresentaram à Corte inglesa um pedido de instauração de processo por desacato. Em sua decisão, o juiz Constable afirmou que há “fundamentos razoáveis” para acreditar que a estratégia da BHP teve como intenção interferir na administração da Justiça no Reino Unido.
“O financiamento da ADPF 1178 e o novo pedido liminar visavam, conforme alegado, bloquear o acesso dos requerentes à Justiça inglesa e aos seus advogados. Tais ações podem configurar obstrução ao devido processo legal”, destacou o juiz.
Com a decisão, o caso segue para análise de uma turma do Tribunal Superior de Londres. A mineradora australiana poderá ser condenada e, caso isso ocorra, estará sujeita ao pagamento de multa ilimitada.
Estratégia revelada
Inicialmente, a BHP negou qualquer envolvimento com a ADPF 1178. No entanto, documentos públicos apresentados pelo escritório Pogust Goodhead, que representa os municípios e mais de 620 mil pessoas afetadas, mostraram que a mineradora solicitou diretamente ao IBRAM que propusesse a ação. Posteriormente, a empresa admitiu ter financiado integralmente o pedido, incluindo valores superiores aos previstos em contrato.
O vice-presidente de Assuntos Corporativos da Vale, Alexandre D’Ambrósio — cuja empresa é sócia da BHP na Samarco — confirmou em depoimento que o então vice-presidente jurídico das Américas da BHP, Emir Calluf Filho, afirmou que pediria ao IBRAM que ingressasse com a ADPF no STF com o objetivo de barrar os processos internacionais.
Em julho de 2024, após revelações comprometedoras, a BHP se comprometeu com a Justiça inglesa a não apoiar novas ações do IBRAM nesse sentido. No entanto, descobriu-se que, além do contrato de R$ 6 milhões com o instituto, havia um acordo verbal firmado entre Calluf, o presidente do IBRAM, Raul Jungmann, e o diretor de Relações Institucionais, Rinaldo Mancin, para cobrir integralmente os custos da ADPF — mesmo se ultrapassassem o valor previsto contratualmente.
“A existência desse acordo verbal demonstra que o contrato de patrocínio não reflete a totalidade dos compromissos assumidos pela BHP”, concluiu o juiz inglês.
Ação bilionária segue em Londres
A ação contra a BHP no Reino Unido segue tramitando e é considerada a maior ação coletiva ambiental da história da Justiça britânica. Os municípios e as vítimas do desastre exigem reparações por danos sociais, ambientais e econômicos causados pelo rompimento da barragem da Samarco, controlada pela BHP e pela Vale. A Corte inglesa já reconheceu sua jurisdição para julgar o caso desde 2022.
“A decisão de hoje é um passo importante para responsabilizar a BHP por seus esforços contínuos de minar a Justiça e escapar da responsabilidade pelo maior desastre ambiental do Brasil”, afirmou Tom Goodhead, CEO do escritório Pogust Goodhead.
O desastre de Mariana, ocorrido em 5 de novembro de 2015, deixou 19 mortos, contaminou o Rio Doce e afetou milhares de pessoas ao longo de sua bacia hidrográfica, nos estados de Minas Gerais e Espírito Santo.
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