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O Supremo Tribunal Federal (STF) inicia nesta terça-feira, 2, o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro, acusado de liderar organização criminosa armada, tentar abolir violentamente o Estado Democrático de Direito, articular um golpe de Estado, além de ser responsabilizado por danos contra patrimônio da União e bens tombados.

É a segunda vez, em uma década, que a Justiça brasileira se vê diante da tarefa de julgar um ex-presidente. Em 2017, Luiz Inácio Lula da Silva foi condenado em primeira instância no caso do tríplex do Guarujá, decisão que percorreu todas as instâncias judiciais até ser anulada pelo STF. A situação de Bolsonaro, no entanto, é distinta: o processo já começa na instância máxima, o que gera debates sobre foro privilegiado e competência.

Ao contrário de Lula, julgado inicialmente pela primeira instância por supostos crimes ocorridos fora do exercício da Presidência, Bolsonaro responde por fatos imputados ao período em que ainda estava no cargo — em especial, os episódios de dezembro de 2022, quando teria articulado ações contra a posse do atual presidente.

A Constituição prevê que presidentes da República, ministros de Estado, membros do STF e o procurador-geral da República sejam processados diretamente pela Suprema Corte. Em março de 2024, o STF reafirmou entendimento segundo o qual o foro por prerrogativa de função se mantém mesmo após a saída do cargo, desde que os fatos tenham ocorrido durante o exercício da função.

Juristas, porém, divergem sobre se o instituto é realmente um privilégio. Para alguns, ser julgado diretamente no STF reduz garantias de defesa, já que elimina a possibilidade de recorrer a outras instâncias — algo que beneficiou Lula no passado.

Outro ponto de controvérsia é a definição de quem dentro do STF deve julgar Bolsonaro. O regimento da Corte estabelece que crimes comuns de presidentes em exercício sejam julgados pelo Plenário. Já as Turmas — compostas por cinco ministros cada — são responsáveis por casos envolvendo deputados, senadores e ex-ocupantes de cargos.

A defesa do ex-presidente sustenta que, por se tratar de ex-chefe de Estado, o julgamento deveria ocorrer no Plenário, com os 11 ministros. No entanto, o caso foi encaminhado para a Primeira Turma, formada por Cristiano Zanin (presidente), Cármen Lúcia, Luiz Fux, Flávio Dino e Alexandre de Moraes.

Especialistas defendem que o processo deveria ser levado ao Plenário, sob risco de vício de competência. Já a advogada Maíra Beauchamp Salomi lembra que a conexão com os processos do 8 de janeiro — julgados pela Primeira Turma — justifica a manutenção do caso nesse colegiado.

Caso Bolsonaro seja condenado por maioria estreita (3 a 2), a defesa pode recorrer ao Plenário por meio de embargos infringentes. Se a condenação ocorrer por maioria mais ampla, restariam apenas recursos extraordinários, como habeas corpus, cujo cabimento é restrito no âmbito do STF.

Diferentemente de Lula, Bolsonaro não terá caminho para revisões em instâncias inferiores. Seu julgamento será definitivo dentro da Suprema Corte, salvo eventual recurso a instâncias internacionais.

Impacto político e institucional

O julgamento expõe não apenas a figura do ex-presidente, mas também tensões institucionais em torno do STF. Parlamentares bolsonaristas acusam a Corte de parcialidade e defendem a aprovação da PEC 333/2017, que limita o foro privilegiado. Por outro lado, especialistas apontam que os ataques ao tribunal têm levado ministros a reforçar a coesão interna.

Há, ainda, quem lembre o precedente da Lava Jato: decisões anuladas por vícios de competência, que abriram caminho para a volta de Lula à cena política. Se a Suprema Corte mantiver entendimentos divergentes no futuro, há possibilidade de questionamentos quanto à validade do julgamento de Bolsonaro.

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