O uso da Inteligência Artificial (IA) pela Justiça brasileira, de acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), é uma tendência consolidada. Cada vez mais os tribunais estão incorporando essas ferramentas de IA para tramitação processual, automatizar tarefas e ajudar na tomada de decisões. Levantamento realizado aponta que 45,8% dos tribunais e conselhos brasileiros utilizam essas ferramentas, principalmente, em tarefas relacionadas a texto, como geração, melhoria e sumarização.

A pesquisa sobre IA no Judiciário apresenta que, apesar dos avanços, mais de 80% dos projetos não estão integrados à plataforma Sinapses, ferramenta do CNJ criada para impulsionar o uso da IA. Apenas 10,2% estão totalmente integrados e 9,2% foram integrados parcialmente.

Os principais desafios identificados pelo levantamento do CNJ é a falta de profissionais especializados e a priorização de outros projetos de tecnologia. Ausência de infraestrutura adequada, limitações financeiras e substituição por ferramentas de IA Generativa também foram apontadas pela pesquisa.

Resultados sobre a Pesquisa “IA no Judiciário -2024 | Foto: Reprodução

O Jornal Opção buscou ouvir um especialista da área Jurídica para uma compreensão dessa realidade, em Goiás. O advogado e vice-presidente da Comissão Especial de Crédito de Carbono do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB), Márcio Messias Cunha, está no mercado há 30 anos e possui doutorado em Direito Constitucional pelo IDP.

De acordo com Márcio Messias, o que se vive hoje é o “fim da lua de mel” com a IA. Segundo ele, essa era da fantasia, que nós vivemos até agora, praticamente está acabando. Ele alerta que a tecnologia auxilia, mas não são suficientes para formar o julgamento humano.

“A inteligência artificial é um assistente incrível e poderoso, sem dúvida, mas é desprovido de consciência. Ele não empatia ou responsabilidade profissional”, enfatiza.

Ainda segundo o advogado, o que permeia o uso da IA é a conscientização ética e também a indispensável análise humana. “Ela é indispensável para você concluir seu trabalho, seja no ramo da saúde, seja no ramo jurídico. Sob pena de você cometer gafes imensuráveis. Gafes que vão ficar para a história”, alerta Márcio Messias.

Advogado e vice-presidente da (CFOAB), Márcio Messias | Foto: Arquivo Pessoal

Alertas sobre a Inteligência Artificial

O especialista da área Jurídica, explicou que, infelizmente, advogados estão utilizando a IA para a produção de peças. “Ela é muito boa para auxiliar na pesquisa, pois aponta alguns caminhos, algumas luzes para a criatividade, mas não pode substituir a elaboração de temas ligados ao Direito”, explica.

A palavra final, a análise, a pesquisa e a confirmação deve sempre ser do profissional, como pontua Márcio Messias. “Por exemplo, existe um caso em Santa Catarina, onde a OAB aplicou uma pena de advertência para um advogado que utilizou jurisprudência de Inteligência Artificial inexistente. Ou seja, a pessoa julgou o caso, pediu auxílio para a Inteligência Artificial e essa IA, no afã de inclusive atender aquele requisito, criou uma jurisprudência inexistente”, enfatiza.

Márcio Messias contou sobre um episódio recente que aconteceu no dia a dia de trabalho dele. “Uma advogada, que é parceira, elaborou uma peça de recuperação judicial. E trouxe para fazermos a correção. Daí fui estudar e percebi que a IA criou a jurisprudência da 3ª Câmara do Tribunal de Justiça de Goiás com o nome do desembargador Itamar de Lima”.

Para a surpresa do advogado, o processo e nem a jurisprudência não existem. Ou seja, se Márcio Messias tivesse autorizado a petição sem pesquisar com atenção, estaria cometendo uma falta ética.

Leia também: Corregedoria-Geral de Goiás implementa IA para melhorar atendimento e feedback