O número de trabalhadores resgatados de situação análoga à escravidão chegou a 3.151 em 2023, a maior soma desde 2009. O Governo Federal pontua que o aumento dos resgates e o efetivo atual de fiscalização mostram como o País regrediu no combate à prática. Desde 1995, quando foram criados os grupos de fiscalização móvel, foram flagrados 63,4 mil trabalhadores em situações análogas à escravidão.

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“Foram 30 anos sem ganhar salário. Até chegou um ponto de ela não querer deixar mais que eu comesse, que eu tomasse café. Eu só podia ir para meu quarto tarde da noite, não podia conversar mais com ninguém”, contou uma trabalhadora idosa resgatada

Conta uma trabalhadora resgatada em março do ano passado. Ela morreu de uma parada cardiorrespiratória antes de receber qualquer indenização da Justiça

“Acordava de manhã e só ia dormir quase meia-noite. Sem contar que eles me xingavam muito, ficavam falando palavrão. Ficavam xingando minha raça, me chamando de negra e aquelas coisas todas. Quando foi um belo dia, apareceu a Polícia Federal e aí ocorreu tudo”

O trabalho no campo ainda lidera o número de restaste, mas um novo cenário também chama a atenção: a quantidade de trabalhadores(as) domésticos resgatados. A atividade com o maior número de empregadores que atuam em situações precárias é o de plantio e cultivo de café, seguido pelo plantio de cana-de-açúcar.

Goiás tem maior número de resgates

O Estado de Goiás foi o campeão de resgates em 2023, com 735 pessoas resgatadas. O Estado é seguido por Minas Gerais (643), São Paulo (387) e Rio Grande do Sul (333). Por trás das estatísticas, restam histórias de abuso nos campos e nas cidades que mostram como o trabalho análogo à escravidão ainda é recorrente no Brasil. Em fábricas improvisadas, em casas de alto padrão, nas plantações, crimes continuam a ser cometidos.

Na primeira semana de fevereiro do ano passado, uma operação que envolveu o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), a Superintendência Regional do Trabalho em Goiás (SRTb/GO), o Ministério Público Federal (MPF), o Ministério Público do Trabalho (MPT), a Defensoria Pública da União (DPU) e a Polícia Federal (PF), encontrou mais de 153 trabalhadores foram resgatados em condições de trabalho análogas à escravidão em Goiás.

Nessa operação, só em Acreúna, 139 trabalhadores foram encontrados em uma usina de cana-de-açúcar e outros 13 em um fábrica de ração. Já em Quirinópolis, um idoso de 67 anos foi encontrando também em situação irregular trabalhando como caseiro. 

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Problemas

Um dos desafios para que o resgate de trabalhadores em situação análoga à escravidão continue crescendo é a falta de auditores fiscais.

“Era esperado até [esse problema] porque, nos últimos quatro ou cinco anos, não tivemos ações diretas de combate ao trabalho escravo. Então, foram represando muitos pedidos de ajuda por parte de trabalhadores que estavam em situação análoga à de trabalho escravo. Por isso, a gente não vê como surpresa, mas sim, vê ainda como uma carência. Porque temos poucos auditores do Ministério do Trabalho fazendo as fiscalizações”, diz Roque Renato Pattussi, coordenador de projetos no Centro de Apoio Pastoral do Migrante.

O Ministério do Trabalho e Emprego reconhece a falta de pessoal. Ele, no entanto, afirma que o governo conseguiu aumentar o número de resgates mesmo com o número de auditores fiscais do trabalho no menor nível da história.

“É uma prioridade da Secretaria de Inspeção do Trabalho fiscalizar, num sentido amplo, o trabalho doméstico e, especificamente, casos de trabalho escravo doméstico. Temos menos de 2 mil auditores fiscais do trabalho na ativa. Esse é o menor número desde a criação da carreira, em 1994. Mesmo assim, conseguimos entregar, em 2023, o maior número de ações fiscais”, destaca.

Como denunciar

Há diversos canais para quem quiser denunciar o trabalho escravo. Pelo telefone, basta ligar no Disque 100. Em Goiás, denúncias também são recebidas pelo seguinte e-mail: [email protected]. Nesse caso, é preciso descrever a situação e a localidade da ocorrência e isso pode ser feito de forma anônima. Ainda na internet, o site ipe.sit.trabalho.gov.br também recebe denúncias.

Com informações da Agência Brasil

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