A população de jumentos no Brasil corre sério risco de extinção até 2030, segundo alertam pesquisadores. A principal causa é o abate intensivo desses animais para exportação de peles à China, onde o colágeno presente sob a pele é usado na produção de ejiao, um produto tradicional da medicina chinesa.

De acordo com dados da Frente Nacional de Defesa dos Jumentos, o número desses animais caiu de 1,37 milhão em 1996 para pouco mais de 78 mil em 2025 — uma queda de 94%. Mais de um milhão de jumentos foram abatidos nesse período.

Se o ritmo atual for mantido, o jumento brasileiro pode desaparecer até o final da década, alerta o professor Pierre Barnabé Escodro, da Universidade Federal de Alagoas (UFAL). A alta demanda chinesa pelo ejiao fez com que milhões de jumentos fossem abatidos em diversos países.

Segundo a organização internacional The Donkey Sanctuary, aproximadamente 5,9 milhões de jumentos são mortos anualmente para abastecer esse mercado, que movimenta cerca de US$ 6,38 bilhões por ano. A pele do animal chega a ser vendida por US$ 3 mil a US$ 4 mil, o que atrai frigoríficos e intermediários, mesmo sem uma cadeia de produção sustentável.

Frigoríficos autorizados

Atualmente, três frigoríficos na Bahia possuem autorização do Serviço de Inspeção Federal (SIF) para abater jumentos. No entanto, especialistas denunciam falta de rastreabilidade, maus-tratos e práticas extrativistas, que tornam o processo insustentável e prejudicial ao bem-estar animal.

Em artigo recente publicado na revista científica Animals, Escodro e outros cinco pesquisadores analisaram 104 jumentos abandonados e destinados ao abate, encontrando sinais de inflamação sistêmica, indicativo de negligência nos cuidados básicos.

Para tentar conter a extinção dos jumentos no país, tramita no Congresso o Projeto de Lei 1.973/2022, que visa proibir o abate desses animais em todo o território nacional. No entanto, a proposta ainda está parada.

Na Bahia, um projeto semelhante foi barrado em abril de 2025. O deputado Paulo Câmara (PSDB) deu parecer contrário, alegando que o abate é regulamentado e tem importância econômica para o Estado — o que motivou notas de repúdio de defensores da causa animal.

Estratégias para salvar os jumentos

Pesquisadores e defensores da causa se reúnem em Maceió (AL) a partir desta quinta-feira, 26, para a terceira edição do evento “Jumentos do Brasil”, que reunirá cerca de 150 pessoas, incluindo cientistas de outros países.

Entre os temas discutidos estão a criação de santuários de jumentos, o uso desses animais em atividades de agricultura familiar e terapias assistidas, e o fortalecimento de ações de conservação. Áreas como Jericoacoara (CE) e Santa Quitéria, também no Ceará, já concentram populações significativas de jumentos e podem se tornar polos de proteção.

Estudos mostram que o desaparecimento dos jumentos afeta também comunidades rurais. Pesquisa da Universidade Maasai Mara, do Quênia, apontou que o roubo de jumentos para retirada de pele impacta diretamente a renda familiar e, em especial, o trabalho das mulheres que dependem dos animais para tarefas do dia a dia.

No Brasil, a desvalorização histórica dos jumentos levou ao abandono em massa nas estradas, após perderem seu papel central na agricultura familiar. Hoje, diante da escassez, o preço de um jumento no interior de Alagoas subiu de R$ 100 para até R$ 500, segundo Escodro.

Grupos de defesa dos animais lançaram o site Fim do Abate como parte de uma campanha nacional para aprovar o projeto de lei que proíbe a matança dos jumentos no Brasil. A mobilização segue o exemplo da União Africana, que em 2024 instituiu uma moratória de 15 anos contra o abate para comércio de peles em seus países membros.

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