Um estudo recente da Universidade de Oxford revelou que o uso da maconha, mesmo que ocasional, pode afetar a estrutura do cérebro humano. Publicado no BMJ Mental Health nesta quarta-feira, 30, o estudo destaca que até uma única exposição à droga pode impactar a integridade da substância branca do cérebro, estrutura que lida com as funções cognitivas como aprendizado e resolução de problemas.

Com esses dados, os cientistas levantam a possibilidade de que não exista uma “dose segura” para o uso da maconha e reforçam a necessidade de novas pesquisas para elucidar os riscos neurocognitivos envolvidos.

Imagens de ressonância magnética dos participantes sugerem que o uso da maconha compromete a substância branca do cérebro, estrutura fundamental para a conexão e comunicação entre as diferentes regiões cerebrais. Em três estudos anteriores publicados em The Journal of Psychopharmacology, Neuropsychopharmacology e International Journal of Neuropsychopharmacology, os pesquisadores analisaram a cognição e o desempenho psicológico, evidenciando como a droga afeta a memória, a flexibilidade mental e outras funções executivas.

A pesquisa BMJ Mental Health conduzida com 15.896 pessoas inscritas no banco de dados do UK Biobank classificou os participantes em grupos, com base na frequência do uso da droga, e comparou os resultados com os daqueles que nunca haviam consumido a substância. Os dados revelam que os usuários, independentemente da frequência de uso, mostraram uma integridade mais baixa na substância branca e conectividade reduzida entre regiões cerebrais responsáveis pela memória e pela divagação mental.

Essas mudanças estruturais, que afetam a comunicação inter-hemisférica do cérebro, sugerem que mesmo uma exposição limitada à cannabis pode ser suficiente para alterar o funcionamento neurológico.

Diferentes impactos entre homens e mulheres

O estudo também apontou diferenças marcantes entre os efeitos da maconha em homens e mulheres. Enquanto as mudanças cerebrais associadas à droga foram observadas em seis regiões específicas entre homens, nas mulheres elas se espalharam por 24 regiões, envolvendo tanto estruturas anatômicas quanto áreas funcionais do cérebro.

Segundo os pesquisadores, essas descobertas indicam que a droga pode afetar os gêneros de formas distintas, sugerindo que mulheres podem ser mais suscetíveis a um impacto neurocognitivo difuso.

Comparação com não usuários

Para analisar o impacto da maconha sobre o desempenho cognitivo, os pesquisadores compararam um grupo de 39 usuários com um grupo de controle composto por 20 indivíduos que nunca ou raramente utilizavam a substância. Ao serem submetidos à bateria de testes neuropsicológicos Cambridge Neuropsychological Test Automated Battery (CANTAB), os usuários de cannabis tiveram desempenho inferior em aspectos como memória e flexibilidade cognitiva, sugerindo que o uso da droga pode comprometer seriamente a capacidade de processar informações e resolver problemas.

Frequência de uso e efeitos prolongados

Já nos estudos do The Journal of Psychopharmacology, Neuropsychopharmacology e International Journal of Neuropsychopharmacology, a análise não identificou uma associação direta entre a frequência ou a duração da abstinência de cannabis e as alterações observadas na estrutura cerebral. Ou seja, mesmo aqueles que consumiram a substância de forma ocasional exibiram níveis semelhantes de alteração estrutural em comparação com usuários mais frequentes.

O fato levanta dúvidas sobre a segurança do uso recreativo e até mesmo terapêutico da maconha, especialmente para adolescentes e jovens adultos, cuja plasticidade cerebral os torna mais vulneráveis a alterações cognitivas.

Embora os resultados apontem para uma associação entre o uso de cannabis e alterações estruturais no cérebro, os pesquisadores destacam limitações importantes, especialmente a falta de diversidade no grupo estudado. O banco de dados utilizado, o UK Biobank, possui uma amostra predominantemente composta por participantes brancos e saudáveis, o que pode limitar a generalização dos resultados para populações mais heterogêneas.

Além disso, os pesquisadores admitem que fatores externos ainda não identificados podem ter influenciado as mudanças cerebrais, o que impossibilita estabelecer uma relação causal definitiva entre o uso de maconha e as alterações neurológicas observadas.

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