Empreiteira luta na justiça para barrar cobrança de propina
19 abril 2021 às 20h28
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TJ-GO julga esta semana ação em que empresa cobra mais de R$ 8 milhões em contrato que apontado como fictício
Uma história que se arrasta desde 1988 e que está relacionada com a criação do Estado do Tocantins demonstra como a corrupção atua no Brasil. A empreiteira Warre Engenharia, que foi a responsável por construir o Palácio Araguaia, sede do Governo do Estado, alega ter sido coagida a pagar uma propina para ter o pagamento pelo serviço. Como não cumpriu o acordo criminoso, os cobradores buscaram na justiça goiana a cobrança dos valores.
A Warre Engenharia aguarda decisão dos desembargadores do Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO) sobre a cobrança do contrato que foi firmado com a empresa Alvicto Ozores Nogueira & Cia Ltda (sediada em Goiânia), mas que tem características de cobrança de propina. A cobrança inicial era de R$ 8.7 milhões, mas corrigido, esse valor já estaria próximo de R$ 20 milhões.
Essa cobrança começou após a conclusão do Palácio Araguaia. Segundo a Warre Engenharia, o Governo do Estado de Tocantins ficou lhe devendo mais de R$ 18 milhões por conta das obras, adequações e correção monetária. O valor só foi pago em 2014, quando o então secretário de Infraestrutura do Tocantins, Alvicto Ozores Nogueira, acertou o pagamento, mas somente mediante uma propina no valor de R$ 8.795.432,00.
Segundo consta no processo, o representante da Warre Engenharia concordou com a proposta, que foi vista como coação. A empresa que estava, na época, com folhas de pagamentos e notas de fornecedores em atraso. De acordo com os relatos no processo, por exigência do secretário de Infraestrutura do Tocantins a época, foi celebrado em cartório um instrumento de confissão de dívida, no valor da propina, a fim de dar aparente legalidade à negociação.
A Warre Engenharia conseguiu receber o valor que lhe era devido pelo governo de Tocantins. No entanto, não fez o pagamento do contrato previsto com a empresa Alvicto Ozores Nogueira. Foi aí que iniciou uma briga na justiça para legitimar ou não a cobrança do que seria valores de propina.
Na primeira instância o juiz Átila Naves Amaral, da 11ª Vara Cível de Goiânia, julgou ilegal a confissão de dívida feita entre as empresas Warre Engenharia e Alvicto Ozores Nogueira por entender que ela foi feita mediante coação moral.
Em sua decisão o juiz apontou que havia um contrato de locação, onde a Warre Engenharia locou da empresa Alvicto 20 máquinas para execução de obras de terraplanagem em Silvanópolis, no Estado de Tocantins. O magistrado ainda aponta que o instrumento de confissão de dívida foi confeccionado em 2014, com data retroativa para 2011 em um papel timbrado de uma filial da empresa que ainda era inexistente legalmente.
Segundo o magistrado, apesar da tentativa de conferir legalidade à confissão da dívida, foi constatado superfaturamento no contrato de locação das máquinas, além da cobrança pela utilização dos veículos no período em que a obra estava suspensa por determinação do governo do Estado de Tocantins. “A desproporcionalidade entre as locações contratadas e o valor cobrado, além da cobrança de horas de funcionamento das máquinas em período de paralisação do serviço, dá ensejo ao vício do negócio jurídico”, argumentou.
Além de não conseguir comprovar qualquer descumprimento por parte da Warre Engenharia, o magistrado ainda apontou que o representante Alvicto Ozores Nogueira, conhecido como Kaká Nogueira, não poderia ter assinado a confissão de dívida por, na época, ocupar o cargo de secretário da Infraestrutura do Tocantins, cumulando-o com o de diretor da Agetrans e da Companhia de Mineração do Tocantins.
2º instância
Apesar do exposto pelo Juiz Átila Naves Amaral, a empresa Alvicto Ozores Nogueira recorreu da decisão e o processo foi para a 3ª Câmara Civil do TJ-GO. O relator da ação, o desembargador Itamar de Lima mudou o entendimento da 1º Instância, apontando que havia “inexistência de qualquer vício no título”, ou seja, julgava procedente a cobrança dos valores que são indicativos de propina.
Neste julgamento três desembargadores seguiram o relator, e dois foram contra. Na ocasião o desembargador Ronnie Paes, votou contrário o relator e apontou que o contrato era um “pacto fictício, elaborado com o intuito único de validar coação perpetrada pelo sócio da empresa embargada em desproveito dos representantes legais da embargante, com o objetivo de conseguir vantagem indevida, o que não se pode admitir, mormente ainda por entender ser inadmissível a utilização do Poder Judiciário como meio de chancela de mecanismos de corrupção”. O magistrado ainda determinou que, diante da gravidade dos fatos, o processo fosse remetido para o Ministério Público e à Polícia Federal, a fim de que apurem os supostos fatos de corrupção.
Outro fato que foi juntado ao processo é a colaboração premiada feita por um empreiteiro de Tocantins em que ele aponta que o ex-governador Sandoval Cardoso e o ex-secretário Kaká Nogueira faziam parte de um esquema de propina.
Diante dos fatos, a defesa da Warre Engenharia entrou com embargo de declaração, provocando um novo julgamento, só que desta vez o desembargador Itamar de Lima, alegando motivo de foro íntimo, declarou-se suspeito para atuar no julgamento. Ele será substituído pelo desembargador Anderson Máximo.
Segundo a assessoria de imprensa do TJ-GO, a audiência estava marcada para o último dia 15, mas foi adiada em razão do pedido de vista pelo desembargador Wilson Faiad. A expectativa é de que o processo dê continuidade nesta terça-feira, 20 de abril. A expectativa da defesa da Warre Engenharia é que a decisão siga o julgamento feito em 1º instância, evitando a legitimação da cobrança de propinas.
Alvo da Operação Ápia
Alvicto Nogueira foi indiciado no âmbito da Operação Ápia, da Polícia Federal, que investiga um suposto esquema de desvios de recursos oriundos de três financiamentos com instituições financeiras internacionais, intermediados pelo Banco do Brasil. No total foi angariado R$ 1.203.367.668,70, sendo R$ 842.940.272,27 investidos em serviços de terraplanagem, recuperação asfáltica e restauração de 12 rodovias estaduais e algumas vias urbanas, estes, objetos dos desvios.