“É uma guerra tecnológica”, diz coordenador de IA da UFG sobre chinesa DeepSeek desbancar empresas dos EUA

28 janeiro 2025 às 10h53

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As ações das maiores empresas de tecnologia dos Estados Unidos sofreram uma queda acentuada na segunda-feira, 27, após o surgimento de um chatbot de baixo custo, criado por uma empresa chinesa de inteligência artificial (IA). Nomeado DeepSeek, o aplicativo ultrapassou o ChatGPT, da OpenAI, em downloads tanto nos Estados Unidos quanto na China, tornando-se o app gratuito mais baixado em ambas as regiões apenas uma semana após o lançamento.
O DeepSeek foi lançado no mesmo dia da posse de Donald Trump, em 20 de janeiro, e seu impacto no mercado foi imediato. Em apenas sete dias, o robô conversador provocou uma perda acumulada de mais de US$ 1 trilhão no valor de mercado das maiores corporações tecnológicas, conforme dados da Bolsa de Valores de Nova York. Essa brusca mudança se deu em função da proposta inovadora da ferramenta: oferecer serviços de inteligência artificial com eficiência comparável às soluções ocidentais, mas com custos significativamente menores.
Um dos aspectos mais surpreendentes deste lançamento é que a DeepSeek optou por deixar o código do software acessível ao público. Segundo Anderson Soares, coordenador do Centro de Excelência em Inteligência Artificial da Universidade Federal de Goiás (CEIA-UFG), essa iniciativa pode transformar completamente o mercado. “Quando você fala de qualquer tipo de produto, o custo é determinante. O grande diferencial do DeepSeek não está na qualidade superior, mas na acessibilidade. Eles tornaram o código aberto, o que significa que qualquer instituto ou empresa pode construir uma versão própria baseada na ferramenta”, explicou Soares em entrevista ao Jornal Opção.
Inovação a baixo custo
De acordo com a startup responsável pelo DeepSeek, o desenvolvimento do chatbot custou apenas US$ 6 milhões (cerca de R$ 35 milhões). Esse montante parece irrisório diante dos bilhões de dólares gastos pelas gigantes da tecnologia em treinamentos similares. A eficiência operacional também impressiona: enquanto empresas como a OpenAI utilizam supercomputadores com aproximadamente 16 mil chips para treinar suas inteligências artificiais, os engenheiros chineses empregaram apenas 2 mil chips.
O pesquisador também aprofundou a explicação sobre os aspectos econômicos por trás desses avanços. Segundo ele, a queda nos custos revolucionou não apenas a acessibilidade, mas também a maneira como os produtos são incorporados ao cotidiano das pessoas. “Antes, esses sistemas custavam centenas de milhões de dólares e agora estamos falando de alguns milhões, o que significa uma assinatura que antes poderia custar R$ 200 cair para algo como R$ 20 por mês. Isso democratiza o acesso à tecnologia em níveis que antes eram inimagináveis.” Anderson ressaltou que os benefícios não se limitam ao campo tecnológico, mas estão presentes em smartphones, e-mails e até sites comuns, que usam inteligência artificial em funções internas sem que o público perceba.
Uma guerra comercial e tecnológica
O lançamento do DeepSeek também reacendeu as tensões entre os Estados Unidos e a China no campo da tecnologia. Recentemente, o governo americano intensificou as restrições à venda de supercomputadores e componentes avançados para a China, mas o bloqueio parece ter surtido pouco efeito até o momento.
“É literalmente uma guerra comercial. Embora os Estados Unidos tenham limitado a venda de supercomputadores, houve relatos de contrabando desses equipamentos para a China”, pontuou Anderson Soares. Ele acrescentou que esses avanços podem mudar a geopolítica global. “Agora, há opções tecnológicas além das americanas, o que redistribui o poder econômico e proporciona novas alternativas a outros países”, destacou.
A competição entre China e Estados Unidos no campo da inteligência artificial traz consequências diretas para os mercados globais. Soares acredita que essa divisão pode beneficiar países como o Brasil, mas apenas se houver avanços em infraestrutura. “No Brasil, faltam condições para usufruir plenamente desta tecnologia. Isso exige uma estratégia bem definida para deixar o plano teórico e partir para a prática”, alertou o especialista.
A falta de uma infraestrutura robusta no Brasil faz com que o país seja um mero espectador das mudanças tecnológicas globais, apesar de beneficiar-se indiretamente da disseminação de tecnologia acessível. Anderson enfatizou a importância de aproveitar a oportunidade enquanto a inteligência artificial ainda está em fase de expansão, comparando a situação com o lançamento de medicamentos genéricos. “É como se a gente pudesse ver uma analogia com medicação, como se alguém tivesse descoberto um fármaco para uma doença e, em seguida, outra empresa tivesse lançado uma versão genérica mais acessível”. A China, mesmo enfrentando restrições de acesso a supercomputadores, demonstrou capacidade de criar soluções competitivas rapidamente, um cenário que Anderson classificou como “surpreendente” pelo curto espaço de tempo envolvido no progresso dessa área.
Críticas à sustentação dos custos reduzidos
Uma questão levantada por especialistas é se o custo reduzido do DeepSeek é, de fato, tão baixo quanto anunciado. Entretanto, Anderson Soares defende que esse tipo de redução é parte do ciclo natural da inovação científica. “Primeiro, resolve-se um problema. Em seguida, busca-se uma maneira de resolvê-lo a um custo menor. Esse processo aconteceu de forma extremamente rápida na inteligência artificial”, apontou ele.
Soares também destacou o papel do custo acessível na inclusão de novos mercados. Ele acredita que a estratégia da DeepSeek poderá inspirar empresas globais a buscar soluções mais econômicas, embora esse modelo possa impactar o faturamento das grandes corporações.
Para o especialista, o lançamento do DeepSeek é um marco que inaugura uma nova era na corrida tecnológica entre Estados Unidos e China. Com o avanço rápido da IA e a possibilidade de acessibilidade crescente, ele acredita que os próximos anos serão decisivos para redesenhar o cenário global. “As cenas dos próximos capítulos prometem ser emocionantes, com novos desdobramentos em uma disputa comercial e tecnológica que está apenas começando”, concluiu Anderson Soares.
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