O advogado criminalista Pedro Paulo de Medeiros avaliou, em entrevista ao Jornal Opção, os possíveis desdobramentos em torno da delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Cid é acusado de omitir informações relevantes durante sua colaboração premiada com as autoridades, o que tem levantado questionamentos sobre a validade da delação. Para Medeiros, a consequência mais provável de uma eventual omissão ou mentira por parte de Cid seria a perda dos benefícios garantidos pelo acordo.

No entanto, as informações prestadas por ele, ainda que sob suspeita, continuam válidas e podem ser utilizadas como base para a obtenção de provas, desde que sejam devidamente verificadas por meio de investigação.

“Se ela [a delação] for anulada porque mentiu ou não entregou todos os elementos que tinha, o que pode acontecer é ele, Mauro Cid, deixar de ter os benefícios da colaboração, ou seja, ele deixa de receber o prêmio. Mas as informações que ele forneceu para a Polícia e para o Ministério Público continuam absolutamente válidas e podem ser utilizadas”, afirmou.

O advogado criminalista Pedro Paulo de Medeiros

A reportagem ainda ouviu o advogado criminalista Gilles Gomes, que também afirmou que a eventual anulação da delação não necessariamente inviabilizaria as denúncias. Segundo ele, a acusação não se sustenta apenas na colaboração do ex-ajudante de ordens, mas em um conjunto mais amplo de provas.

“A delação do Mauro Cid é um dos elementos que foi utilizado pelo PGR para denunciar Bolsonaro e outras tantas pessoas”, explicou Gilles. De acordo com o advogado, além da delação de Cid, as denúncias citam relatórios da Polícia Federal, depoimentos de integrantes das Forças Armadas e da Polícia Rodoviária Federal, além de discursos e ações atribuídas ao ex-presidente.

“Se a gente tivesse eventual nulidade da colaboração prestada pelo Mauro Cid, claro que isso repercutiria contra ele, porque os benefícios que ele teria ao final do processo seriam caçados. Mas os elementos que foram utilizados a partir da delação seriam esvaziados, eles esvaziariam a denúncia?”, questionou.

Para Gilles, a resposta está no conjunto probatório mais amplo: “A pergunta que fica é: os elementos estranhos à delação são suficientes para manter a hipótese acusatória do PGR? Pelo que defende a própria PGR, sim. Esses outros elementos, inclusive os que foram sendo produzidos, são suficientes.”

Gilles Gomes, advogado criminalista | Foto: Arquivo pessoal/Cedida ao Jornal Opção

Delação x provas

Pedro Paulo explicou que a colaboração premiada não é, por si só, uma prova, mas sim uma indicação de caminhos para que a polícia e o Ministério Público obtenham provas concretas. “Colaboração não é prova, colaboração é só um caminho. Eu dou o caminho, a polícia vai produzir a prova”, disse.

E complementou: “Se tudo que ele está me dando aqui eu conseguir confirmar e fazer virar prova contra os acusados, então eu te dou o benefício”, exemplificou. Segundo Medeiros, mentir eNãom uma delação prejudica exclusivamente o delator.

Ele também esclarece que o único cenário em que uma delação pode ser anulada por completo é quando há um vício formal no processo de homologação do acordo, como ocorreu em casos anteriores da Operação Lava Jato.

“Uma segunda hipótese é ser anulada a delação como aconteceu com as da Odebrecht, que foram anuladas por vício de competência, por exemplo, do juiz. Quem homologou a delação não tinha competência para fazer isso. No caso, foi o Moro. O vício era formal”, explicou.

No caso de Mauro Cid, essa hipótese é improvável. “Quem homologou foi o Supremo. Quem é que vai falar que não podia ser o Supremo? Ninguém vai falar”, argumentou Medeiros. Ele também descartou a possibilidade de anulação por coação ou falta de voluntariedade, a menos que isso seja comprovado.

“Se mostrar que ele fez a colaboração sob coação, que teve um vício, ou que não foi espontânea ou voluntária, aí sim. Fora isso, também não anula a colaboração.”

Anulação das provas?

Gomes ponderou que uma eventual anulação da delação não levaria automaticamente à anulação das denúncias. “Não é algo automático, como as pessoas pensam”, explicou. “Imagina uma mesa com quatro pernas: se uma das pernas é a delação e as outras são esses outros elementos, a pergunta é: se eu tiro uma perna, a mesa cai? É possível que não, ou talvez sim. Depende muito.”

Sobre as provas derivadas diretamente da delação, Gilles destacou que elas podem ou não ser anuladas, dependendo das cláusulas do acordo firmado. “Em regra, os acordos de colaboração têm cláusulas que dizem que, se o acordo for descumprido, a acusação pode utilizar as provas fornecidas durante a etapa em que a colaboração estava vigente. Isso é possível”, afirmou.

“Mas resta saber como se deu o acordo entre Mauro Cid, seu advogado e a PGR.” Na avaliação dele, quem mais tem a perder em caso de anulação da delação é o próprio Mauro Cid.

“À primeira vista, o maior implicado e prejudicado seria ele. Porque deixa de ser colaborador, se torna réu comum, perde os benefícios e vai ter que fazer a defesa dele como implicado no esquema todo, sem ter no horizonte a promessa de redução ou isenção de pena”, concluiu.

Entendimento contrário

Em entrevista ao Jornal Opção, o advogado Demóstenes Torres, que atua na defesa do ex-comandante da Marinha, Almir Garnier, ressaltou que a anulação da delação também implicaria na anulação das provas produzidas a partir dela. Mas que, ao mesmo tempo, não seria inevitável que essas provas poderiam ser conseguidas de outras maneiras.  “Como Mauro Cid apresentou umas 12 versões diferentes, cada hora ele fala uma coisa, aumenta, diminui, o Supremo muito provavelmente vai derrubar sua a delação. Se isso acontecer, tem duas coisas. As provas diretamente derivadas dessa delação devem ser anuladas. Se forem anuladas, automaticamente deixam de ser contempladas”, afirmou Demóstenes Torres.

Ao mesmo tempo, o advogado pondera que, mesmo que a delação e as provas derivadas sejam anuladas, poderiam haver outros meios de conseguir comprovar fatos apresentados por Mauro Cid, conseguindo essas informações por outros meios, o que segundo o advogado “seria algo inevitável”.

“Mesmo que haja nulidade, se aquelas provas que estão ali, independentemente da palavra do delator, se puderem ser descobertas por outra fonte, as provas sobreviveriam, não é inevitável. Mas isso é um exercício que precisa ser demonstrado. Por isso, é uma tese que hoje tem alguma relevância, mas o correto é anulou isso, anula aquilo”, afirmou.

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