CPI não põe “genocida” na testa de Bolsonaro, mas deveria acusá-lo, sim, de homicídio
20 outubro 2021 às 19h44
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Presidente cometeu série de atos que não podem passar impunes, justamente porque causaram o aumento do morticínio da pandemia brasileira
De acordo com o relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Senado que apurou a condução da pandemia no Brasil, Jair Bolsonaro será enquadrado em nove crimes, a seguir (por ordem alfabética):
- charlatanismo;
- crime contra a humanidade;
- crime de responsabilidade.
- emprego irregular de verba pública;
- epidemia com resultado de morte;
- falsificação de documentos particulares;
- incitação ao crime;
- infração a medidas sanitárias preventivas;
- prevaricação.
Depois de muita discussão entre seus membros, a CPI decidiu não indiciar o presidente por genocídio contra indígenas. Realmente, o termo “genocida” se refere a um morticínio causado a uma comunidade populacional em especial. Nesse ponto de vista, torna-se discutível que tenha realmente havido um genocídio por aqui, já que, em termos de mau tratamento aos brasileiros durante a pandemia, Bolsonaro foi bem democrático.
Mas não é compreensível como os senadores deixaram de lado também a acusação por homicídio comissivo por omissão. Explicando: é aquilo que ocorre diante de uma morte (ou milhares, no caso) a qual o acusado deveria ter agido para tentar evitá-la. Ou seja: alguém é acusado de homicídio comissivo por omissão quando deixa de agir para impedir a ocorrência de determinado evento quando era exatamente esse seu dever.
O jornalista Reinaldo Azevedo, em seu blog no portal UOL, esmiúça ainda mais a questão:
Quando à acusação de homicídio comissivo por omissão, que foi retirada — e isso implicaria pouco dano adicional a Bolsonaro se fosse condenado pelos demais crimes –, querem que eu diga o quê? Parece-me ter havido um apego excessivo à palavra, tanto que a questão ganhou o noticiário mundo afora.
Reitero o que já escrevi aqui. O Artigo 13 do Código Penal explicita o que a qualquer pessoa razoável soa óbvio. Imputa-se o crime a quem lhe deu causa. E a causa pode estar na ação e na omissão. Quando se é autoridade, especifica o Parágrafo 2º, a “omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado”. E “o dever de agir incumbe a quem: tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância” e a quem “com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado”.
Parece-me que o artigo foi redigido para Jair Bolsonaro. Como costuma dizer o povo, eis aí “escarrado” o presidente do Brasil. O fato de que ele tenha concorrido, de muitos outros modos, para a morte de milhares de pessoas não lhe retira dos ombros também essa responsabilidade.
É por aí que está a questão: Bolsonaro, com seus pronunciamentos, sua protelação da compra da vacina, sua obsessão por propagandear medicamentos ineficazes, com o desprezo ao uso de máscaras e o apreço às aglomerações, contribuiu ou não para o agravamento do número de mortes por Covid-19 no Brasil?
Ou seja, de outra forma, se Bolsonaro se comportasse como outros governantes mundiais, qual teria sido o número de óbitos? Menor, igual ou maior?
Essa é a pergunta, que, não por coincidência, já foi respondida por pesquisas científicas. Seus coordenadores, a propósito, estiveram na CPI para relatar o que apuraram. Pedro Hallal, do grupo Estudo Covid, da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e Jurema Werneck, da Anistia Internacional e Movimento Alerta, apresentaram aos senadores números que provavam que, no primeiro ano de pandemia no Brasil – ou de março de 2020 a março de 2021 – cerca de 120 mil vidas, entre mais de 300 mil, teriam sido poupadas.
Ao deixar de tomar a frente do processo e, mais do que isso, agir contra as determinações sanitárias que uma crise pandêmica impõe, Bolsonaro, respectivamente, deixou na mão grande parte da população que ele próprio governa e, para outra parte, criou a ilusão de que tudo estaria bem se a vida fosse tocada normalmente, “no máximo toma uma cloroquina aí”.
São atos que não podem passar impunes e que, de uma forma ou de outra, parecem contemplados com a lista imensa de crimes. Mas não custava nada dar o nome direto ao que de fato e notadamente corresponde ao que foi feito e repetido pelo próprio presidente com o desprezo à vida (“e daí? não sou coveiro!”) e a conformação com a morte (“todos vamos morrer um dia”).