Com um público ainda muito apegado às próprias raízes, chefs de cozinha trabalham para adaptar os pratos mexicanos aos costumes brasileiros

| Foto: Divulgação/ Sí, Señor!
Jalapeño na decoração do prato: fama de muito apimentada assusta os goianos e leva restaurantes a suavizar a presença da iguaria | Foto: Divulgação/ Sí Señor!

Mesmo sem ter uma comunidade mexicana expressiva, Goiânia ganhou, nos últimos anos, algumas boas opções pra quem quer conhecer a culinária do País. Misturando elementos típicos da nação caribenha com a famosa culinária Tex-Mex (da fronteira entre México e EUA), os tacos, burritos e chillis despertam a curiosidade do goiano.

Goiânia conta com pelo menos cinco casas que atraem clientes com a oferta de comida mexicana: Si Señor!, La Eskina, Los Compadres, Las Birittas e Dalí (que mistura a culinária do México e da Espanha). Na onda do sucesso dos food trucks, o La Frida também leva tacos e chilli para feiras e festivais.

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Famosa por seus temperos fortes e pimentas “calientes”, a comedoria mexicana causa certa relutância nos frequentadores dos locais. Mesmo curioso, há hesitação do público, que resulta em algumas mudanças nos menus destes restaurantes.

“O cardápio não é um cardápio apimentado, é mais suave”, exemplifica Fernando Negrão, gerente do Sí Señor!, franquia nacional que funciona no Shopping Passeio das Águas. Segundo ele, a maior preocupação do proprietário da rede, Eli Abada, foi diminuir os sabores picantes do menu para atrair os clientes — e se adequar ao paladar dos clientes.

Embora comer pimenta seja um forte hábito do mexicano, neutralizar esse ingrediente nos pratos foi fundamental para abrir a cabeça não só do goiano, mas do brasileiro em geral à culinária do País.

“Do nosso público, 80% perguntam: ‘Ah, eu quero conhecer, mas tem muita pimenta?'”, conta Fernando. Ainda muito apegado às próprias tradições culinárias, o goianiense até se interessa por cozinhas diferentes, mas ainda reluta em mergulhar de fato na cultura gastronômica de outro País.

Por aqui, são comuns pratos de origem estrangeiras serem adaptados — basta dar um giro pela cidade que qualquer um pode se deparar com pizzas de pequi, pasteis com guariroba e sorvete de cajá-manga.

“Experimentar, mas com cautela” é regra por aqui e influencia inclusive a criação dos pratos nos restaurantes. Foi o que ocorreu, por exemplo, no La Eskina, como explica um dos sócios, o mexicano Daniel Bravo.

“Foi uma mistura dos conhecimentos do chef Angelo sobre a comida brasileira aos meus conhecimentos em comida mexicana”, diz, lembrando algumas das adaptações que teve que fazer. Uma das experiências mais marcantes de Daniel no restaurante foi a tentativa de introduzir no menu o poblano, a mistura de 27 ingredientes que resulta em um molho forte e tradicionalíssimo no México.

Originalmente servido com uma peça inteira de coxa ou sobrecoxa, o molho poblano é despejado em toda a carne. No La Eskina, a ideia não deu certo. “Colocamos o molho de lado (em uma cumbuca). Já não é mais o prato tradicional, um mexicano que viesse aqui estranharia, mas é uma adaptação para Goiânia”, conta.

Além de retirar ingredientes, às vezes é necessário trocar alguns elementos por outros. É o caso dos nachos, que, no México, são feitos com milho. Bravo tentou colocar os nachos de milho no cardápio, mas não teve boa aceitação. Então, durante um ano, eles comercializaram apenas nachos de trigo. “Depois fomos introduzindo alguns de milho no meio dos de trigo. No segundo ano, parei de fazer nachos de trigo, mas foi uma mudança gradual”, exemplifica.

“O desafio é a gente conseguir uma aceitação da cozinha tradicional mexicana. Tem que ser gradualmente, não se pode ser de uma vez”, diz um dos sócios do La Eskina, Daniel Bravo

A opinião do empresário é que muitos pratos podem ser introduzidos nos restaurantes, mas é preciso ter cautela e “ir com calma”. Ele aponta, por exemplo, a mudança no próprio consumidor como um motivo para não desistir quando um prato não fizer sucesso imediato. “O consumidor há dez anos era um pouquinho mais fechado, não viajava tanto. Hoje, já viajou, foi ao México, aos Estados Unidos, foi exposto a outras coisas e quando volta, volta procurando”, opina.

Além disso, o empresário acredita que só de procurar o restaurante, há desejo do consumidor em conhecer. “Uma vez que a pessoa entra aqui já mostra disposição para experimentar uma coisa nova”, completa.

Raízes

À exceção do Las Birittas, todos os restaurantes em Goiânia realmente têm foco no México, mas com “ressalvas”. No Los Compadres, a comida mexicana divide espaço com massas e frutos do mar. No La Eskina e no Sí Señor!, é possível comer hamburgueres, onion rings, batata frita e costelinha com barbecue. O Dalí tem muita variedade de pratos do México, mas também foca na culinária espanhola.

A estratégia de inserir pratos diferenciados é, inclusive, uma questão de sobrevivência. Os restaurantes são empresas e, como tais, precisam de lucro. Fernando explica, por exemplo, que as comidas no estilo fast food são voltadas principalmente para crianças, que quase nunca estão interessadas nas aventuras gastronômicas dos pais.

Tacos: as tortillas recheadas são um dos mais fortes pratos da culinária mexicana | Foto: Bruna Aidar/ Jornal Opção
Tacos: as tortillas recheadas são um dos mais fortes pratos da culinária mexicana | Foto: Bruna Aidar/ Jornal Opção

Servir o cliente, claro, também é a orientação mais geral de todas as casas. Mais que conhecer a culinária estrangeira, o público do restaurante quer ter uma experiência gastronômica prazerosa, mesmo que isso envolva tirar da receita ingredientes fundamentais. “O burrito vai com frijoles, que é o feijão. Se o cliente não quiser o frijoles, a gente tira”, exemplifica Fernando. O chef Marcos Antonio, do Los Compadres, concorda: “O pessoal tem mais opção, né. Eles vêm, mas às vezes não querem comer mexicano, oferecemos uma massa, um risoto, por exemplo”.

Mas a presença de pratos de outros Países não anula a busca por pratos mais fidedignos. Quando o La Eskina abriu sua segunda unidade na cidade, Daniel trouxe, inclusive, uma churrasqueira bem comum na Cidade do México para fazer os populares tacos Al Pastor, segundo ele, a comida de rua mais famosa na capital.

“É uma churrasqueira vertical, conhecida como Trompo (pião, em português)”. “Reproduzimos um lugar bem parecido com as taquerias do México, trouxemos chefes mexicanos”, relata. O Al Pastor, servido com com carne cortada, coentro, cebola e abacaxi, é um dos destaques da casa.

Bianca Bianchi criou a La Frida Taqueria com a irmã, Manoela, e explica que a busca pelo “verdadeiro mexicano” é fundamental no Food Truck das duas. Ela estudou gastronomia no Instituto Gastronômico das Américas (IGA), onde começou a aprender sobre cozinha em geral. “O aprofundamento sobre a culinária mexicana foi por conta própria, procurando receitas autênticas, como achar produtos aqui que cheguem o mais perto possível dos de lá”, explica.

Para ela, é importante ficar atenta ainda às mudanças e novidades, já que a culinária não é estática. “Essa pesquisa provavelmente nunca vai ter fim, porque sempre tem alguma coisa nova”, afirma. Segundo Bianca, o projeto para o La Frida é mudar um pouco do cardápio de tempos em tempos pra trazer inovações, “mas sem mudar o foco, que são os tacos”.

Autenticidade

A questão do que é tradicional ou autêntico, claro, levanta muita polêmica. Muito do que os brasileiros conhecem da comida mexicana vêm da imagem popularizada pelas redes de fast-food estadunidenses, como a Taco Bell e a Chipotle. É a famosa comida Tex-Mex: inspirado no termo usado por jornalistas para se referir à rodovia Texas Mexican Railway, que liga os dois Países, o termo define a culinária une aspectos das duas culturas.

Daniel Bravo comenta que, ao contrário do que pode parecer, as influências americanas não anularam as tradições mexicanas. Segundo ele, a parte americana do Tex-Mex não é tão expressiva assim e está em detalhes, como os tacos crocantes. O burrito também é bem característico dessa culinária, mas nasceu, na verdade, na fronteira do México com os EUA.

É importante ressaltar, como destaca a doutora em Ciência Social na área de Antropologia do Alimento, Janine Collaço, que a culinária de um País têm elementos que se firmam como mais conhecidos e a tendência natural é que se reproduzam esses pontos específicos.

“Eu vejo Goiânia como mais conservadora, então a tendência é reproduzir o que há de mais conservador, nesse caso, então, reproduzir o estereótipo. Qual o estereótipo da comida italiana? Massa e o molho de tomate. Qual é o estereótipo da comida mexicana? Guacamole, nachos, pimenta, quesadillas, margarita…”, defende. “Cosmopolitismo na faixa de segurança”, brinca.

Janine baseou sua tese de doutorado na cozinha italiana no Brasil e destaca principalmente as construções de discurso que tentam criar a ideia de uma culinária unificada. “Cada fluxo de imigrante [da Itália] vinha de um lugar diferente, cada um com um tipo de ‘culinária'”, pontua. “Tive dois interlocutores que disseram que não conheciam cozinha italiana, porque eles não conheciam lasanha, eles não conheciam canelone, nada disso, que eles nunca tinham visto”, conta ela.

Uma das maiores conclusões do seu trabalho foi de que as cozinhas são construídas localmente e recebem grandes influências do País em que é inserida. Ela reforça a ideia de Bravo, pra quem o termo correto pra designar a cozinha mexicana no Brasil seria outro: “Eu gosto de falar que é Bras-Mex – comida tradicional mexicana, adaptada ao gosto brasileiro”.

Deu fome? Confira as opções de restaurantes mexicanos que a cidade oferece:

Sí Señor

| Foto: Bruna Aidar/ Jornal Opção
Funcionando há pouco mais de um ano no Passeio das Águas, a casa é assumidamente Tex-Mex | Foto: Bruna Aidar/ Jornal Opção

Destaques: Os bolinhos Jalapeño Poppers, o combo Playa del Carmo, tacos e Margaritas Frozens, feitas com tequila El Jimador

Localização: Shopping Passeio das Águas (Av. Perimetral Norte)

Horário de Funcionamento: Domingo, Segunda e Feriado das 12 às 23h; Sexta, Sábado e véspera de Feriado das 12 às 00h

Contato: (62) 3605-8362

La Eskina Sabores do México e La Eskina Taqueria

Com duas unidades em Goiânia, casa recria ambiente típico, inclusive com os famosos sombreros para clientes tirarem fotos | Foto: Divulgação
Com duas unidades em Goiânia, casa tem ambiente temático, inclusive com os famosos sombreros para clientes tirarem fotos | Foto: Divulgação

Destaques: Tacos Al Pastor e Alambre, e tequilas importadas

Localização: Rua 22, Esq. c/ Av.11, Setor Oeste (Sabores) e Av. T-4, Qd. 123, Lt. 07, Nº 385, Setor Bueno (Taqueria)

Horário de Funcionamento: Terça à quinta das 19 às 0h; sexta, sábado e vésperas de feriados das 19 à 1h. Setor Oeste fechado aos domingos e Setor Bueno às segundas.

Contato: (62) 3636-1427 (Sabores) e 3954-3400 (Taqueria)

Los Compadres

Destaque da casa são as apresentações ao vivo | Foto: Bruna Aidar/ Jornal Opção
Destaque da casa são as apresentações ao vivo| Foto: Bruna Aidar/ Jornal Opção

Destaques: Tacos, totopos, flautas mexicanas e Nachos Fiesta

Localização: Rua 139, esquina com a 147, Nº 54, St. Marista

Horário de Funcionamento: Terça a sexta-feira: Jantar das 20:00 às 02:00; Sábado: Almoço das 11:30 às 15:00 e jantar das 20:00 às 02:00

Contato: (62) 3928-8800

Dalí

| Foto: Divulgação
Restaurante no Nova Suiça mistura a culinária mexicana e espanhola | Foto: Divulgação

Destaques: Nachos, fajitas, chilli beans especial, burritos, quesadillas, hard taco, Spicy Chicken Wings e o combo plato combinado

Localização:  Rua C-259, Nº 55, Setor Nova Suiça

Horário de Funcionamento: Terça a domingo das 18h às 2h

Contato: (62) 3095-2112

Las Birittas

| Foto: Bruna Aidar/ Jornal Opção
Apesar do nome, restaurante tem poucas opções da culinária mexicana | Foto: Bruna Aidar/ Jornal Opção

Destaques: Tacos e quesadillas

Localização: Rua Teresina, Quadra 6, Jardim Goiás

Contato: (62) 3281-2561

 

 

 

 

La Frida

| Foto: Bruna Aidar
A preocupação do La Frida é buscar fazer tacos o mais autênticos possível | Foto: Bruna Aidar/ Jornal Opção

Destaques: Tacos de fraldinha e chilli

Localização: O food truck está semanalmente no Happy Hour com Estilo, na Casa Antonieta, no Setor Marista (sexta-feira, das 17 às 23h, na Alameda Dom Emanuel Gomes), mas marca presença também em festivais e feiras. Para conferir onde o La Frida vai estar, basta seguir o Instagram delas, @lafridatacos

Contato: (62) 8213-4623