Contaminação por agrotóxicos se espalha por rios brasileiros, diz pesquisa
29 dezembro 2024 às 19h00
COMPARTILHAR
Um estudo divulgado recentemente pelo governo federal revelou a presença de agrotóxicos no rio Tocantins, que atravessa os estados de Tocantins e Maranhão, embora o resultado tenha sido menos alarmante do que se temia após o acidente envolvendo a queda da ponte Juscelino Kubitschek, em agosto.
A tragédia, que resultou na morte de 10 pessoas, teve um impacto potencialmente devastador sobre a qualidade da água local, dado que caminhões que transportavam herbicidas e ácido sulfúrico caíram no rio. No entanto, a análise concluiu que os tonéis contendo essas substâncias não se romperam, evitando uma contaminação imediata.
Apesar disso, o estudo revelou que o rio já apresentava níveis de agrotóxicos que são comuns em áreas agrícolas do Brasil, mas que seriam considerados inaceitáveis em outras partes do mundo, como a União Europeia. O herbicida 2,4-D, por exemplo, foi encontrado na concentração de 0,2 microgramas por litro (µg/L). Esse composto, classificado como potencialmente cancerígeno por organismos internacionais, é amplamente utilizado no país, embora seja proibido em diversos países.
Danilo Rheinheimer dos Santos, professor da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e especialista em agrotóxicos em corpos d’água, comentou sobre a constatação de que todos os rios do Brasil, de alguma forma, estão contaminados por essas substâncias. “Com a frequência e a diversidade de agrotóxicos utilizados no país, podemos afirmar com certeza que há contaminação generalizada. O que varia é o nível de intensidade, mas é uma realidade presente em todas as bacias hidrográficas”, afirmou Rheinheimer.
A presença de agrotóxicos na água não é um fenômeno isolado. Pesquisa anterior, realizada pela Repórter Brasil e publicada em 2023, indicou que, em 210 municípios brasileiros, incluindo grandes cidades como São Paulo, Fortaleza e Campinas, foram encontrados resíduos de 27 tipos diferentes de agrotóxicos em águas consumidas pela população. A análise foi baseada em dados do Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano (Sisagua), que monitorou a qualidade da água em 2022.
Entre as substâncias detectadas, o 2,4-D se destaca não apenas pelo seu uso recorrente no Brasil, mas também por sua associação com o “agente laranja”, herbicida usado durante a Guerra do Vietnã. Embora o governo tenha considerado a presença dessa substância no rio Tocantins como “normal”, dado o contexto agrícola da região, especialistas como Rheinheimer questionam a aceitação de níveis tão elevados de agrotóxicos no Brasil.
Para ele, se a mesma concentração fosse encontrada em países da União Europeia, a água seria considerada imprópria para consumo humano, o que levanta sérias preocupações sobre os padrões de segurança adotados no país.
O contraste entre as regulamentações brasileiras e europeias em relação ao uso de agrotóxicos é um tema amplamente debatido. A pesquisadora Larissa Bombardi, da Universidade de São Paulo (USP), tem se dedicado a investigar as disparidades entre os limites permitidos de resíduos de agrotóxicos em água potável.
Em seu estudo, Bombardi constatou que, no Brasil, a concentração permitida de glifosato na água potável é 5.000 vezes maior do que o limite estabelecido na União Europeia. Além disso, o resíduo de malationa permitido no Brasil é 400 vezes superior ao limite europeu.
Bombardi, que se tornou alvo de ameaças devido à divulgação de seus estudos, critica o modelo agrícola adotado no Brasil, que, segundo ela, expõe a população brasileira a riscos elevados, enquanto outros países impõem restrições mais severas. “O uso indiscriminado de agrotóxicos no Brasil é um reflexo de um sistema que trata sua população de forma desigual, como se valesse menos do que a de outras partes do mundo”, afirmou a pesquisadora em recente entrevista.
O impacto dos agrotóxicos vai além da qualidade da água potável. Organizações ambientais e pesquisadores têm alertado para os danos ambientais e de saúde associados ao uso excessivo de produtos químicos na agricultura, apontando que a contaminação de rios e lençóis freáticos pode ter consequências a longo prazo para os ecossistemas e para as comunidades que dependem dessas águas para consumo, irrigação e atividades econômicas.
A divulgação dos dados sobre a qualidade da água do rio Tocantins e as críticas dos especialistas ressaltam a urgência de uma revisão das políticas de controle de agrotóxicos no Brasil. A implementação de práticas agrícolas mais sustentáveis e a adoção de uma legislação mais rigorosa sobre o uso de substâncias químicas podem ser medidas essenciais para mitigar os riscos à saúde pública e proteger os recursos hídricos do país.
Leia também Após acidente com caminhão de agrotóxicos, Semad finaliza descontaminação do Rio Vermelho;