Conheça a língua brasileira esquecida, conhecida como língua geral
22 novembro 2024 às 17h58
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Por muitos séculos, o Brasil não foi um lugar onde o português dominava o cotidiano. Durante grande parte da história colonial, os colonizadores portugueses, os indígenas, os africanos e os mestiços se comunicavam por meio de uma língua que ficou conhecida como Língua Geral. Esta língua era uma variação do tupi, que com o tempo sofreu a influência do português e se tornou a principal forma de comunicação do Brasil colonial. Embora tenha sido falada em grande parte do território brasileiro, ela acabou sendo esquecida, mas ainda existem esforços para preservar suas últimas manifestações, sobretudo na Amazônia.
Quando Pedro Álvares Cabral chegou ao Brasil em 1500, o português era praticamente inexistente entre os povos nativos. O território brasileiro era habitado por uma grande diversidade de povos indígenas, cada um com sua própria língua: tupi, aruak, karib, ianomâmi, entre outros. Devido à diversidade e ao número reduzido de colonos portugueses, o português não era uma opção viável para a comunicação imediata. Assim, os colonizadores passaram a aprender as línguas nativas, e o tupi se destacou como a mais importante delas, especialmente entre os povos do litoral brasileiro. A partir dessa interação, surgiu a chamada “língua geral”, que acabou por ser adotada em boa parte do Brasil por séculos.
Embora inicialmente fosse apenas uma variação do tupi, a língua geral evoluiu ao longo do tempo, sendo profundamente influenciada pelo português e se tornando a língua franca de diferentes grupos. Era por meio dela que se comunicavam comerciantes, missionários, fazendeiros, bandeirantes, indígenas e africanos. O português, por outro lado, era falado apenas pelos governantes e na administração colonial, sendo restrito aos documentos oficiais e aos altos escalões da Coroa. A língua geral dominou a vida cotidiana por mais de dois séculos, mas com o tempo foi perdendo espaço, até se tornar quase desconhecida fora dos círculos acadêmicos.
O conceito de “língua geral” remonta à experiência da colonização, que na América Hispânica, levou ao uso de línguas nativas como meio de comunicação entre os conquistadores e as populações locais. Ao contrário dos espanhóis, que entraram em contato com grandes impérios como os astecas e incas, os portugueses chegaram a um território onde a diversidade linguística indígena era vasta, mas não havia um império centralizado. Assim, os colonizadores começaram a aprender e adaptar as línguas locais, em especial o tupi, que rapidamente se espalhou ao longo da costa brasileira e entre os povos indígenas do interior.
A língua geral paulista, por exemplo, surgiu no século XVI entre os filhos de indígenas e portugueses, conhecidos como mestiços. Falada principalmente na região de São Vicente e nas áreas adjacentes, ela se espalhou ao longo dos anos, especialmente com a expansão dos bandeirantes, que a levaram para o interior do Brasil em suas expedições. Com o tempo, a língua geral se estendeu para outros estados, como Minas Gerais, Paraná e Goiás, e tornou-se fundamental para o comércio e a exploração de novas terras. Mesmo assim, sua difusão não foi suficiente para resistir ao crescente poder do português, que foi se impondo como a língua oficial do Brasil.
Enquanto isso, no Norte do Brasil, uma variação da língua geral também se formou. Após a expulsão dos franceses do Maranhão, os portugueses se estabeleceram na região e entraram em contato com os tupinambás, que falavam uma forma do tupi. Assim nasceu a língua geral amazônica, que também se espalhou entre outros povos da região e se tornou uma ferramenta importante de comunicação. Mesmo com a crescente presença de portugueses e africanos, que falavam o português, a língua geral continuou sendo a principal forma de comunicação até o século XIX, especialmente no Amazonas, onde era a língua usada nas relações comerciais e sociais.
Porém, a língua geral enfrentou sérios desafios a partir do século XVIII. Em 1758, o Marquês de Pombal, inspirado pelas ideias iluministas, promulgou um decreto que proibia o uso das línguas gerais, incluindo a tupi e suas variações. Esse movimento visava fortalecer o poder central da Coroa Portuguesa, minimizando a influência da Igreja Católica, que usava essas línguas para a catequização dos indígenas. Embora o decreto tenha limitado o uso das línguas gerais em áreas de administração e ensino, a língua continuou sendo falada, especialmente nas áreas rurais e entre as populações mais isoladas.
O verdadeiro fim da língua geral ocorreu com a grande mudança demográfica que o Brasil sofreu após a descoberta de ouro em Minas Gerais no final do século XVII. A migração em massa de europeus, especialmente portugueses, que não falavam a língua geral, e a crescente chegada de africanos escravizados, que também precisavam aprender o português, fez com que a língua se tornasse cada vez mais marginalizada. No início do século XIX, o português já havia se imposto como a língua dominante, e a língua geral, que ainda resistia nas regiões mais distantes, foi praticamente esquecida.
Hoje, a língua geral sobrevive apenas em vestígios, mas há esforços para mantê-la viva, especialmente na forma do nheengatu, a variante amazônica da língua geral, que ainda é falada por alguns grupos indígenas no Amazonas e em outros países da Amazônia, como a Venezuela e a Colômbia. Embora esteja em risco de extinção, o nheengatu continua a ser um símbolo cultural de resistência e identidade para os povos indígenas da região. Em alguns lugares, como em São Gabriel da Cachoeira, o nheengatu é oficialmente reconhecido e ensinado nas escolas, e até empresas como a Motorola passaram a incluir o idioma em seus dispositivos.
A história da língua geral é uma parte fundamental da formação do Brasil, pois foi ela que permitiu a comunicação entre os diversos povos que ajudaram a construir o país. A sua perda não é apenas uma questão linguística, mas também um reflexo de um passado marcado pela imposição de uma língua sobre outras e pela extinção de culturas indígenas. A preservação do nheengatu e outras línguas indígenas é um passo importante para resgatar e valorizar esse patrimônio cultural único.