Reinaldo Pantaleão, popularmente conhecido como Professor Pantaleão, é uma figura cativante, culta e complexa. Na oportunidade de escolher qualquer lugar para a entrevista, ele pediu que a equipe do Jornal Opção fosse até o Parque Itatiaia, próximo à Universidade Federal de Goiás (UFG) e à sua casa, onde o historiador político, de cabelos grisalhos e sorriso constante, vive há décadas.

Ali, no centro de esportes do parque, Pantaleão narra sua trajetória, revelando um homem moldado por mais de meio século de envolvimento com as causas sociais e políticas, um educador que jamais abandonou a essência do combate.

Em Goiânia, ele é conhecido tanto por seu papel de professor quanto por suas constantes investidas eleitorais e sua ideologia comunista, muitas vezes mal compreendida. Para alguns, estar ao lado dele é caminhar perigosamente próximo dos ideais marxistas, e seus opositores frequentemente o associam a visões radicais.

No entanto, seu carisma e sua vasta experiência fazem com que, até mesmo em debates públicos, como o Opção Debate 2024, onde candidatos à prefeitura se enfrentam, a maioria reconheça nele uma figura respeitável, com uma história de vida difícil de ignorar.

Ativo politicamente desde os 13 anos, quando ainda era estudante no Colégio Pedro Gomes, Pantaleão revela que sua entrada no ativismo foi impulsionada pelo interesse que tinha nos livros sugeridos pelos colegas comunistas, em plena Ditadura Militar. “Eu sempre fui rebelde”, confessa, ao relembrar a juventude e o ambiente efervescente daquela época.

A revolução, para Pantaleão, começou ali e nunca terminou, permanecendo uma constante em sua vida, seja nas salas de aula, nas trincheiras da militância ou nas urnas eleitorais.

O jovem revolucionário

Filho de um sargento e de uma espírita, Pantaleão cresceu em Campinas, Goiás. A infância, como relembra, foi marcada por um ambiente familiar de valores sólidos, moldados pelas convicções do pai, que enfrentou severas represálias após apoiar o governador Mauro Borges contra o regime militar.

“Meu pai foi punido. Mesmo com o rebaixamento de salário, ele nunca se rendeu. Morreu defendendo Mauro Borges, e isso me marcou profundamente”, relata o professor, orgulhoso ao recordar a trajetória do pai.

Ele conta que o pai era sargento, e relembra a história de como eles acreditaram que viria de São Paulo um carregamento de armas e munições; quando na verdade caiam em uma armadilha contra o então governador, Mauro Borges. “Meu pai disse que eles prepararam tudo, só faltava receber isso, mas ele começou a chorar quando abriu o carregamento. As armas estavam todas novinhas, mas nenhuma munição veio com elas”.  

Aos 13 anos, enquanto cursava o Colégio Pedro Gomes, Pantaleão teve seu primeiro contato com a ideologia comunista. Ali, ele encontrou em livros e conversas com colegas, muitos deles já engajados em movimentos de resistência, uma nova perspectiva de mundo. O contexto político da época era tenso e as ideias revolucionárias eram consideradas perigosas ameaças à ordem estabelecida.

Foi nesse ambiente que o jovem Reinaldo se juntou a um pequeno grupo de amigos, batizado com o acrônimo KOBRA . “Achamos um nome elegante para o grupo de amigos”, lembra ele com uma pitada de humor. Mal sabiam os militares que o temido grupo “terrorista” era, na verdade, uma reunião de cinco jovens idealistas: Kléber Adorno, Oélcio Aguiar, Brasigóis Felício, Reinaldo Pantaleão e Antônio Gomes; conforme relatou o (agora jornalista) Antônio Gomes.

O professor nas trincheiras da educação

Foto: Divulgação.

Foi na universidade que Reinaldo Pantaleão mergulhou definitivamente nas lutas estudantis. A escolha por lecionar História não foi mero acaso, mas sim um reflexo do desejo de partilhar o que havia aprendido nas trincheiras da militância e nas leituras dos grandes teóricos socialistas.

Em 1968, ainda na efervescência do regime militar, Pantaleão começou a dar aulas em colégios particulares de Goiânia. Anos depois, ingressou no ensino público estadual. “Fui professor de muita gente importante por aí, incluindo a deputada Adriana Accorsi”, conta ele, referindo-se à ex-aluna que, curiosamente, agora é sua adversária na disputa pela prefeitura de Goiânia.

Inspirado por Paulo Freire, ele acredita no poder transformador da educação. “Com um bom professor e um aluno dedicado, o aprendiz supera o mestre”, diz, reforçando sua crença no potencial emancipatório do conhecimento.

Testemunha da história de Goiás

Ao longo de mais de quatro décadas de ensino, ele testemunhou as transformações sociais do Brasil, sempre com a postura crítica e a coerência de quem testemunhou intensamente, e de perto, cada período da história recente do país.

“Em 1970, com o professor Niso Prego, ajudei a levantar uma das mais lindas greves que Goiania já viu. Eu ajudei a fundar o Sintego, quando ninguém falava sobre isso ainda, foi nessa época que o Hebert criou o Jornal Opção, inclusive, ele deu total apoio para nós”.

O professor aproveita a recordação para afirmar que, em seu ponto de vista, os jornalistas sao os responsáveis por escrever o que se tornará a história. “Jornalistas tem o trabalho fundamental de escrever a história no presente, enquanto ela acontece”, ele também ressalta a importancia de veículos que dao destaque local, como o Jornal Opção faz com Goiás, Tocantins e entorno do Distrito Federal.

“Adorei aquele debate no Opção, porque me deu a oportunidade de mostrar as propostas e debater ideias”, comentou sobre um dos poucos debates para o qual foi convidado.

Ditadura, resistência e anistia

Pantaleão não se contentou apenas em atuar nas salas de aula. Nos anos 70, ele participou ativamente das lutas pela anistia e pelos direitos civis. No comitê goiano pela anistia, exerceu o cargo de Primeiro-secretário, ao lado de figuras como Therezinha Zerbini, esposa do general que se recusou a apoiar a Ditadura Militar.

Quanto aos Zerbini, a família sofreu bastante. A advogada Eugenia Zerbini, filha do casal, relata na Comissão da Verdade e Justiça que tinha 16 anos em 1970 quando foi levar roupas para a mãe presa e sofreu violência sexual dos militares. “Agora que tornei isso público, fiquei mais leve. Sei que não foi a mim, eles estavam fazendo isso para atingir meu pai e minha mãe. E eu fui um veículo que estava a mão”, afirmou no depoimento.

A repressão que abateu o Brasil durante esse período não foi esquecida pelo professor. “Sabemos que houve um acordo entre o MDB e o Arena para não punir ninguém”, afirma. “Mas nós, que vivemos aquilo, sabemos que o perdão nunca foi completo. Enquanto países como Argentina e Chile puniram os responsáveis pelos horrores das ditaduras, o Brasil silenciou.”

Essa visão de uma reparação histórica é algo que Pantaleão carrega como uma missão. Ele não clama por vingança, mas por justiça, por uma memória que não permita que as atrocidades cometidas pelo regime se apaguem das páginas da história. Para ele, a luta pela verdade e pela conscientização social é uma das grandes responsabilidades dos professores de história, profissão que exerce com vigor e orgulho.

As transições partidárias e o caminho até o UP

“A questão é que precisamos contar essa história sem mentiras. Sempre digo que um professor de história sempre é professor ou mentiroso. Quando eu vou para um debate de ideias, se vier com mentira eu vou para o embate, porque eu vivi aquilo, posso te listar os nomes”, disse o professor, insatisfeito com a desinformação que políticos geram desde aqueles tempos até os dias atuais em solo brasileiro.

O caminho político de Pantaleão foi marcado por diversas transições partidárias, sempre guiadas por suas convicções ideológicas. Fundador do PT nos anos 80, ele disputou várias eleições pelo partido, mas começou a se afastar com o passar do tempo, especialmente após a nomeação de Henrique Meirelles para o Ministério da Fazenda durante o governo Lula.

“Tive divergências, mas nunca saí xingando ninguém”, ele frisa, reafirmando seu respeito pelas trajetórias divergentes. Pantaleão também participou da fundação do PSOL, permanecendo no partido até 2016, quando percebeu que sua visão já não se alinhava com a linha adotada pela sigla.

Em 2019, encontrou no recém-criado Unidade Popular pelo Socialismo (UP) uma nova casa política. A UP, segundo Pantaleão, representa um retorno às raízes revolucionárias, com uma juventude disposta a enfrentar o fascismo sem medo. “O UP tem um princípio firme: não temos medo do choque”, declara, referindo-se à postura intransigente do partido diante das ameaças autoritárias.

A política atual do professor

Pantaleão continua firme em suas convicções políticas, defendendo um projeto de sociedade baseado no socialismo e na justiça social. Sua coerência ideológica, que atravessa décadas, é um dos pontos que mais chamam a atenção. Mesmo com o passar dos anos e as mudanças no cenário político, ele permanece fiel aos princípios que o guiaram desde a juventude.

“Quando nós da esquerda não reconhecemos um erro, é um equívoco. Até porque Marx estudou profundamente o capitalismo, como ninguém, para poder criticá-lo”. Afirma o professor sobre a necessidade de conhecer além das sua prórias teorias e crenças, mas de estudar a política de forma ampla.

Ele explica que no socialismo, o estado desaparece, mas isso depende de uma consciência coletiva, principalmente de classe. “Como eu não sou ingênuo, sei que esse é um processo longo, mas esse é o caminho que trilhamos na UP hoje, juntos”, disse esperançoso na nova geração.

Unidade Popular pelo socialismo

Em 2024, mais uma vez, ele coloca seu nome à disposição dos eleitores, com uma proposta que, segundo ele, “não é para quem tem medo de lutar”. Além de sua candidatura à prefeitura de Goiânia, o UP também lança duas candidaturas à vereança: uma socióloga e um historiador, ambos comprometidos com os princípios de transformação social defendidos pelo partido.

Os jovens candidatos a vereança pelo partido são Letícia Scalabrini tem 25 anos, é Cientista Social formada pela UFG e Professora, vem das lutas em defesa da educação, da juventude e das mulheres; e Vinícius Arantes tem 24 anos, é um jovem negro, estudante de história da UFG e trabalhador da região de campinas.

“A UP é um pessoal jovem, que participa ativamente da política e dirige vários Centros Acadêmicos. Incluindo as Federais do Ceará, de São Paulo, de Minas Gerais, do Rio de Janeiro. Eles também estudam muito, como diria o bom camarada Marighella, um bom revolucionário não pode deixar de estudar”.

Pantaleão acredita que, ao lado de uma equipe disposta a enfrentar os desafios de cabeça erguida, é possível transformar Goiânia em uma cidade mais justa e igualitária. “São bons jovens, revolucionários e estudiosos”.

A luta contínua

Para Pantaleão, a luta por uma sociedade mais justa e igualitária é interminável. “A luta não acaba, apenas muda de forma”, diz, com o olhar firme de quem já atravessou as mais diversas batalhas políticas. Sua candidatura à prefeitura de Goiânia é, acima de tudo, uma extensão desse combate de décadas, na esperança de que, um dia, a revolução social pela qual lutou desde a adolescência possa se concretizar.

Consciente das dificuldades e da resistência que sua plataforma enfrenta, Pantaleão permanece incansável, acreditando que as mudanças reais ocorrem quando há mobilização popular. “A mudança não vai vir de cima, vai vir de baixo, das ruas, do povo organizado”, conclui. O professor não perde uma oportunidade de reafirmar seu compromisso com as causas que defende há mais de cinquenta anos.

Para ele, a liberdade é um princípio fundamental, não apenas na esfera política, mas também na vida pessoal. “Viver fora da convenção social é, muitas vezes, um ato de resistência”, afirma Pantaleão. Ele demonstra que seus valores se estendem para além das questões públicas e invadem a sua forma de se relacionar com o mundo.

A vida pessoal de Reinaldo

Segundo Pantaleão, mesmo nao acreditando muito em religião, ele continuava levando seus filhos para a igreja. “Porque minha esposa acreditava, Inclusive, gosto muito da história que envolve São Francisco de Assis”, compartilha. Por fim, ele destaca que ninguem precisa concordar com o que diz ou pensa uma outra pessoas “mas tem que respeitar”.

“Eu era bem sucedido quando fiquei viúvo, então porque não me casei de novo, por exemplo? Porque eu sabia que os meus filhos precisavam de mim, eles tinham perdido a mãe. Eu não teria o mesmo respeito que tenho deles hoje se tivesse levado uma outra mulher para aquele espaço em seguida”. No campo pessoal, Pantaleão não esconde a importância das mulheres que passaram por sua vida.

Pantaleão sempre defendeu sua postura com serenidade, reforçando seu compromisso com o respeito e a autonomia individual dentro dos relacionamentos. E ele diz que, por enquanto, prefere não expor muitos detalhes íntimos sobre suas parceiras atuais ou passadas. Não porque seja tímido, mas porque pretende contar isso em uma biografia futura.

Entretanto, ele deixa claro que sua visão de companheirismo está baseada em igualdade e diálogo. Afinal, acredita que afeto e respeito mútuo são as bases para qualquer relacionamento saudável. Para Pantaleão, os relacionamentos, assim como a militância, são construções cotidianas que exigem dedicação, sinceridade e, acima de tudo, liberdade.

“Agora já tem 13 anos que a minha companheira faleceu, e perdi um filho. Ainda assim, eu me deito com a consciência tranquila”, compartilha Pantaleão, o patrimônio vivo da história de Goiás.

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