Com 81 mil pacientes aguardando por consultas, saúde em Goiânia é loteria, reclamam usuários
07 setembro 2024 às 12h38
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A saúde pública é um dos principais temas de preocupação da população goianiense, especialmente com aproximação das eleições municipais de 2024. Os relatos de usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) na Capital revelam que três pontos fundamentam as principais críticas: o tempo de espera nos atendimentos de urgência e emergência, longa fila para consultas com especialistas e cirurgias eletivas, além de infraestrutura precária para os trabalhadores em saúde e para os pacientes.
A reportagem visitou três unidades: CAIS do Bairro Goiá, CAIS de Campinas e o CAI do Guanabara, que está em processo de conversão para uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) desde a última gestão de Iris Rezende, em 2020.
Apesar das obras da UPA Raul Rodrigues Silva estarem praticamente concluídas, a empresa responsável pela empreitada, Consórcio Gouveia, cobrou cerca de R$ 1 milhão para a finalização. O pedido teria sido rejeitado pela gestão municipal, que rompeu o contrato com a empresa e já contratou uma nova construtora que finalizará a obra, ainda sem prazo para conclusão.
Infraestrutura e atendimento
O cenário das duas unidades que estão em pleno funcionamento são caóticos, com superlotação na maioria dos dias, filas de espera por consultas e infraestrutura precária, com prédios sujos, banheiros destruídos, falta de insumos básicos.
No CAIS do Bairro Goiá, reformado a pouco mais de um ano, a infraestrutura está um pouco melhor. Apesar disso, pacientes reclamam que a gestão municipal apenas “passou um batom”, em referências às obras de pintura e reforma de janelas e banheiros. A reportagem flagrou algumas janelas quebradas no lado externo da unidade e paredes que, apesar da reforma, ainda apresentam manchas de mofo.
Já no final da tarde, quando a reportagem chegou no local, a unidade não estava lotada. Um membro da equipe chegou a consultar com um médico. Ele conta que o atendimento foi rápido, tendo passado pela triagem e feito o teste de Covid-19 no local, mas antes do resultado a consulta já tinha saído e o atendimento foi realizado em seguida.
A situação no CAIS de Campinas é ainda mais crítica. Já na recepção, o separador isola os trabalhadores da recepção dos pacientes está caindo aos pedaços. As portas da unidade apresentam ferrugem em boa parte da estrutura e o banheiro masculino está com o piso encardido, sem pia e sem descarga. No local, pacientes reclamam ainda da falta de insumos básicos como potes para coleta de materiais biológicos para exames e péssimo atendimento.
81 mil aguardam consultas e cirurgias
Dados do Portal da Transparência da Prefeitura de Goiânia indicam que a fila de espera por consultas com especialistas e cirurgias eletiva tem mais de 81 mil pacientes. O número, segundo especialistas, revela que o sistema de regulação enfrenta dificuldades no atendimento da crescente demanda por saúde na Capital goiana.
As principais demandas por atendimentos na rede pública de saúde de Goiânia é para oftalmologia, dermatologia e ortopedia e traumatologia, que juntos, somam mais de 30,5 mil pacientes. Somente a demanda por oftalmologia é de quase 20 mil pacientes, seguida por dermatologia com 6,1 mil e ortopedia e traumatologia com mais de 4,6 mil pacientes na fila de espera.
A demanda de cirurgias em Goiânia é de, ao todo, 1.304 procedimentos. A lista é liderada por pequenas cirurgias, risco cirúrgico e cirurgias plástica, seguida por bariátrica e cirurgia pediátrica, com 9.461 pacientes na fila de espera.
Relatos
Maria de Jesus, 74, aguardava um atendimento de urgência no Cais de Campinas, no Setor dos Funcionários, em Goiânia. A principal reclamação é o tempo de espera. “Não consigo nem ficara em pé, passei pela triagem, lá foi rápido. Mas esses postinhos de Goiânia são péssimos”, comenta. Ela conta que passou por outras unidades de saúde nos últimos meses e que a reclamação é sempre a mesma: a demora. “A gente fica esperando toda a vida e não chama ninguém, muito difícil. Pra mim não tá essas coisas não, a saúde era para ser uma coisa melhor”, lamenta.
A fila de espera por consultas com médicos especialistas e para cirurgias eletivas também é uma grande preocupação. “Os exames demoram demais, quando for chamar já morreu. Igual meu marido, quando chamaram ele já tinha morrido, a gente fica revoltada com um negócio desse”, conta.
Já sobre a estrutura das unidades de saúde de Goiânia, Maria diz que alguns locais “são mais ou menos, mas outros são muito ruins”. Outra reclamação da paciente é com o atendimento dos funcionários que, segundo Maria, são mal educados e estão sempre de mau humor. “Não pode ser assim, tem que ter educação. Como pode tratar alguém que está doente assim, você já está doente e ainda recebe um descarga de má educação dessa, ninguém aguenta”, considera.
“Médicos fazem pouco caso”, reclama usuária
Sobre o tempo de espera e o mau atendimento, Rose Silva, que acompanhava a filha que aguardava por uma consulta de emergência há mais de uma hora no Cais de Campinas, diz que é preciso uma revisão no cuidado com os pacientes da Capital. “O atendimento médico, misericórdia. Agora mesmo, o médico que atendeu ela nem olhou no rosto dela. A pessoa passando mal, você fala as coisas para ele e eles parecem que não estão nem aí e fazem pouco caso”, comenta.
Silva relata ainda que uma paciente chegou na unidade para ser atendida e desmaiou na sala de espera. “Não tinha cadeira de rodas para ela, quando tem alguma é tudo quebrada e não serve para pegar um paciente na porta”, narra.
A infraestrutura precária também é alvo de reclamações. “Teto caindo, os banheiros nenhum prestam. Para não falar muita coisa, é péssimo. Ter solução, tem. mas é descaso, é descaso. Poderia cuidar melhor, a classe mais pobre precisa ser mais bem cuidada, tem dias que a gente espera até 5h para ter um atendimento com a pessoa passando mal. E a gente faz o que? Tem que esperar”.
Unidade sem coletor para exames
Adair Nascimento Martins, 43, também esteve na unidade para um atendimento de emergência. Ele descreve que ficou mais de 2h esperando pela assistência médica. “Não tem nem o pote para fazer exame de urina, se quiser fazer tem que comprar. Eu não vou comprar, não tenho obrigação. Isso é o Cais que deve oferecer, é o mínimo”, disse.
Com suspeita de rotavírus, o paciente conseguiu realizar apenas o exame de sangue. “Ainda vou ter que ficar mais 2h aguardando para passar novamente no médico. Tem hora que é bom, tem hora que é ruim. É uma loteria o atendimento público em Goiânia”, compara.
Para Martins, a culpa não é dos médicos, mas sim da administração da unidade e do secretário de Saúde, que, segundo ele, não consegue ter o controle nem do que as unidades precisam. “O que é um pote para exame de urina, se não consegue nem isso. Tem anos que está desse jeito, o banheiro horrível, as portas acabadas. Não mudou nada”, avalia.
Um dia todo de espera
Jhonathan Estefano Pereira, 33, relata que vê muito descaso com a saúde pública da Capital e que é preciso melhorar muito. “Principalmente por parte dos funcionários, eu tenho filho e a negligência é muito grande em relação ao atendimento, além de demorar bastante, as vezes ocorre bastante de você ver o médico mexendo no celular ou desocupado sem atender ninguém”, relata.
“O tempo de espera é o que mais pesa, já teve vez de eu chegar aqui de manhã e ser atendido somente no final da noite. Eu trouxe meu filho e tive que discutir com o pessoal da unidade para conseguir que ele fosse atendido. Como eles conseguem tratar uma criança dessa forma?”, questiona.
Pereira aponta que a infraestrutura dos locais afetam, inclusive, o atendimento e saúde mental dos funcionários das unidades de saúde de Goiânia. “Se você olhar aí para o vidro que separa o atendente do paciente, está todo estragado”, diz. Ele complementa ainda dizendo que não compreende o mau humor dos funcionários, “mas eles estão em um ambiente tão deprimente em relação a infraestrutura que para trabalhar também não é bacana”.
Históricos de crises
Entre as crises que a Prefeitura de Goiânia enfrentou nos últimos dois anos estão: o fechamento de unidades por falta de pagamento dos repasses, manifestação de trabalhadores em saúde, falta de ambulância para transferência dos pacientes e, mais recente, o travamento do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU).
Em 2023, após meses de atrasos nos repasses para a Fundação de Apoio ao Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás (Fundahc/UFG), as Maternidades Célia Câmara, Nascer Cidadão, e Dona Iris suspenderam os atendimentos eletivos por mais de 60 dias. Nessa época, foram mantidos apenasos atendimentos de urgência.
No começo do ano, o Centro de Referência em Ortopedia e Fisioterapia (CROF) fechou. Os funcionários denunciaram o desmonte da unidade nos últimos anos.
Outro ponto crítico das gestões em Goiânia é em relação ao Instituto Municipal de Assistência à Saúde dos Servidores de Goiânia (Imas). Os servidores públicos pagam mensalmente pela assistência, mas não estão recebendo atendimento.
Desde fevereiro, o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) vive uma crise sem precendentes. Do total de 19, apenas três viaturas circulam na Capital. A unidade enfrentou ainda problemas com o teleatendimento. A instabilidade no Samu gerou o afastamento do Secretário Municipal de Saúde, Wilson Pollara devido a tentativa de frustrar o controle externo exercido pelo TCMGO através da reabertura de procedimento de contratação emergencial com objetos e justificativas praticamente idênticos” a um processo suspenso em junho.
Na contratação em caráter de urgência suspensa no dia 10 de junho, a Secretaria de Saúde pretendia contratar sistemas web, locação de ambulâncias e recursos humanos. Ná época a Comissão de ètica Médica do SAMU Metropolitano de Goiânia. Entre as irregularidades contatadas pelo MPC e acatadas pelo TCM estava a ausência de nexo entre a motivação de combate a dengue e os serviços prestados pelo SAMU.
Segundo a decisão na época, em junho, dado o início do período de estiagem, já estava apresentada a tendência de diminuição dos casos de dengue e também, mesmo em períodos críticos da doença o serviço de ambulâncias não tem demanda frequente para esse tipo de atendimento.
Outra irregularidade listada no processo suspenso em junho é a falta de necessidade de contratação de sistemas web, sendo que o SAMU já dispõe de sistema próprio contratado pelo município.
Procurada, a Secretaria Muncipal de Saúde (SMS) de Goiânia não retornou aos questionamentos. O espaço segue aberto.
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