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A Clínica Recanto, também conhecida como Instituto de Psiquiatria e Orientação Psicossocial, localizada em Ceilândia, no Distrito Federal, está sendo alvo de denúncias graves por parte de ex-pacientes e familiares. Relatos nas redes sociais da própria instituição apontam a ocorrência de maus-tratos, confinamentos forçados e agressões físicas. De acordo com as denúncias, pacientes que não obedecem às regras são levados para uma espécie de solitária, chamada internamente de “acolhimento”.

“Esse lugar é totalmente desumano. Fui internado à força e prometido acesso a toda a estrutura da clínica, mas fui trancado em um espaço isolado. Tratavam bem apenas os militares. Até hoje carrego traumas”, disse um ex-interno, em depoimento publicado nas redes sociais da clínica.

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Utensílios enferrujados | Foto: Divulgação

Mães denunciam maus-tratos

Mães de adolescentes internadas na Clínica, denunciaram ao Jornal Opção supostos casos de maus-tratos, negligência, abusos físicos e psicológicos dentro da instituição. Elas pediram anonimato por medo de represálias.

Segundo relato de uma das mães, sua filha, diagnosticada com Transtorno Opositor Desafiador, foi encaminhada ao local pelo Ministério Público, já que a família não possui condições de arcar com os altos custos do tratamento particular.

A jovem permaneceu internada por cerca de cinco meses, até que decidiu fugir junto a uma amiga que conheceu na unidade. De acordo com os depoimentos, a fuga teria sido motivada por situações recorrentes de maus-tratos dentro da clínica.

As mães afirmam possuir imagens e vídeos que comprovariam as denúncias. “Disseram que era o melhor lugar para tratar dependência química, mas percebi que é o pior. Estou tentando tirar minha filha de lá. Aquilo não é lugar para ser humano”, declarou uma delas.

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Situação do local onde pacientes sentam | Foto: Divulgação

Entre as acusações, está a existência de um cômodo chamado “acolhimento”, descrito pelas adolescentes como uma espécie de solitária, onde pacientes seriam trancados como forma de punição. As mães também denunciam um tratamento desigual entre os internos. Segundo elas, pacientes encaminhados pela Justiça recebem atendimento precário, enquanto aqueles que pagam pelo serviço — inclusive advogados e militares — teriam tratamento privilegiado. “Quem chega via judicial é tratado como qualquer um. Já os particulares são tratados como reis”, relatou uma das mães.

As denúncias incluem ainda supostos episódios de retaliação e vingança por parte de funcionários. Conforme os relatos, pacientes ligados a servidores que têm desavenças internas seriam alvos de tratamentos mais agressivos.

A fuga das adolescentes também gerou indignação. As mães acusam a clínica de negligência, alegando que a instituição não buscou as jovens e transferiu a responsabilidade à polícia. “Foram dois dias de busca sozinhas, que pareceram uma eternidade”, relatou uma das mulheres.

Outro episódio grave, mencionado pelas mães com base em relatos de uma das meninas, envolve um suposto suicídio ocorrido em 2022, dentro das dependências da clínica. A vítima, um jovem internado, não teria suportado os maus-tratos, segundo as denúncias. Há ainda menções ao uso excessivo de medicamentos, provocando convulsões nos pacientes.

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Cama onde internos dormem | Foto: Divulgação

Além das condições de tratamento, as mães denunciam a precariedade da estrutura física do local. “Por fora, parece uma maravilha. Por dentro, é cheio de lixo, com mau cheiro, ferrugem e paredes se desmanchando”, contou uma das mulheres, ressaltando que essas condições seriam exclusivas da ala destinada aos pacientes de baixa renda.

A denúncia mais grave envolve um suposto abuso sexual contra uma das adolescentes. Segundo relato da mãe, um funcionário teria dopado a jovem com esse intuito, mas a ação foi interrompida antes da consumação do crime. Ainda de acordo com a adolescente, situações semelhantes são recorrentes. A mãe afirma também que substâncias ilícitas, como maconha, circulam livremente dentro da clínica.

A clínica se apresenta, em seu site, como um espaço que oferece atendimento especializado, ambiente agradável, alimentação balanceada e foco na reinserção social. No entanto, os relatos dos envolvidos apontam para uma realidade oposta. “Tem que fechar esse lixo de lugar”, comentou uma internauta. “Clínica só no nome, porque é um hospício, sujo. As pessoas pagam R$ 19 mil para serem tratadas com desumanidade”, escreveu outra.

A instituição, que atende pessoas com transtornos psiquiátricos e dependência química, está situada próxima à região de Ceilândia. Entre os métodos utilizados para “disciplinar” os pacientes, ex-internos denunciam o uso de uma sala pequena, isolada da estrutura principal, com acesso restrito a uma minúscula área aberta, constantemente vigiada. O procedimento, descrito como punição, remete à ideia de solitária usada em presídios.

Além dos maus-tratos, a clínica foi alvo de críticas pela maneira como lida com casos de fuga. Em julho deste ano, duas adolescentes, Radhjya Gabrielle Cardoso, de 14 anos, e Allice Vasconcelos Fírveda, de 17, escaparam da unidade durante a madrugada após pularem o muro. Na ocasião, a direção da clínica informou aos familiares que não poderia fazer nada e que o caso estava com a polícia.

Outro caso semelhante ocorreu em junho, quando uma adolescente fugiu sem que os responsáveis fossem imediatamente notificados. “A clínica registrou a ocorrência do desaparecimento mais de 12 horas depois. Alegaram que não tinham responsabilidade pela fuga e informaram que não iriam procurá-la”, relatou a mãe da jovem, moradora de Unaí (MG).

Segundo informações disponíveis no site da própria instituição, o valor das internações pode ultrapassar os R$ 19 mil mensais, com diárias que chegam a R$ 650. A clínica também aceita mais de 40 convênios, muitos deles ligados a órgãos militares e do Judiciário, como o Tribunal Superior do Trabalho (TST), o Superior Tribunal Militar (STM), a Polícia Federal e o Tribunal Regional Federal (TRF).

Clínica nega acusações de maus-tratos e abuso

Procurada pela reportagem, a Clínica Recanto, localizada em Ceilândia (DF) e com 29 anos de atuação na área de reabilitação psicossocial e tratamento da dependência química, por meio de seus advogados, divulgou nota oficial nesta semana em que rebate acusações de maus-tratos, negligência e abuso contra pacientes internados na unidade. A instituição classificou os relatos como “infundados, inverídicos e sensacionalistas

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Estrutura interna da clínica | Foto: Reprodução

Veja a nota na íntegra

A Clínica Recanto, instituição privada de saúde mental situada em Ceilândia/DF, com mais de 29 anos de atuação na área de reabilitação psicossocial e tratamento de dependência química, vem a público manifestar-se sobre acusações infundada a seu respeito.

1. Compromisso com a ética, legalidade e fiscalização permanente

A Clínica Recanto é regularmente licenciada pela Vigilância Sanitária do Distrito Federal, auditada por mais de 40 convênios médicos – inclusive planos vinculados ao Poder Judiciário e às forças públicas – e submetida a inspeções periódicas por órgãos públicos, conselhos de classe e demais autoridades sanitárias.

Contamos com equipe multiprofissional altamente qualificada, composta por médicos psiquiatras, clínicos, psicólogos, enfermeiros, terapeutas e técnicos de referência. Os tratamentos realizados observam protocolos científicos reconhecidos nacional e internacionalmente, sempre respeitando os princípios da dignidade da pessoa humana e da proteção integral à saúde mental.

É inverídica e profundamente irresponsável qualquer afirmação sobre denúncias de maus tratos a pacientes, inclusive, físicos, além de psicológicos.

Portanto, incorre em evidente desvio ético e em possível violação à Lei nº 13.188/2015 (Lei do Direito de Resposta), qualquer pessoa que venha a fazer acusações infundadas, além de comprometer a própria credibilidade.

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Homem faz a ronda do lado de fora | Foto: Divulgação/Clínica Recanto

2. Sobre os relatos apresentados

As situações relatadas referem-se, em sua maioria, a pacientes submetidos a internação involuntária ou compulsória nos termos da Lei nº 10.216/2001, com fundamento médico e autorização de familiares ou do Judiciário. A resistência ao tratamento é comum em quadros de dependência química, surtos psicóticos e transtornos severos, sendo frequente que alguns pacientes insatisfeitos – ou seus familiares – atribuam responsabilidade à equipe técnica por medidas necessárias ao resguardo da própria vida e da coletividade.

As expressões como “castigo”, “contenção forçada”, “jogadas em um cômodo”, distorcem a realidade clínica e reduzem a complexidade dos casos a narrativas sensacionalistas, em prejuízo à saúde mental como política pública séria e à credibilidade de instituições que seguem a legislação brasileira e os princípios da reforma psiquiátrica.

3. Sobre alegações de maus-tratos e abusos

A Clínica Recanto mantém rigorosos controles internos e apura qualquer denúncia que envolva sua equipe. Ademais, está em processo constante de educação continuada para aprimoramento da equipe. Os fatos mencionados não possuem registro formal nos órgãos competentes, e aqueles que geraram processos judiciais foram adequadamente enfrentados nos próprios autos, sem qualquer condenação que comprometa o funcionamento ou a reputação institucional da clínica.

4. Transparência, responsabilidade e respeito aos pacientes

A Clínica Recanto lamenta profundamente que, conteúdo sensível, sem o mínimo de contraditório, omitindo a existência de fiscalização oficial, avaliações técnicas positivas e relatos favoráveis de inúmeros pacientes e familiares que passaram por nossos cuidados, possa ser especulado.

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Pacientes realizam atividades diárias | Foto: Divulgação/Clinica Recanto

5. Sobre o respeito pessoal

Reafirmamos que o status do paciente não influencia a forma de tratamento dispensado a ele, a condição de internação é que, em alguns poucos casos, especificamente na internação compulsória (contra vontade), é que os deixa insatisfeitos e propensos a denúncias infundadas.

6. Da fuga das menores

Quanto a fuga das menores, temos a informar que se trata de caso isolado, ao longo dos 29 anos de serviços na área, poucas foram as vazes de tal ocorrência, tendo em vista que até os mais vigiados e seguros organismos de “internações”, estão sujeitos a isso. Ademais elas já se encontram de volta seguindo o tratamento.

7. Do compromisso institucional

Nosso compromisso é com a transparência, com a legalidade e com o acolhimento ético, humano e seguro de todos os nossos pacientes, repudiamos veementemente a tentativa de deslegitimar nossa atuação por meio de abordagens unilaterais, imprecisas e sem direito de resposta.

Lei Antimanicomial

As denúncias levantam preocupações quanto ao cumprimento da Lei nº 10.216/2001, conhecida como Lei Antimanicomial, que determina a substituição de hospitais psiquiátricos por serviços comunitários de atenção psicossocial. A legislação garante que pessoas com transtornos mentais tenham seus direitos protegidos e recebam tratamento com dignidade, visando à sua reintegração social.

No entanto, conforme apontam os denunciantes, a prática observada em instituições como a Clínica Recanto diverge das diretrizes previstas em lei. Casos semelhantes também já foram registrados em outras unidades de atendimento, como os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS).

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