Carta de Braga Netto em alusão a ditadura militar significa a tentativa de reconstruir o passado e criar uma memória falsificando os fatos
01 abril 2021 às 18h14
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Para analistas, esse tipo de ação é o grande perigo das rememorações do passado. Para ele, esses grupos não são só saudosistas do passado de uma forma ingênua. Olham para o passado de um período ditatorial para justificar as ações do presente.
O novo ministro da Defesa, Walter Souza Braga Netto, publicou neste dia 31 de março um carta em referência a ditadura militar, em que afirma “o movimento de 1964 é parte da trajetória histórica do Brasil. Assim devem ser compreendidos e celebrados os acontecimentos daquele 31 de março”.
No documento, Braga Netto diz que fatos históricos envolvendo o fim da segunda guerra mundial e a guerra fria trouxe ao Brasil um cenário de inseguranças com grave instabilidade política, social e econômica. Segundo ele, havia uma ameaça real à paz e à democracia. Por isso as “forças armadas acabaram assumindo a responsabilidade de pacificar o país, enfrentando os desgastes para reorganizá-lo e garantir as liberdades democráticas que hoje desfrutamos”.
Para professor e doutor em história, Makchwell Coimbra Narcizo, Braga Netto e a cúpula do governo Bolsonaro buscam criar uma versão do passado e construir uma alternativa como oficial e verdadeira. “Esse é o grande perigo dessas rememorações do passado. Esses grupos não são só saudosistas do passado de uma forma ingênua. Eles olham para o passado de um período ditatorial porque eles precisam justificar suas as ações do presente”.
Makchwell Coimbra Narcizo acredita que o propósito da classe do presidente é reconstruir um regime próximo ao que foi a ditadura, visto que as transformações temporárias não permitem um cenário exatamente igual. “E eles só podem construir isso na medida que eles reconstruir o passado de modo que o período da ditadura militar se não se pareça ruim. O passado é um objeto de disputas sempre que tem um governo com aspirações ditatoriais e autoritárias. O passado é um objeto de poder”.
De acordo com o historiador, a tentativa é criar uma memória nos grupos mesmo que não condizem com os fatos e construir uma memória falsificando o passado. “A história do Brasil mostra que a ditadura militar foi violenta, houve tortura , mortes, problemas econômicos e sociais terríveis. Mas eles utilizam da história, mas para gerir a memória e construir uma nova versão. Usa da simbologia ditatorial e da estética da violência, tornando os militares protagonista. Desde redemocratização nos fingimos que esse passado não existiu.”
Já Guilherme Carvalho, mestre em Ciência Política pela Universidade Federal de Goiás, analisa a atitude do novo ministro como um aceno, principalmente, para as alas mais extremistas do bolsonarismo. “Um grupo que consideramos de fato reacionários. Aqueles que olham para o passado com olhar de admiração. E acreditam em um passado que jamais existiu. Que a ditadura é redentora da construção histórica brasileira”.
Ainda para o cientista política, a carta de Braga Netto é uma tentativa de mandar um recado ao Congresso demonstrando proximidade com as forças armadas e para acalmar os ânimos diante das demissões dos comandantes militares nesta semana, desintegrando a narrativa de que o exército como força de estado “não estava topando entrar na construção de uma narrativa reacionária e não tem ligação político eleitoral com o governo. É muito mais um discurso para as redes sociais para movimentar as alas mais extremistas do que propositalmente uma sinalização institucional”.
Nesse contexto, o historiador Makchwell Coimbra Narcizo destaca que Jair Bolsonaro é um personagem construído por um grupo de extrema direita que busca atacar a democracia. “O Bolsonaro é alguém que tem asco e ódio pela democracia desde sempre. Este ato deplorável é apenas mais um em uma conjunção que forma um governo que é antidemocrático em todos os seus princípios e essência.”
Narcizo pontua que o Brasil ainda tem uma relação com esse período da ditadura muito traumático, especialmente, porque isso não foi tratado publicamente com a redemocratização e com a proteção judicial dos criminosos. Em outros países, como Argentina e Chile, após o fim da ditadura “houve um trabalho intenso de memória, midiático e de pesquisa para expor os crimes da ditatura e condenar os envolvidos. Os militares foram envergonhados com a ditadura. No Brasil ainda existe um orgulho da ação militar durante o período da ditadura. São saudosistas , criou uma memória triunfante”.