Câmara Municipal de Alto Paraíso rejeita recomendação do MPGO sobre irregularidades na revisão do Plano Diretor

10 setembro 2025 às 09h28

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A Câmara Municipal de Alto Paraíso de Goiás confirmou que não acatará a recomendação expedida pelo Ministério Público do Estado de Goiás (MPGO) a respeito da revisão do Plano Diretor do município. O documento ministerial sugeria a retirada de dispositivos relacionados ao macrozoneamento ambiental, especialmente os pontos que tratam de “chacreamentos sustentáveis”, além da necessidade de novos estudos técnicos.
Em resposta, o Legislativo local ressaltou que “a decisão final sobre a aprovação do Plano Diretor é do Legislativo Municipal, com base na Constituição Federal e no Estatuto da Cidade”.
A Câmara afirmou que o Plano Diretor está sendo construído com participação popular, por meio de audiências públicas, e deve refletir os interesses coletivos da cidade. Nesse sentido, os parlamentares asseguraram que “seguiremos com o debate transparente, ouvindo a população e garantindo que o Plano Diretor seja aprovado de forma legal, democrática e responsável”.
No entanto, moradores de Alto Paraíso de Goiás contestam a versão apresentada pela Câmara Municipal. Eles afirmam que não tiveram participação efetiva nas audiências públicas e que muitas das sugestões encaminhadas pela comunidade não foram consideradas no texto do Plano Diretor.
Segundo os relatos, em diversas ocasiões o Legislativo teria se limitado a coletar assinaturas em listas de presença para validar a realização dos encontros, sem promover um debate democrático ou votação entre os presentes. Para os moradores, esse procedimento enfraquece a legitimidade do processo, que deveria garantir participação real da sociedade.
Além disso, destacam que o rito legal precisa ser respeitado, com a presença efetiva do MPGO e de órgãos ambientais como a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), que podem assegurar transparência e equilíbrio técnico nas decisões.
Na nota divulgada, o Legislativo destacou que a recomendação ministerial não possui caráter impositivo. Segundo o texto, “é importante também esclarecer que esse tipo de recomendação não é uma ordem judicial, mas sim uma orientação. Cabe ao Poder Legislativo, juntamente com o Poder Executivo, analisar, debater e decidir de acordo com o interesse público e a lei. A recomendação do MP não tem força obrigatória. Ela serve como um alerta, um pedido para que o Legislativo adote determinado caminho. Porém, a decisão final sobre a aprovação do Plano Diretor pertence à Câmara Municipal dentro da autonomia legislativa garantida pela Constituição Federal e pela Lei Orgânica do Município”.
A Câmara reforçou que a revisão do Plano Diretor segue seu curso normal, dentro das prerrogativas locais e respeitando os mecanismos democráticos de deliberação.
O teor da recomendação ministerial
O documento expedido pela Promotoria de Justiça da Comarca de Alto Paraíso, assinado pela promotora Andressa Lorraine Leandro Cardoso na última sexta-feira, 5, foi direcionado ao prefeito Marcus Adilson Rinco e ao presidente da Câmara, Douglas Barreto. O texto formaliza a Recomendação nº 2025009493643 e pede que sejam suprimidos trechos da minuta do Plano Diretor que criam a chamadas “Zonas de Expansão Urbana Específicas para Chacreamentos Sustentáveis”.
Para o MP, a previsão dessas zonas de expansão urbana em áreas rurais é inconstitucional e ilegal, uma vez que não encontra respaldo na legislação federal ou estadual. Além disso, o órgão apontou ausência de estudos técnicos sobre viabilidade de infraestrutura para abastecimento de água, esgotamento sanitário, iluminação pública e demais equipamentos básicos.
O documento ressalta ainda que o município não pode se furtar do dever legal de garantir infraestrutura adequada, lembrando que em outros loteamentos a ausência de serviços públicos já gerou sérios problemas. Segundo o órgão, a criação de categorias jurídicas inexistentes, como “chácaras de descanso” ou “ecovilas”, afronta o pacto federativo, pois a competência municipal é suplementar à legislação federal e estadual, não podendo inovar em temas não previstos.
Além disso, a Promotoria destacou que a legislação em vigor, como a Lei Federal nº 6.766/79 (Parcelamento do Solo Urbano) e o Estatuto da Terra, não autoriza o parcelamento rural para fins urbanos sem parecer técnico do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) sobre a perda de características rurais da área.
A recomendação se ampara em diversos dispositivos legais, como os artigos 127 e 129 da Constituição Federal, que atribuem ao Ministério Público a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais. Também cita o Estatuto da Cidade (Lei Federal nº 10.257/2001), que define o Plano Diretor como instrumento básico da política de desenvolvimento urbano.
De acordo com o MP, “a recomendação é instrumento de atuação extrajudicial do Ministério Público por intermédio do qual este expõe, em ato formal, razões fáticas e jurídicas sobre determinada questão, com o objetivo de persuadir o destinatário a praticar ou deixar de praticar determinados atos em benefício da melhoria dos serviços públicos e de relevância pública ou do respeito aos interesses, direitos e bens defendidos pela instituição, atuando, assim, como instrumento de prevenção de responsabilidades ou correção de condutas.”
O texto ainda lembra que todos têm direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, conforme previsto no artigo 225 da Constituição.
O Ministério Público alerta que a criação de novos loteamentos sem infraestrutura pode agravar problemas já existentes em Alto Paraíso, como ocupações irregulares, déficit de serviços básicos e risco de danos ambientais. A recomendação cita precedentes do Tribunal de Justiça de Goiás que suspenderam empreendimentos semelhantes por indícios de irregularidades.
“Tribunal de Justiça do Estado de Goiás. Gabinete do desembargador Kisleu Dias Maciel Filho. Ementa. Agravo de instrumento. Tutela de urgência antecipada em caráter antecedente. Requisitos preenchidos. Loteamento de chácaras ou sítios. Indícios de irregularidades. Suspensão das obras e comercialização. Parecer da Procuradoria de Justiça acolhido. Decisão Reformada. 1. Os parcelamentos em área rural com vistas à formação de núcleos urbanos, ou à formação de sítios de recreio, somente poderão ser executados caso seja atendido о disposto no art. 53 da Lei nº 6 .766/79 e a área ser incluída, por lel municipal, em zona de expansão urbana, sem tais condições, o parcelamento será ilegal. 2. Atos de comercialização e execução de obras somente são permitidos após a regularização do loteamento, dado os riscos de dano ambiental e à população da região envolvida, em especial, aos consumidores adquirentes do empreendimento, situação que também viola a legislação consumerista. 3. Demonstrados cabalmente a aparência do bom direito e o perigo da demora, tem-se por satisfeitos os requisitos para concessão da medida liminar postulada pelo Parquet. Agravo de instrumento conhecido e provido.”
O documento ainda reforça que o município pode ser responsabilizado solidariamente por parcelamentos ilegais em razão da omissão no dever de fiscalização. Essa responsabilidade, conforme entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça (STJ), é objetiva, solidária e ilimitada, ainda que de execução subsidiária.