A bióloga Eletra de Souza, do Laboratório de Ecologia e Evolução (LEEV) do Instituto Butantan, está ganhando destaque internacional com seu trabalho exposto na mostra fotográfica “What does a scientist look like?” [Como um cientista se parece?] na estação de trem King’s Cross, em Londres.

Eletra foca seus estudos nos movimentos das jararacas, com o objetivo de prevenir acidentes ofídicos em propriedades rurais. Organizada pela editora Springer Nature, a exposição celebra a diversidade na pesquisa científica, apresentando obras de 50 pesquisadores de diferentes países.

Natural de São José dos Campos (SP), Eletra foi selecionada pela Nature em 2021, no início de seu doutorado na Universidade de São Paulo (USP), para compartilhar sua jornada acadêmica em um artigo da revista.

“Quando a jornalista da Nature falou comigo, eu ainda não tinha começado as coletas de campo, estava em fase bem inicial do doutorado. Tinha a questão da pandemia também, que tudo era uma incógnita, então eu tinha muitas dúvidas, não sabia se ia dar certo, não tinha resultado algum, mas era justamente pesquisadores em fase inicial que eles estavam buscando”, conta ela, em entrevista ao g1 Campinas.

Foto: Marília Ruberti/Comunicação Butantan

Em março deste ano, surgiu a proposta de incluir alguns desses autores em uma exposição fotográfica nas ruas de Londres.

“A exposição começou em abril e ficou até junho. Infelizmente não pude ir até lá para ver pessoalmente, mas mesmo assim foi um mix de emoções, porque é uma grande honra ter meu nome na Nature, uma revista de ciência que dispensa comentários”, comenta Eletra.

Exposição

Eletra espera que a visibilidade da exposição ajude a destacar a importância ecológica das serpentes e aumentar a conscientização sobre os acidentes ofídicos. “Esses acidentes são classificados pela OMS como uma doença tropical negligenciada (DNT), sendo a única que não é transmitida por mosquitos, como a malária e a dengue”.

“É uma doença que impacta pessoas em situação de vulnerabilidade, especialmente populações rurais e pobres em países emergentes. Precisamos olhar com mais cuidado para tentar solucionar esse problema, melhorando a distribuição de soros e implementando ações eficazes para evitar mais fatalidades nessas comunidades”, alerta.

Seu trabalho recente se concentrou no monitoramento de jararacas e jararacuçus, buscando entender o comportamento das serpentes e desenvolver estratégias para prevenir acidentes entre trabalhadores rurais, que representam 70% dos casos.

Foto: Comunicação Butantan

Inicialmente, Eletra estudava as surucucus, mas mudou o foco para as jararacas por serem mais abundantes e fornecerem um maior volume de dados. Com orientação do herpetólogo Marcio Roberto Martins da USP e coorientação de Selma Santos do Butantan, ela iniciou o trabalho prático em 2022.

“Minha intenção era verificar se os picos hormonais coincidiam com os picos de atividade das serpentes. Analisei amostras de fezes, urina e pele trocada de 12 jararacas recém-chegadas ao Instituto Butantan, então os dados fisiológicos eram referentes ao período em que os animais estavam na natureza”, explica.

Os padrões de movimento das jararacas foram monitorados em uma fazenda na região do Vale do Ribeira, em Sete Barras (SP), devido ao alto índice de acidentes ofídicos na área. Utilizando radiotransmissores, Eletra rastreou serpentes durante o dia e à noite, identificando os locais de maior risco e desenvolvendo modelos preditivos.

“Eu conversei com a comunidade e expliquei quais eram os meus objetivos, que eu queria entender como os animais utilizavam as áreas de plantio e de proteção, e como os acidentes ocorriam no tempo e no espaço”.

Segundo a pesquisadora, o Vale do Ribeira registra um grande número de acidentes ofídicos devido à sua condição de uma das regiões mais bem preservadas de Mata Atlântica no estado de São Paulo.

“São três parques estaduais seguidos: o Parque da Cantareira, o Parque do Intervales e o Parque Carlos Botelho, e ainda tem a Serra do Mar ali próximo. Essa quantidade de mata preservada favorece que haja uma abundância de indivíduos”, diz.

Foto: Tiago Lima/Olhos da Mata Atlântica

Acidentes ofídicos

Eletra aponta três principais fatores que influenciam a ocorrência de acidentes ofídicos:

  1. Características ecológicas das serpentes: Abundância, hábitos de vida e meses de maior atividade.
  2. Aspectos socioeconômicos: A região do Vale do Ribeira, por exemplo, dependente de atividades rurais como o cultivo de banana e palmito.
  3. Sazonalidade: Coincidência entre a época da colheita e os períodos de maior atividade das serpentes.

Recentemente, Eletra observou um aumento no número de serpentes nas áreas de plantio durante os meses de acasalamento das jararacas e jararacuçus (março a agosto). Essas informações são cruciais para entender a ecologia das cobras e como as pessoas interagem com o ambiente, compartilhando espaços e recursos com esses animais.

Segundo Eletra, o maior desafio é encontrar os animais na natureza, pois é necessário encontrar o espécime ideal em termos de tamanho e peso.

“Existe a limitação do equipamento que você usa para rastrear os bichos, então todos os animais a gente precisa fazer um procedimento cirúrgico para implantar um transmissor que vai emitir sinais de rádio e então conseguir encontrá-los no ambiente. Só que esses transmissores pesam em torno de 8 a 12 gramas, por isso uma serpente muito pequena e magrinha não serve para o estudo”, explica.

“É um bicho muito difícil de encontrar. Quem fala ‘vou fazer uma trilha e vai ter cobra’ e de fato encontrar alguma cobra no caminho, sinta-se sortudo. Para se ter uma ideia, ao longo dos últimos dois anos eu consegui rastrear somente 10 indivíduos”, completa a pesquisadora.

Além disso, trabalhar com serpentes envolve várias burocracias, desde a aprovação no comitê de ética até a compra de medicamentos e contato com veterinários.

Foto: Marília Ruberti/Comunicação Butantan

“É necessário todo esse aparato para obter autorizações de coleta e transporte dos animais e, posteriormente, para realizar a cirurgia, porque as cirurgias não são realizadas na mata, você traz o indivíduo para o Butantan, tem o processo operatório de implantar o transmissor e depois devolvemos o bicho para a natureza”.

Após a soltura das serpentes na natureza, o reencontro com os animais é sempre uma surpresa, tornando o trabalho de Eletra ainda mais desafiador.

“Eu já precisei atravessar rio, atolar na lama, subir em morro, cortar cipó. Eu trabalhei na Mata Atlântica e tenho certeza que é um dos ambientes mais difíceis para trabalhar com rastreamento, porque é uma mata densa, fechada e muito úmida, o solo da floresta ele te engana”, conclui.

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