Batalha entre Lava Jato e Lula mostra que interesse político está acima da lógica processual
30 setembro 2019 às 18h06

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Ex-presidente tenta se aproveitar com imagem de liderança partidária injustiçada pelo Judiciário brasileiro. Força-tarefa quer ganhar publicamente com intervenção na progressão de regime

No dia 23 de abril de 2019, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) diminuiu a pena no regime fechado aplicada ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de 12 anos e um mês para 8 anos e 10 meses de reclusão. A condenação é a primeira de duas e trata do processo do tríplex no Guarujá, no litoral paulista.
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Com isso, para ter direito a pedir a progressão do sistema fechado para a detenção no semiaberto ou aberto, o petista precisava ficar detido durante pouco mais de 17 meses e meio para ter direito à progressão do regime fechado para o semiaberto ou aberto. Lula está detido na Superintendência da Polícia Federal (PF) em Curitiba (PR) desde o dia 7 de abril de 2018. O que significa que o preso já tem direito a solicitar o benefício por ter cumprido um sexto da pena por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Mas era de conhecimento público que Lula não autorizaria seus advogados a solicitar a progressão de regime. O petista tem como intenção provar que é inocente. Politicamente é muito mais interessante para o ex-presidente inflar a militância do “Lula Livre” e se beneficiar da manutenção do discurso de injustiçado em um processo sem comprovação legal de culpa. Para o maior líder da história do PT, vale o reforço da retórica do “preso político” atrás das grades do que solto.
O uso de uma tornozeleira no regime semiaberto, a ida para o sistema aberto ou domiciliar, pela idade – Lula completa 74 anos no final de outubro – enfraqueceria o coro do “Lula Livre”, já que ele não estaria mais 24 horas atrás das grades, o que desmobilizaria o acampamento com apoiadores e militantes. O uso é claramente político.
Ao responder a solicitação da força-tarefa da Lava Jato do Paraná, que pediu à Justiça que execute a progressão de regime de Lula porque o preso tem as condições para continuar a cumprir a pena no semiaberto, petista usa frases de efeito em sua carta, como “quero que saibam que não aceito barganhar meus direitos e minha liberdade” e “não troco minha dignidade pela minha liberdade”. O discurso é bonito e pode soar convincente para os que pretendem acreditar nas palavras do ex-presidente, sejam elas verdadeiras ou mentirosas.
De lá e de cá
Mas não é só Lula quem tenta se beneficiar politicamente do encarceramento ou da liberdade do petista. Quando 15 procuradores da República se manifestam contrários à decisão do réu preso condenado em segunda instância de que não cabe a ele decidir se deve ser mantido detido, a força-tarefa do Ministério Público Federal (MPF), chefiada por Deltan Dallagnol, se mostra disposta a ganhar com a atuação que não se limita a cumprir a lei.
O que os integrantes da Lava Jato no MPF do Paraná querem da juíza da Vara de Execuções Penais, Carolina Lebbos, é um atestado público de bons serviços prestados à sociedade ao perseguir aquele que é tratado por seu opositores como o maior ladrão da história do Brasil. E, claro, a solicitação pensada dos procuradores ao tentar interferir na progressão de regime do preso – o que não fariam com tanto interesse em outros casos, é só olhar a quantidade de presos preventivos e provisórios que nenhum membro do MPF se preocupa nas cadeias brasileiras – foi combustível para alimentar os ânimos polarizados da população em torno do caso.
Lula logo respondeu à força-tarefa na carta de hoje: “Tudo que os procuradores da Lava Jato realmente deveriam fazer é pedir desculpas ao povo brasileiro, aos milhões de desempregados e à minha família, pelo mal que fizeram à democracia, à Justiça e ao País”. Se o petista joga para a plateia, os membros do MPF-PR tentam melhorar a imagem de uma instituição arranhada pelas denúncias de uso político de investigações e acusações que podem nem sempre ter sido motivadas pelo simples cumprimento da função de zeladores da coisa pública. As conversas atribuídas aos procuradores no Telegram com juízes e policiais federais que o digam.
“O que estamos fazendo nesse caso é cumprir a lei como faríamos no caso dos demais presos. O ex-presidente Lula, como os demais, deve cumprir nem mais nem menos”, declara Dallagnol em entrevista à Rádio Jovem Pan. Tenta aqui o procurador surgir com o defensor das instituições e dos direitos, inclusive daqueles detidos que foram condenados por crimes de corrupção e lavagem de dinheiro.
Antes do STF
A força-tarefa da Lava Jato sabe que o julgamento do Supremo Tribunal Federal a respeito de quando um réu delatado deve se manifestar durante as alegações finais no processo pode prejudicar grande parte do trabalho da operação e seus resultados em condenações de acusados. E justamente por isso tenta se antecipar.
Conta também uma tentativa de limpar a imagem em questionamento de uma força-tarefa que tem atuado em uma operação importante de combate a corrupção, mas que, em determinado momento, pode ter transformado parte da atuação do MPF em uma busca por poder – inclusive político -, e agora tenta desmanchar as marcas dos erros cometidos. Deltan Dallagnol vive seu pior momento à frente da Lava Jato em Curitiba. Diversas autoridades defendem seu afastamento, inclusive que o procurador seja investigado.
No fim das contas, resta saber quem pode politicamente se beneficiar mais do discurso que montou: Lula ao insistir que só sai da cadeia com a condenação anulada ou declarado inocente ou a força-tarefa da Lava Jato, que goza de prestígio junto à opinião pública, mas precisa limpar a barra dos questionamentos que surgiram aos supostos atropelos e ilegalidades cometidas para combater atos ilícitos.