Religiosos e representantes da segurança pública manobraram para evitar votação

O plenário da Câmara Municipal de Goiânia aprovou em primeira votação, na manhã desta quarta-feira (10/5), o projeto de lei que autoriza a criação do Conselho Municipal dos Direitos Humanos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (COMLGBT).

Apesar de forte articulação de representantes da igreja evangélica e da segurança pública, liderada pelo vereador-pastor Oseias Varão (PSB), a maioria dos parlamentares votou favorável à proposta. Foram 12 votos pela aprovação, cinco contra e duas abstenções.

O baixo quórum, de apenas 20 vereadores presentes em plenário, se deu por uma tentativa de esvaziar a sessão como última manobra dos contrários para evitar a apreciação. Contudo o presidente da Casa, Andrey Azeredo (PMDB), colocou o projeto em votação por volta das 12h20.

Tatiana Lemos

Autora do projeto, a líder do PC do B na Câmara Municipal, vereadora Tatiana Lemos lamentou a postura de parte dos colegas, que se utilizaram da religião como “desculpa” para impedir a criação do conselho consultivo.

“Eu não sei que Deus é esse. Não é um conselho deliberativo, é um conselho consultivo, apenas para pensar políticas públicas. É ridículo, provinciano essa Casa proibir pessoas de pensar, não vejo razão. É um retrocesso muito grande. Prestem atenção no que estão votando para não se envergonharem depois”, alertou.

Diversos vereadores usaram a tribuna e pediram questões de ordem para defender o projeto. Vinicius Cirqueira, do Pros, se solidarizou com a autora e lembrou que há alguns anos negros eram impedidos de votar e muitos defendiam a separação racial.

Vinicius Cirqueira

“Fico envergonhado de ter que defender um projeto desses. Qualquer vereador que for contra é contra a democracia. A Intolerância é a maior causa de morte no mundo… Daqui a 30 anos vocês vão se envergonhar do que estão fazendo aqui. Muito cuidado, eu sou pai e qualquer um pode ter na sua família pessoas que necessitam de políticas públicas que esse conselho quer discutir”, criticou.

Evangélica, a vereadora Priscilla Tejota (PSD) afirmou que se preocupa quando um religioso se utiliza de seu direito para impor suas pessoalidades. “Li todo o projeto e quando um vereador vota a favor, não está incentivando absolutamente nada. Estamos garantindo prerrogativas humanas e civis de proteção a orientação de cada um. O conselho é de proteção aos direitos humanos, não me vejo no direito de usar minha fé para cercear o direito de ninguém. Eles estão lutando por direitos e não por privilégios. Aliás, existe isenção de impostos para gays?”, questionou.

Elias Vaz

Zander Fábio (PEN) também se solidarizou com a autora do projeto e destacou que foi preciso fazer uma “manobra” para que o projeto fosse votado, pois os contrários tentavam retardá-lo com pedidos de vista: “Cercear direito das pessoas de discutirem? Fico com vergonha de ter que aprovar um projeto desses, pois nem deveria ser necessário nossa avaliação. Eu já vi travesti sair a paulada de um Cais por pura intolerância, é um absurdo ter que pedir o direito das pessoas.”

A vereadora Sabrina Garcêz (PMN), notória militante dos direitos humanos, criticou a postura antidemocrática dos que se posicionam contra o projeto. “Fico indignada com a posição de alguns. Posição de incompreensão da construção de direitos. Somos vereadores para fazer valer os direitos civis. Simplesmente direito de que aqueles que querem discutir políticas públicas para o LGBT que tenham isso garantido pela lei. Não estamos pedindo para que todos participem, quem não quiser, não precisa. Democracia não é só ouvir a maioria, é garantir que as minorias tenham acesso às políticas públicas. Pessoas morrem pelo preconceito, são pessoas, vidas de que estamos falando”, lamentou.

Sabrina Garcêz

Um dos discursos mais emocionantes da manhã foi o do vereador Elias Vaz (PSB), que revelou que tem um irmão homossexual.

“Ninguém está discutindo se a pessoa tem que ser ou não homossexual, se é certo ou errado. Estamos discutindo o problema do respeito do ser humano em sua plenitude. É na verdade construir uma sociedade para todos, independente de orientação sexual, religião e cor de pele. Pessoas acharem que criar um conselho fere princípios religiosos, eu não consigo entender, de verdade. Não é possível não ter um pingo de espírito democrático. Tenho um irmão homossexual e tenho muito orgulho dele. Lamento pessoas fiquem tentando como se elas fossem diferentes, como se tivesse doença. Me sinto ofendido com isso, como ser humano, como cristão. Isso não tem nada ver com Cristianismo, se diz cristão e não tolera o diferente, sinceramente me decepciona muito ter que estar debatendo um assunto desse”, afirmou sob palmas dos colegas.

Dra. Cristina, do PSDB, alertou os colegas para o fato de que os vereadores não podem escolher para quem irão legislar: “Fomos eleitos para legislar para toda a cidade. Estamos aqui com a nobre função de defender a vida em sua plenitude. Depois da criação do conselho, fiquem tranquilos, ninguém vai ser obrigado a mudar sua orientação sexual.”

Segundo o texto, o órgão será composto por 20 membros: dez da sociedade civil e dez representantes do Poder Público Municipal; e tem apoio da gestão Iris Rezende (PMDB). Inclusive, a primeira-dama Dona Íris (PMDB) mandou mensagem para cada um dos vereadores da base pedindo a aprovação da matéria.

Placar

A favor
Alysson Lima (PRB)
Anselmo Pereira (PSDB)
Dra. Cristina Lopes (PSDB)
Elias Vaz (PSB)
Jorge Kajuru (PRP)
Lucas Kitão (PSL)
Priscilla Tejota (PSD)
Sabrina Garcêz (PMN)
Tatiana Lemos (PCdoB)
Tiãozinho Porto (Pros)
Vinicius Cirqueira (Pros)
Zander (PEN)

Contrários
Jair Diamantino (PSDC)
Leia Klébia (PSC)
Kleybe Morais (PSDC)
Rogério Cruz (PRB)
Sargento Novandir (PTN)

Abstenções
Paulo Magalhães (PSD)
Paulinho Graus (PDT)

Muitos vereadores chegaram a marcar presença na sessão, mas logo deixaram o plenário para evitar a votação. Entre eles, Anderson Sales (PSDC), Cabo Senna (PRP), Paulo Daher (DEM), Emilson Peireira (PTN) e Romário Policarpo (PTC).

O próprio Oseias Varão (PSB), que criticou o projeto, não chegou a votar, na tentativa de esvaziar o quórum.

Defesa

Pastor da Assembleia de Deus, Oseias Varão | Foto: Eduardo Nogueira

Único vereador a subir a tribuna para se posicionar contra a criação do Conselho Municipal dos Direitos Humanos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (COMLGBT), o vereador-pastor Oseias Varão (PSB) iniciou sua fala dizendo que estava sofrendo “bullying” no plenário. “Estou recebendo ameaça moral”, lamentou.

De acordo com ele, na régua do “pensamento de esquerda”, é sim “homofóbico, fascista, racista e misógino”. “Sou todas essas coisas malignas porque penso diferente de vocês. Só que aprendi uma coisa, adjetivação é o último recurso de quem perdeu a argumentação, querem argumentar, estou a disposição. Peço apenas de ter a misericórdia de não me julgarem”, disse aos colegas.

Oseias Varão garantiu ser contra “qualquer tipo de preconceito”, mas não iria votar favorável ao projeto porque ele faz parte de um esquema mais amplo, que tem como objetivo criminalizar o Cristianismo no mundo.

“Existem preocupações em que este projeto é apenas uma cópia de um esboço de decreto, parte de um projeto maior do qual a maioria de vocês não sabe que estão fazendo parte. O que existe hoje em âmbito nacional é pauta ideológica conduzida por linha de pensamento que pretende criminalizar a tradição judaico-cristã no mundo ocidental”, revelou.

Para citar um exemplo de como a criação de um conselho consultivo em Goiânia estaria ajudando a perpetuar o preconceito contra cristãos, o pastor contou o suposto caso de uma fotógrafa evangélica nos Estados Unidos que teria sido condenada a pagar indenização a um casal gay por se recusar a fotografar o casamento dos dois.

“O Brasil segue a onda dos países desenvolvidos e olha o que aconteceu nos Estados Unidos! Sou contra o preconceito. Mas esse caminho que está sendo seguido vai gerar preconceito contra cristão. […] Então para concluir, gostaria de sentar com vocês para conseguir um consenso para chegar a um ponto que ninguém sofresse preconceito”, arrematou.

Após a fala, vereadores rebateram as declarações do pessebista e reiteraram a importância da aprovação do projeto.