Desde que o filho desapareceu, Maria das Graças anualmente pede pelo não esquecimento do caso e ainda luta pelo direito de enterrar o filho e encerrar o caso de maneira digna

Maria das Graças ao lado do filho desaparecido, Murilo Soares. | Foto: Arquivo Pessoal

Faz 16 anos, nesta quinta-feira, 22, que Murilo Soares teve seu grande sonho de se tornar jogador de futebol, interrompido ao desaparecer após sofrer abordagem policial, pela Rotam, em Aparecida de Goiânia. Foi em abril de 2005, que o menino, de apenas 12 anos, foi abordado e desapareceu juntamente a um amigo, Paulo Sérgio Rodrigues, 22, enquanto instalavam um som automotivo no carro de Orton, pai do Murilo.

Anualmente, Maria das Graças, contata a imprensa em prol de relembrar a população goiana quanto a data do desaparecimento do filho. “Eu não tive justiça e nem resposta alguma. A única coisa que ganhei foi uma depressão profunda, onde vivo a base de remédio controlado. Eu guardo comigo todas as reportagens que já fizeram sobre meu filho, porque é a única arma que ainda tenho como utilizar para fazer justiça por ele”, afirma.

Materiais utilizados por Murilo Soares durante os treinos de futebol. | Foto: Arquivo Pessoal

Graça diz que o filho foi a melhor coisa que já aconteceu em sua vida. Mesmo que o garoto tenha tido os sonhos interrompidos com uma idade tão jovem, ela ainda guarda os pertences do garoto junto à ela. “Ele tinha 12 anos, mas parecia homem. Eu tinha me separado recentemente do pai dele, na época, e o Murilo já fazia de tudo para que nada faltasse em casa. Nunca precisei acordá-lo para que ele fosse à escola ou ao treino de futebol”, conta.

Em 2020, ao recorrer novamente à Justiça, em prol de buscar maior empenho no reconhecimento da ossada do filho, e de realizar a escritura de sua casa, com intenção de se mudar de sua residência, obteve algo que, apesar de necessário para questões burocráticas, não desejava receber: o atestado de óbito do Murilo.

Ela conta que havia decidido se mudar da casa em que ainda mora, pelas excessivas lembranças do caçula Murilo, após seu primogênito se casar e sair de casa. Entretanto, precisaria da assinatura dos filhos, que constavam como herdeiros. “A promotora falou que eu precisava de um laudo de pessoas ausentes para vender a casa e sair daqui, só que um dia chegou a intimação para falar com o juiz, que me pediu três testemunhas. Então ele decidiu que não poderia ser o laudo de pessoas ausentes e, sim, a certidão de óbito”, explicou.

Para ela, além de ter sido um choque, o fato ainda a deixou muito chateada, já que há algum tempo luta pela identificação da ossada de Murilo, na intenção de realizar um “enterro decente”. Ao receber o documento, Graça procurou uma advogada pela primeira vez desde o desaparecimento do filho, que fez com que, por direito, Maria das Graças recebesse apoio psicológico e psiquiátrico adequado por parte do Estado.

Desejo por um final digno

A esperança pela identificação dos ossos do filho, entretanto, ainda não se esgotou. “É meu sonho, eu morreria realizada se eu conseguisse fazer um enterro para ele. Eu não tenho vida mais mesmo, minha vida acabou. É muito difícil conviver com isso, porque todo mundo esquece o que aconteceu, menos a mãe. A mãe nunca esquece”, desabafa.

Altar criado por Maria das Graças em homenagem ao filho desaparecido. | Foto: Arquivo Pessoal

Apesar da expectativa ainda existir, Maria das Graças afirma não mais “ter fé no trabalho dos policiais e da Justiça”. Para ela, o sentimento é de revolta, impunidade, falta de confiança e medo. “Além do que aconteceu ao meu filho, diversas vezes fui ameaçada por policiais, que me ligavam e me perguntavam até quando eu continuaria a abrir a boca para falar sobre o assunto; e me diziam que se eu não me calasse, eles iriam me calar”, revela.

Lei Murilo Soares

Em 2021, Graça foi positivamente surpreendida quando a deputada estadual, Delegada Adriana Accorsi (PT), apresentou o projeto (nº 3833/2021) que visa a priorização dos procedimentos investigatórios que tratem de crimes contra a vida envolvendo crianças e/ou adolescentes, e é encabeçado pelo nome de Murilo: a Lei Murilo Soares. A proposta ainda se encontra em tramitação na Assembleia Legislativa do Estado de Goiás (Alego).

Ao apresentar a propositura legislativa, a parlamentar ressaltou a importância de se destacar a tendência confirmada no aumento de casos de crianças e adolescentes vítimas de crime contra a vida. ‘‘Esses dados refletem a gravidade da situação e a importância de que ações sejam tomadas para a redução desses números e garantir uma proteção efetiva de crianças e adolescentes. Um dos elementos essenciais a essa resposta é a elucidação desses crimes”, disse.

Maria das Graças conta que pouco tempo após o desaparecimento de Murilo, já havia se encontrado com Adriana, ocasião em que contou sua história e compartilhou sua dor com a delegada. “Ela disse que um dia iria me ajudar, e ela ter colocado o nome do Murilo na Lei foi o cumprimento dessa promessa”, afirmou.

Rede de apoio

Mesmo com tanto sofrimento, Maria das Graças afirma ainda ter uma rede de apoio ao seu lado, que vai desde a sua família, até um grupo de mulheres que perderam seus filhos vítimas de abordagens policiais. “Quando estamos mal, sempre desabafamos uma com as outras”, diz. Ela ainda menciona a colega Simone de Jesus, coordenadora do Núcleo de Pessoas Desaparecidas da Secretaria de Segurança Pública do Estado de Goiás (SSP-GO). “Ela disse que no IML ainda tem 380 ossadas não identificadas, e que enquanto não conseguir saber de quem pertence cada uma delas para me dar uma resposta, não irá sossegar”, conta.