Ambientalistas se organizam para evitar tramitação acelerada da ‘PL do Veneno’

19 maio 2023 às 16h32


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Organizações civis progressistas estão se mobilizando para impedir a aceleração da tramitação do chamado “PL do Veneno” no Senado. Grupos de defesa do meio ambiente estão buscando garantir a aprovação de requerimentos para que a proposta seja analisada pelas Comissões de Assuntos Sociais (CAS), Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) e de Meio Ambiente (CMA).
Essa abordagem visa aprofundar e detalhar o debate, além de atrasar a possível votação em plenário, que é a última etapa do processo de votação.
O projeto, atualmente conhecido como Projeto de Lei (PL) 1.459/2022, foi aprovado em dezembro pela Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) e recebeu a aprovação para tramitação em regime de urgência.
No entanto, com a mudança de legislatura, o processo foi desacelerado. Recentemente, no final de abril, surgiram boatos nos bastidores do Senado de que líderes do agronegócio estavam se organizando para acelerar a votação em plenário. Embora essa informação ainda não tenha sido oficialmente confirmada na página de tramitação do PL, as entidades civis estão em estado de alerta.
Existe o temor de que a Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), a bancada ruralista, possa alcançar esse objetivo em breve. Por esse motivo, organizações como a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), o Greenpeace e a Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida realizaram um “tuitaço” para tentar mobilizar internautas contra essa medida.
Reunião
Além disso, um grupo de representantes dessas organizações se reuniu no mesmo dia, no Palácio do Planalto, com representantes da Secretaria de Relações Institucionais (SRI) e da Secretaria-Geral da Presidência da República (SGP).
O objetivo da reunião foi solicitar o apoio do governo na luta contra o PL, especialmente em termos de articulação da base. Luiza Lima, assessora de Políticas Públicas do Greenpeace, compartilha uma preocupação semelhante.
Em uma ação formal, o Greenpeace enviou um protocolo direcionado ao Senador Pacheco, solicitando que a proposta em questão não seja colocada em votação no Senado. No documento, a organização destaca, por exemplo, o relatório intitulado “Acordo UE-Mercosul: um coquetel tóxico”, que revela os impactos alarmantes do uso de pesticidas por parte dos países do Mercado Comum do Sul (Mercosul).
“Assim como o acordo UE-Mercosul, a organização alerta que quaisquer medidas que venham a facilitar o registro e o uso de mais substâncias sem critérios robustos representam um grave risco para a geração atual e as futuras e que esse é exatamente o caso do PL 1459/2022”, afirma o Greenpeace, em nota enviada à imprensa.
Luiza Lima ressalta que durante o evento denominado “Ato pela Terra” em março de 2022, realizado em Brasília (DF), o presidente do Senado fez uma promessa enfatizando a importância de exercer “total cautela” com projetos que pudessem causar danos ao meio ambiente.
“Eu acho que agora é uma ótima oportunidade que ele tem de cumprir com a promessa dele e fazer essa revisão de despacho, colocar pra outras comissões e fazer com que esse PL não seja votado em plenário como requerimento de urgência, como os ruralistas têm forçado tanto para que aconteça”, argumentou.
“É que esse PL não traz ganho nenhum para a sociedade. Pelo contrário, só traz retrocessos ao modificar a legislação vigente de forma a acabar com a proteção para a aprovação devida dos novos agrotóxicos no país, deixando aí muita insegurança para a população no uso desses agrotóxicos”, completou, justificando que o Greenpeace não identifica elementos suscetíveis a negociação no conteúdo do texto.
Relembre
A proposta em questão começou a tramitar no Congresso em 1999, sob a forma do Projeto de Lei do Senado (PLS) n° 526, apresentado pelo então senador Blairo Maggi, ligado ao setor ruralista e atualmente sem partido, representante de Mato Grosso.
Os parlamentares alinhados à Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) argumentam, de modo geral, que o projeto visa modernizar e agilizar o processo de liberação de pesticidas. No entanto, especialistas da área da saúde e do meio ambiente consideram o texto como um retrocesso na legislação relacionada aos agrotóxicos, pois flexibiliza as normas de aprovação e comercialização desses produtos.
Os agrotóxicos são conhecidos por contaminar o lençol freático, causar danos ao meio ambiente e prejudicar a saúde. Uma das questões mais controversas do texto é a redução do papel regulatório da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama).
Devido a esse ponto e outros, os críticos do projeto argumentam que sua eventual aprovação colocaria o Brasil em uma posição atrasada em relação a outros países mais desenvolvidos, uma vez que tais nações estabelecem limites mais rigorosos para pesticidas considerados mais nocivos.
Caminhos
Considerando os impactos ambientais significativos do projeto, representantes da sociedade civil que participaram das discussões com o governo também abordaram a possibilidade de apresentar um projeto de lei alternativo à proposta defendida pelos ruralistas.
Juliana Acosta, ativista da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida, explica que a campanha não é contrária à ideia de uma legislação que modifique as normas relacionadas aos agrotóxicos. No entanto, o objetivo do segmento é ter um texto que fortaleça o papel regulatório e fiscalizador do Estado e garanta medidas mais protetivas para a saúde e o meio ambiente.
“Há também uma inclinação de certos mediadores do governo de que a gente precisa encontrar um caminho do meio, e a gente entende que o caminho não é negociar esse texto. Não é negociar a supressão de alguns pontos que estão nessa matéria. Negociar esse texto não adianta. Não é bom para a gente, não é bom para a sociedade civil, para os movimentos sociais e também não é bom para o governo, que já declarou que é contra os agrotóxicos”, pontua.
“É porque nós entendemos que, se a gente ficar só no enfrentamento ao ‘PL do Veneno’, uma hora esse PL, que não tem como remendar, pode ser aprovado. Como a conjuntura é ruim, a gente tem dificuldade de avançar no PL do Pnara [Política Nacional de Redução de Agrotóxicos, detalhada no PL nº 6.670/2016] por conta do cenário aqui no Congresso, então, entendo que o governo deverá puxar para si a responsabilidade e tentar construir alternativa. Nós entendemos que esse PL não é bom nem para o agronegócio”, finaliza Nilto Tatto.